A Morte de Catarina Parr e seu Cadáver Incorrupto

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Apenas seis meses após ficar viúva de Henrique VIII, Catarina Parr prendeu-se à chance de ser feliz novamente, casando-se com Thomas Seymour. O acontecimento chocou a todos, mas o que poucos sabiam, era que Thomas já havia perseguido Catarina, antes do Rei depositar seus perigosos olhares nela.

Thomas Seymour era um homem ambicioso. Sua irmã, Jane Seymour, havia sido a terceira esposa de Henrique VIII. Ao contrário das esposas anteriores do monarca, a família de Jane manteve o favor real mesmo após sua morte. Thomas ainda era solteiro quando o rei faleceu no Palácio de Whitehall, em 28 de janeiro de 1547, e não era segredo que ele estava a procura de uma esposa rica e bem relacionada. Ele já havia demonstrado interesse em Catarina tempos antes desta tornar-se rainha consorte. No entanto, após o envolvimento de Catarina com o rei, Thomas considerou desposar Maria Howard, viúva de Henry FitzRoy (filho de Henrique VIII com sua amante Bessie Blount), mas a ideia não foi adiante.

É possível que Catarina tivesse amado ou demonstrado interesse em Thomas, antes de desposar o monarca Tudor. No entanto – como sabemos – dizer ”não” ao rei, não era uma opção, especialmente quando este lhe propunha casamento. Catarina fez o que tinha de fazer, ela aceitou a proposta e tornou-se uma boa rainha. Ela foi uma mulher deveras instruída, patrona das artes e literatura, sendo também, a primeira Rainha da Inglaterra a publicar um livro em seu próprio nome. É importante mencionar que o lado maternal de Parr, fez dela uma mulher gentil e solidária para com os filhos do monarca, especialmente suas filhas negligenciadas. Protestante convicta, sua dedicação aos assuntos da Reforma, quase custaram-lhe a vida, mas ela conquistou o perdão real e sua prisão foi cancelada pelo monarca, já bastante cansado e velho.

Após a morte de Henrique VIII, Catarina tornou-se Rainha viúva e a mulher mais rica de toda a Inglaterra. Ela sabia que a intenção do novo Rei e seu conselho, era entregar sua mão em um enlace político favorável o mais rápido possível. Tendo isto em mente, Catarina resolveu tomar as rédeas de seu destino; ela já havia casado-se três vezes por dever, uma delas, como o Rei da Inglaterra. O que mais ela poderia temer? Ela resolveu então, seguir seu coração e desposar Thomas Seymour em segredo.

O namoro entre Catarina e Thomas parece ter sido apaixonado, porém, seu casamento passou por momentos delicados quando seu marido, passou a prestar mais atenção do que deveria na jovem filha do falecido rei, Lady Elizabeth. A jovem Elizabeth, após a morte de seu pai, encontrava-se sob os cuidados de sua até então madrasta Catarina, passando a viver sob seu teto. Relatos contemporâneos dizem que o affair de Thomas com Elizabeth foi longe demais; suas brincadeiras inadequadas com a jovem filha do rei, acabaram sendo descobertas, gerando então, um enorme desconforto entre Catarina e sua querida enteada.

Embora bastante perceptiva e educada, Catarina viu-se em conflito sobre como lidar com tal situação. Dividida entre o marido e a enteada, que considerava sua própria filha, Catarina passou a fazer vista grossa para as escapadas de seu marido. Talvez ela tenha racionalizado que tal atitude a traria para mais perto dele, ou talvez, ela apenas pensou que fosse uma boa oportunidade para vigiar de perto, seu comportamento.

Logo Catarina engravidou, o que foi grande surpresa para todos, pois acreditavam que a antiga rainha era estéril. Durante sua gestação – delicada devido sua idade avançada – ela tornou-se muito menos tolerante com o interesse de seu marido em Elizabeth. Após ambos terem sido repreendidos entre brincadeiras e risadas em uma sala onde Elizabeth encontrava-se apenas de camisola, com suas vestes rasgadas, as coisas mudaram seriamente de rumo. Grávida e instável, Catarina ficou bastante envergonhada, mandando então, Elizabeth embora. Ainda assim, Elizabeth e Catarina não ficaram em situação ruim, elas ainda se escreviam durante sua separação.

