Após perder quatro filhos, natimortos ou mortos dias após nascerem, Henrique continuou tentando produzir um herdeiro varão. No verão de 1515, o monarca descobriu que sua esposa estava novamente grávida e as expectativas eram imensas.

Ela foi a criança que sobreviveu. O bebê do inverno nasceu na madrugada de segunda-feira, dia 18 de fevereiro de 1516, no Palácio de Placentia em Greenwich, Inglaterra. A jovem e ruiva menininha, foi forte e rechonchuda o suficiente, para dissipar qualquer receio imediato sobre uma morte prematura. Após um cansativo e difícil parto, Catarina de Aragão, rainha consorte da Inglaterra, deve ter ousado esperar que suas preces para uma criança saudável, haviam finalmente sido atendidas.
A Rainha não soube da morte de seu pai, o Rei Fernando de Aragão, apenas dois dias antes. A notícia da morte do Rei católico virou um burburinho em Londres, mas fora deliberadamente mantida longe de seu conhecimento, para que pudesse dar à luz calmamente e sem maiores receios.
Batismo:
Maria foi criada como uma princesa inteiramente inglesa. Tal ênfase iniciou-se com seu batismo, na quarta-feira seguinte, seguindo a tradição local. O caminho para a igreja, havia sido anteriormente limpo da pesada neve que cobria o local. A Londres do século XVI, foi surpreendentemente capaz de produzir um espetáculo em prazo muito curto e o batismo da pequenina herdeira de Henrique, fora um deles. Na ocasião, Maria esteve cercada pelos mais poderosos súditos de seu pai. Para reforçar a importância de seu nascimento, o escolhido para seu padrinho, foi o ministro-chefe de Henrique, o imensamente capaz e talentoso Cardeal Wolsey. O rei francês Francis, que recentemente herdara o trono, incisivamente não fora solicitado.

Nem Henrique nem Catarina estavam presentes na ocasião. Desde o casamento do monarca, não haviam tantos nomes da alta aristocracia reunidos em um evento público. No entanto, esta não fora uma ocasião familiar e sim, uma assunto de Estado. Henrique queria exibir seu próprio poder em um cenário impressionante, e também lembrar qualquer um de seus grandes Lordes, que ele era o legítimo herdeiro Lancaster e York. Como sua madrinha, a escolhida fora Lady Catherine de Devon. Aos 37 anos, ela era uma jovem tia-avó, embora já fosse viúva. Ela havia casado-se com William Courtenay, tornando-se Condessa de Devon, onde viveu em considerável estilo, perto de Tiverton. Não sabemos qual foi seu papel futuro como madrinha, mas sabemos que os registros de 1517/18 mostram que ela deu a sua afilhada, uma rica colher de ouro.
Quatro cavaleiros do reino, levariam o dossel com o bebê aninhado para dentro da igreja. Um deles, em uma ironia que apenas tornou-se evidente com o passar dos anos, foi Thomas Bolena, um diplomata de carreira, talento e ambição, que havia enviado sua própria filha Ana, para tornar-se uma grande Dama nas Cortes de Borgonha e França.
A Pérola da Corte:
Uma vez que a cerimônia fora concluída, Maria fora devolvida aos braços de sua mãe, nas câmaras da Rainha, no Palácio de Greenwich. Catarina presumivelmente havia recuperado-se o suficiente do nascimento de sua filha, 48 horas após o ocorrido. Não sabemos quando Henrique viu sua filha pela primeira vez, apesar de saber que ambos os pais estavam satisfeitos com sua chegada. Foi relatado que o monarca vangloriaria-se de sua herdeira. Maria era um belo bebê, e não há porque duvidar que houve uma genuína afeição paternal de Henrique, embora esta, não fosse durar muito tempo.
Deitada em seu magnífico berço, ela desde o início de seus dias, foi muito bem assistida por inúmeros serviçais. Ela dispôs de uma lavadeira para lidar com toda a lavagem de roupas necessária que um bebê requisitava e damas que velariam por outros cuidados. Na alimentação e rotina diária de sua vida, Catarina não tomaria parte. Nos dois primeiros anos de sua vida, Maria foi cuidada por uma ama de leite, Catherine Pole (depois, Senhora Brooke), esposa de um dos arrumadores-cavalheiros do rei. Nos outros aspectos, a primeira dama e governanta de Maria, Elizabeth Denton, seria a responsável. Era dela a missão de deixar o bebê o mais apresentável e calmo possível quando sua mãe a rainha, fosse vê-la. Em meados de 1518, o papel de Elizabeth Denton, foi revertido para Lady Margaret Bryan, que posteriormente cumprira o mesmo papel com os dois filhos mais jovens do Monarca, nos primeiros estágios de suas vidas.
