No século XVI dois titãs em forma de mulher brigaram no palco político da Inglaterra: de um lado Catarina de Aragão, princesa espanhola que representava a facção católica e as forças imperiais no reino de Henrique VIII; do outro, Ana Bolena, uma jovem audaciosa com algum sangue real correndo em suas veias. Para essas duas senhoras, de ideologias tão distintas, uma coisa em comum as motivava a seguir adiante, ou seja, possuir a coroa, o orbe e o cetro de soberana, aliado ao amor do único homem que podia conceder tais privilégios. Por 20 anos Henrique fora casado com a filha dos reis católicos, mas dela teve apenas uma filha, além de incalculável respeito e devoção. Ana, por sua vez, representava uma nova Era, o tempo da renascença, que se concentrava na razão e na ciência, em vez de na força da fé. Não obstante, ela se destacava entre todas as outras damas da corte, não apenas pela sua singular aparência, como também por um raciocínio rápido e modos coquetes que adquirira em França e que tanto encantava os homens de sua época.
Apesar de fazer uma brilhante defesa na corte legatícia em Blackfriars Hall, implorando por todo o amor que houvera entre ela e Henrique, Catarina não conseguiu aliviar a sua posição, mas, pelo menos, fez cair um de seus maiores inimigos. Muitos atribuem a queda do Cardeal Wolsey à influência de Ana Bolena. É certo que ela teve seu papel neste processo, entretanto, se houvesse sido bem sucedido no tribunal, possivelmente Wolsey ainda conservaria em seus ombros a chancelaria do Estado, mais todos os privilégios deste cargo; certamente a Inglaterra não teria rompido com Roma naquele instante e o máximo de perigo a que o reino estaria exposto seria a uma invasão das tropas do Imperador Carlos V. Todavia, outro agente contribuiu para que os desejos do rei e de seu leal servo não alcançassem êxito. A paixão e eloquência do discurso de Catarina de Aragão, aliado às suas recusas de só apenas curvar-se perante uma decisão vinda diretamente do Papa é que, na verdade, representou o golpe final nas esperanças do cardeal, custando-lhe posteriormente a perda de seus benefícios, e a saúde que lhe custaria a própria vida.
Na busca por culpar alguém pelo seu insucesso, Henrique VIII não viu vítima mais perfeita que o homem que lhe serviu por tantos anos e que se tornara imensamente rico graças à sua posição junto ao rei. Acusado de Praemunire, ou seja, de exercer poderes estrangeiros no reino (neste caso, o poder papal), o outrora chanceler de Inglaterra estava a caminho de Londres para ser julgado quando parou em uma abadia a fim de descansar, e lá morreu poucos dias depois, em 29 de Novembro de 1530. Nesse estágio, a família Bolena estava no ápice de sua influência, passando, então, a ocupar no coração dos súditos o ódio que antes devotavam ao cardeal. Reza uma lenda de que um grupo de mulheres chegou mesmo a marchar contra Ana, que, por sua vez, só conseguiu escapar devido a uma rápida fuga através do rio.
Sendo assim, estava claro que Ana Bolena e Catarina de Aragão já não mais podiam conviver no mesmo palácio. Enquanto a filha de Isabel a Católica estivesse ali, ainda costurando camisas para o rei e exercendo sua função de rainha em ocasiões públicas, Ana nunca estaria tranquila. Afinal, desperdiçara tantos anos de sua juventude para quê? O que ela até então tinha ganhado de seu relacionamento com o rei, além de novas terras e títulos para a sua família? Nesse caso, Henrique precisava tomar uma medida e já, ou, do contrário, sua autoridade de monarca seria motivo de zombaria aos olhos da amada. Então, na manhã de 11 de Julho de 1531, o rei e sua Lady deixaram o palácio de Windsor para caçar e só retornariam no dia seguinte. Sequer despindo-se de sua esposa, o soberano deixara-lhe uma ordem expressa para abandonar seus aposentos e deixar a corte com séquito reduzido para uma residência de condições pobres e insalubres; não teria mais permissão de escrever para o rei ou, muitos menos, de visitar sua filha, caso ela não fosse complacente e aceitasse a anulação do casamento, o que Catarina jamais faria.
Para a soberana, o estado do matrimônio a que Deus lhe chamara era algo sagrado e, portanto, assumir que nunca fora casada seria o mesmo que dizer que sua vida até então tinha sido uma mentira, que sua filha era uma bastarda e que ela própria era uma meretriz. Em nenhum momento ela se mostraria disposta a atender aos desejos do marido, mesmo quando Maria caiu doente, alguns anos depois. Henrique, por sua vez, havia concebido uma nova forma de alcançar seus objetivos, graças à intervenção de um prelado bastante chegado à família Bolena. Seu nome era Thomas Cranmer, que havia sugerido ao rei que recorresse ao parecer das universidades da Europa quanto à validade de seu casamento. Não obstante, um encontro com Francisco I da França havia sido organizado, a fim de que este rei, outrora inimigo do seu vizinho inglês, se dispusesse a interceder junto a Roma em prol da anulação do casamento e, em troca, Henrique VIII o apoiaria contra o Imperador Carlos V.