O lar da princesa, parece ter sido uma unidade que passou a funcionar dentro de poucos dias após seu nascimento. Assim como uma equipe de enfermagem, serviçais, lavadeira e governanta, ela também possuiu um tesoureiro para gerenciar suas finanças, um capelão e uma fidalga.
As despesas de Maria logo passariam a crescer. Nos seis meses entre outubro de 1517 e março de 1518, elas ficaram entre 421 libras. No entanto, em 1519-1520, elas haviam subido para 1100 libras, o equivalente atual à 400 mil libras. Não foi até a morte de seu pai, em 1547, que Maria teria realmente qualquer rendimento próprio, mas ela cresceu dispondo de uma substancial unidade de negócios, cujos membros tinham consideráveis responsabilidades, bem como privilégios.

A partir destes primeiros dias, Maria iria viver perto, mas separada de seus pais. Enquanto bebê, ela parece ter ficado próxima eles, tendo passado o Natal em sua companhia, em Greenwich. No entanto, os bebês e todos os aspectos que os envolviam, não figuravam na vida quotidiana dos monarcas do século XVI. Embora seja necessário ressaltar, que há evidências de que Henrique e Catarina, tinham um interesse em particular, maior que outros monarcas do período, no desenvolvimento de sua filha, embora a ideia de que Catarina tenha criado Maria, esteja em desacordo com o papel desenvolvido por uma rainha consorte. Catarina no entanto, desempenhou dentro do esperado, especiais cuidados neste quesito, procurando manter um assíduo papel na vida de sua filha.
A vida de Maria sempre foi peripatética; ela não tinha residência fixa. Desde seus primeiros dias, ela mudou-se de palácio em palácio, mais no verão que no inverno, com frequência perto de seus pais, mas não estando a seu lado. A maioria de suas residências de verão, como uma criança muito pequena, estavam nos municípios de origem ocidental, onde seu pai gostava de caçar. Em geral, os locais foram escolhidos de modo que Catarina pudesse facilmente visitar sua filha. No entanto, não fora sua mãe que esteve a seu lado, assistindo-a sempre, de sua infância a vida adulta.
Esta responsabilidade esteve a cargo da Condessa de Salisbury, que foi a principal influência direta sobre a princesa nos anos de formação de sua vida. Era uma relação próxima e afetuosa, que Maria jamais esqueceu; no futuro, ela entraria em profunda angústia, após ser separada da mulher que a havia criado.
Relações Pessoais e Políticas:
A partir deste ponto, um fato foi aceito: Maria era a única filha de seu pai, portanto, sua herdeira. Podemos imaginar o desgosto de Catarina, quando a amante de Henrique VIII, Elizabeth Blount, deu à luz um filho em 1519, fazendo-a temer pela posição de sua própria filha. Mais tarde, a posição do jovem Henry Fitzroy em relação a sua meio-irmã, tornou-se menos clara, embora nunca na mente de Catarina. Tal aspecto, causou um grande mal-estar entre o rei e a rainha, e foi resolvido de tal forma: em 1525 Maria foi enviada para sua própria Corte, em Ludlow, onde iria administrá-la junto de seu pequeno conselho. Esta era uma residência típica dos príncipes de Gales, titulo concedido ao herdeiro do trono. Maria não foi oficialmente nomeada princesa de Gales, mas como na prática ela possuía sua própria corte e aprendia questões administrativas, foi tratada e considerada como tal. Nesta época, muitos até então, acreditavam que Maria era a herdeira do trono inglês.
Maria cresceu rodeada do afeto de seus funcionários, que pode muito bem ter tido algum grau de interesse próprio em manter seu emprego, mas que parecia ser, em suma, genuíno.Tal capacidade em inspirar logo cedo lealdade e amor naqueles que a serviam, permaneceu uma constante ao longo de sua vida e ela foi sempre muito solícita a seus funcionários.
Embora fosse uma menina em um mundo adulto, sua vida não foi necessariamente desprovida de diversões. Um companheiro tardio na vida de Maria, foi seu bobo, Jane Cooper, um dos poucos exemplos femininos que dispomos de um papel que era geralmente dad0 aos homens. As duas parecem ter tido uma estreita relação, tendo Maria arcado com as despesas de Jane para cortes de cabelo e doenças. Bobos da Corte não eram apenas artistas, eles eram uma espécie de válvula de escape emocional. É provável que enquanto criança,

Maria apreciasse as travessuras dos bobos da corte de seu pai, mesmo não tendo nenhum oficialmente ligado a sua casa.
Não há registros de Maria ter mantido contato com outras crianças ou sendo educada com elas em seus primeiros anos, ao contrário de seus irmãos Elizabeth e Eduardo, duas décadas depois. Isto no entanto, não é uma prova conclusiva de que ela cresceu em completo isolamento.
Sua primeira relação – se é que podemos assim – com outra criança, ocorreu em 1517, quando foi nomeada madrinha de sua prima, Frances Brandon, filha de Maria Tudor e Charles Brandon. Como jovens em sua adolescência, as primas passaram um considerável tempo em companhia uma da outra.
Educação:
A Corte de Catarina de Aragão, era profundamente ligada a educação. A rainha fazia questão de trazer os melhores escolares e pensadores da época para o local, e nomes como Erasmus de Rotterdam, Thomas More e Juan Vives eram frequentadores da corte inglesa neste período.
Catarina certificou-se de que sua filha recebesse uma boa e digna educação renascentista, assim como ela e suas irmãs, uma vez tiveram na Espanha. Maria possuía linhagem real de ambos os lados de seus pais, nascendo para ser uma rainha, de acordo com seu porte. A rainha então, passou a supervisionar e nomear professores como Richard Fetherston, ao invés do ensino direto. Quando foi enviada ao País de Gales, Catarina escreveu para ela: –
“Quanto a sua escrita em latim, estou contente que você tenha mudado de mim para o Mestre Fetherston, pois deve aprender muito melhor por ele, a escrever bem.”
Catarina também pediu-lhe para enviar-lhe o trabalho que ela havia produzido em latim, após Fetherston corrigi-lo.
A mãe de Catarina, Isabel de Castela, aprendeu latim apenas após adulta e com muito esforço pessoal, e não estava disposta que suas filhas passassem pelo mesmo problema. Graças a isto, Beatriz Galindo foi a responsável por este aspecto da educação das princesas de Castela e Aragão, que aprenderam um ótimo latim e eram fluentes no idioma. Com base nisto, Catarina queria que sua filha também tivesse a melhor instrução possível no idioma.
Com pouco mais de nove anos de idade, ela foi mencionada em uma oração em Latim, cortesia dos comissários enviados de Flandres para propósitos políticos, respondendo-lhes no mesmo idioma. Seu pai estava orgulhoso de suas realizações.
Quando Henry Parker, décimo Barão Morley (pai de Jane Bolena), dedicou a ela sua tradução de Aquino sobre a salvação angelical, ele ficou surpreso por sua habilidade no latim e disse:
“Lembro-me bem que vós chegaria aos 12 anos de idade, tão madura em língua latina, algo raro ao que sucede ao sexo feminino, que sua graça não só poderia perfeitamente ler, escrever e interpretar a língua latina, como além disto, traduzir qualquer texto difícil para a nossa língua”.
Maria foi uma criança singularmente precoce. Ela adorava tocar virginal, espineta e alaúde. É relatado que em julho de 1520, com quase quatro anos e meio de idade, ela entreteve alguns visitantes da corte, com um belíssimo desempenho no virginal.
Além do latim, era capaz de falar espanhol e francês fluentemente, e seus contemporâneos comentaram que era uma exímia dançarina, muitas vezes exibindo seu talento aos embaixadores quando visitaram Henry VIII na corte.
Catarina convidou o célebre humanista espanhol, Juan Luis Vives, para vir à Inglaterra, encarregando-lhe de escrever um tratado sobre a educação geral das mulheres, além de um esboço de estudos para Maria. Ann Weikel, assinalou: –
“Vives entregou uma mensagem mista, pois enquanto defendia a educação das mulheres, uma ideia avançada para a época, ele ainda as vias como inferiores. A lista de leitura aceitável, incluía as escrituras, mas apenas alguns clássicos pagãos, não havendo romances medievais, pois ele acreditava que as mulheres poderiam ser desviadas muito facilmente. Vives recomendou que Maria lesse os diálogos de Platão, obras que dotam as mulheres com as mesmas virtudes que homens, a fim de desenvolver em Maria, uma noção da mulher como guardiã ou governadora. Deste modo, enquanto Maria recebia uma excepcional educação humanista para uma mulher em seu período, as negociações de casamento e aparições na Corte, reforçaram a crença convencional de que seu verdadeiro destino era ser uma esposa e mãe real, não uma governante em seu próprio direito”.