Para a ocasião, porém, Ana Bolena não iria como uma simples dama da corte, mas sim como um membro da alta nobreza. Para ela, o rei concedeu o Marquesado de Pembroke, além das joias de Rainha da Inglaterra, que Catarina de Aragão só com esforço foi capaz de entregar. Entretanto, algures em 1532, uma sombra voltou a pairar sobre a virtude de Ana: o poeta Thomas Wyatt. É sabido por muitos o quanto que este homem admirava a filha do Conde de Wiltshire, a ponto de inclui-la em seus versos. Contudo, para afastar qualquer desconfiança de sua pessoa, Henrique decidiu leva-lo a Calais, para o encontro com o rei de França. Sobre isso, Wyatt escreveu:
”E agora sigo em brasas que precisam ser extintas. De Dover para Calais, contra a minha vontade…” (apud FRASER, 2010, p. 174).
É possível perceber a partir do verso do poeta o quanto que ela ainda se encontrava sobre o feitiço da amada e que, contra a sua vontade, faria aquela viagem para apagar de vez a chama da paixão de outrora.
Mas, para a humilhação de Ana, a rainha de França, Eleonor (sobrinha de Catarina de Aragão) se recusou a recepcioná-la, assim como Margaret d’Angoulême (rainha de Navarra e irmã de Francisco I). Para aliviar esse estado de tensão, Henrique decidiu que iria se entrevistar sozinho com o seu “irmão” e depois o conduziria às festividades organizadas em homenagem ao encontro. Desta vez, não haveria nada da opulência do “Campo do pano de ouro” (ocorrido 12 anos atrás), até porque os recursos dispensados por ambos monarcas ao longo dos anos não possibilitavam a organização de grandes eventos. Conta-se que houve uma apresentação de dançarinas perante Francisco, que, por sua vez, puxou para dançar uma dama, cujos olhos negros e brilhantes lhe fitavam através da máscara. Para grande surpresa do soberano, era aquela menina de tez morena, irmã mais nova de uma de suas ex-amantes, e a quem todos chamavam de mademoiselle boullan. Com efeito, a moça havia se tornado uma belíssima mulher e conquistado para si ninguém menos que o rei de Inglaterra.
Será que Francisco sentiu alguma ponta de inveja da beleza da amada de seu rival? Talvez sim, talvez não. O certo é que Ana Bolena e Henrique VIII, entre as tempestuosas noites passadas em Calais, puseram fim a tantos anos de espera e resolveram se entregar à sua paixão. Caso o rei se cansasse de Ana, pelo menos ela já tinha conquistado para si um marquesado e as rendas que o mesmo lhe forneceria. Mas quis o destino que as atenções do monarca aumentassem ainda mais pela amada, na medida em que os dias e semanas se passavam e ele percebia que o ventre dele começava a ficar maior. Ambos sabiam o que aquilo significava e a necessidade de tomar uma atitude de tornava cada vez mais urgente. Era preciso, dessa forma, que os dois se casassem, para que a legitimidade do futuro rebento do casal não fosse contestada. De acordo com as fontes, o rei e sua Lady contraíram bodas em uma cerimônia secreta no Palácio de Whitehall em 25 de Janeiro de 1533, embora a versão oficial alegue que o mesmo se realizara em Dezembro de 1532. Desconsiderando-se a imprecisão nas datas, o certo é que o próximo passo na jornada de Ana Bolena já estava definido, assim como o destino de toda uma nação: ela seria coroada Rainha de Inglaterra!
Fontes:
Artigo escrito por Renato Drummond Tapioca Neto – Dono da página Rainhas Trágicas.
Referências Bibliográficas:
FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos Do Nascimento E Silva. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010
ERIKSON, Carolly. Ana Bolena: Un Amor Decapitado. Tradução de León Mirlas – Buenos Aires, Argentina: Atlántida, 1986.
HACKETT, Francis. Henrique VIII. Tradução de Carlos Domingues. – São Paulo: Pongetti, 1950.
IVES, Eric W. The life and death of Anne Boleyn: ‘the most happy’. – United Kingdom: Blackwell Publishing, 2010.
MATTINGLY, Garrett. Catalina de Aragón. Tradução de Ramón de La Serna – Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1942.
O poder sempre encaminha os “poderosos” á corrupção!!!!!!!!!!!!!!!!
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De fato, Mari!=/
adorei