No entanto, segundo a biógrafa de Maria, Anna Whitelock, ela acredita que Catarina não concordou com Vives e queria que sua filha sucedesse Henrique VIII. O ponto de vista da Rainha, foi influenciado pelo de sua mãe, Isabel de Castela, que havia “recusado-se a ceder à pressão para alterar as leis castelhanas que permitiram sua filha mais velha a sucedê-la”. Whitelock argumenta que Catarina estava convencida de que “a soberania do sexo feminino era compatível com a obediência de esposa, e não havia nenhuma boa razão para que Mary não pudesse suceder seu pai. Catarina estava determinada a preparar sua filha para governar”.
Propostas Maritais:
Maria tinha pouco mais de dois anos de idade, quando foi prometida em casamento para o delfim, filho de Francis I. Três anos depois, a aliança francesa foi perdida, e em 1522 ela foi prometida a seu primo, o jovem imperador Carlos V – 16 anos mais velho que ela – pelo Tratado de Windsor. Não sabe-se qual a perspectiva do reino em relação a este matrimônio, embora existam registros de ”cartas de amor” (meros lembretes diplomáticos e nada mais) enviadas pela menina de nove anos a seu poderoso primo.
Sebastian Giustinian, recorda que viu Henrique com Maria durante este período: “Ela aproximou-se, ajoelhou-se e beijou-lhe a mão.” Henrique disse então, orgulhoso ao embaixador, que Maria nunca houvera chorado (certamente, nunca em sua frente). Giustinian respondeu: “Sagrada Majestade, a razão é que seu destino não se move às lágrimas, ela vai mesmo tornar-se rainha da França.”
Segundo a biógrafa de Maria, Ann Weikel: “Muitos problemas surgiram durante as negociações posteriores, em 1527. Uma delas, seria a recusa de Henrique em permitir que Maria deixasse o reino, pois possuía apenas onze anos de idade. A fim de impressionar os emissários franceses, Maria novamente demonstrou suas habilidades em idiomas, música e dança, mas sua pequena estatura, os fez hesitar sobre a viabilidade de um matrimônio imediato.” Durante estas negociações, um relatório informou que achou-a “admirável por seus enormes e incomuns dotes mentais, mas tão magra, esparsa e pequena, para tornar possível casar-se nos próximos três anos”.
Em 1522, Charles visitou a Inglaterra e isto proporcionou-lhe a oportunidade de vislumbrar e conhecer sua prima de seis anos de idade e futura consorte. Em uma ocasião na Corte, Maria dançou para ele. No entanto, quando Charles posteriormente anunciou que iria casar-se com Isabella, a filha do rei de Portugal, Henrique fez uma proposta, selando o destino de Maria, pelo casamento com François I ou seu segundo filho, Henrique, duque d’Orléans.
Aparência e Personalidade:
Em sua juventude, Maria foi considerada uma jovem belíssima, possuindo todos os principais atributos estéticos apreciados no período. Ela possuía cabelos avermelhados, tal como seus pais e olhos azuis acinzentados, seu rosto era fino e em formato de coração, ela era magra e de pequena estatura, com uma pele bastante delicada (fator apreciado no período). No entanto, sua voz era grave, tal como a de sua mãe, aspecto que lhe dava um ar mais imponente.
Certa vez, ela fora descrita como ”uma das princesas mais atraentes e talentosas da Europa”. O poeta John Heywood, escreveria: ”Sua beleza brilha como uma estrela, dentro da noite fria’”.
Maria tinha uma personalidade meiga e dócil. Seria apenas após o divórcio de seus pais, que a jovem experimentaria um lado mais melancólico de sua vida.
Continua…
Não sabia nada á respeito da Maria Tudor..Achei interessante em sabê-la inteligente e ter recebido educação requintada. De que adiantou?Coitada! Deve ter sido decepcionante não ser considerada princesa , nem herdeira do pai………..
Já deixei………..
Interessante né Mary!?
A vida dela, assim como de muitos na corte Tudor, deu uma bela reviravolta, continue acompanhando e obrigada por comentar!=)
Ótimo texto! Tão bom ler sobre a vida da Mary sem as visões caricatas que rondam a sua história. É bonito ver o cuidado que Catarina teve com sua educação e como sempre a criou para ser uma rainha. Sua mãe e ela são minhas personagens históricas mais queridas.
salve maria rainha da inglaterra