Em 30 de agosto de 1548, Catarina deu à luz no Castelo Sudeley, em Gloucestershire. O nascimento correu bem, exceto pelo fato de que a criança era uma menina. Ela recebeu o nome de Maria Seymour. Catarina conseguiu realizar seu sonho de ser mãe, dando à luz a uma saudável menininha. Porém, as coisas pareciam estar saindo-se bem demais para ela; uma família formada, um marido que amava, um lar e uma linda menina, pareciam ser muito para esta mulher, e ela logo adoeceu…
Após dar à luz, Catarina que lutou contra tantas adversidades em sua vida, acabou por padecer do mesmo destino que Elizabeth de York – mãe de seu outrora marido Henrique VIII -, e Jane Seymour – terceira esposa de Henrique VIII e irmã de seu atual marido. Com febre puerperal – um mal comum do período -, veio a ter delírios incessantes e falecer apenas 6 dias após o parto, em 5 de Setembro de 1548. Ela tinha 35/36 anos de idade.

O seguinte testemunho foi dado por uma de suas damas, Elizabeth Tyrwhitt, esposa de Sir Robert Tyrwhitt: –

“Dois dias antes da morte da Rainha, em minha vinda até ela na parte da manhã, ela perguntou-me por onde eu havia estado por tanto tempo e disse para mim, que temia algumas coisas em si e que tinha certeza que não poderia viver. Ao qual eu respondi – conforme acreditava – que não via nenhuma probabilidade de ela falecer. Ela então, tomando meu Senhor Almirante [Thomas Seymour] pela mão e diversas outras pessoas de prontidão, proferiu estas palavras – parte delas, acredito eu – em delírio: ‘Minha senhora Tyrwhitt, eu não estou sendo bem tratada por aqueles que deveriam cuidar de mim, mas se detém rindo de minha dor, e quanto melhor sou para eles, pior eles são para comigo’. No que meu Senhor Almirante respondeu: ‘Porque querida? Eu não causaria a ti dano algum’, e ela disse-lhe novamente em voz alta: ‘Não meu senhor, eu acho que sim’, e imediatamente, disse-lhe em seu ouvido: ”mas meu senhor, você deu-me muitos insultos e provocações’. Estas palavras percebi que ela falou com boa memória, muito energicamente e sinceramente, embora sua mente estivesse bastante inquieta. Meu Senhor Almirante, ao perceber que a ouvi, chamou-me de lado e perguntou-me o que ela havia dito; e eu declarei claramente a ele”. 

Apesar de sua raiva pelo modo que seu marido a havia tratado, Catarina fez seu testamento no quinto dia após o nascimento de Maria, deixando tudo para ele, com a ressalva de que desejou poder ter sido mil vezes mais. Ela morreu nas primeiras horas da madrugada, entre uma ou duas, do sexto dia após o nascimento de sua tão esperada filha.

Ao saber da morte de sua madrasta, Elizabeth ficou devastada. Apesar da traição que havia experimentado sob os cuidados de Catarina, ela nunca se esquecera de que esta mulher a havia tratado como sua própria filha. Ela a amava, intercedeu por ela com seu pai, e lhe proporcionou a melhor das educações. Apenas alguns anos antes (em 1545), a princesa Elizabeth havia presenteado sua madrasta com a tradução do livro: O Espelho da alma pecadora – de Margarida de Navarra. O presente foi destinado à mostrar suas habilidades acadêmicas, que havia adquirido graças aos tutores prestados à ela por sua gentil madrasta. A capa foi bordada por suas próprias mãos, e incluiu as iniciais de Katherine Parr, “KP” no centro.

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Catarina por si só, foi um grande modelo de educação, dotes políticos e religião para a jovem Elizabeth. Apenas um ano após seu casamento com Henrique VIII, a madura e realizada Catarina, foi confiada a ser regente da Inglaterra por 3 meses. Finalmente Catarina havia saído-se campeã de seu matrimônio com Henrique VIII, apenas para vir a falecer, pouco mais de um ano depois.

Após sua morte, conforme o costume do período, seu corpo foi cuidadosamente lavado e embebido em líquidos desinfetantes e depois, envolto em camadas de cerecloth (tecido encerado) a fim de prevenir sua decomposição. Em seguida, ele foi colocado em um caixão de chumbo que moldava seu corpo, e por fim, depositado na capela do Castelo de Sudeley.

Na procissão de seu funeral, a jovem e 11 anos, Lady Jane Grey (futura rainha dos nove dias), que morava com ela na época de sua morte, foi a responsável por desempenhar o papel de dama enlutada. Este seria o primeiro funeral protestante realizado em solo Inglês, deste modo, possuindo menos pompa que os funerais habituais do período.

Após a execução de seu marido, Thomas Seymour, em 20 de Março de 1549, Maria, a filha do casal, foi viver sob os cuidados de Katherine Willoughby, amiga de Parr. Confiram o destino que tomou a criança, neste artigo: Mary Seymour – Qual o Destino da Filha de Catarina Parr e Thomas Seymour.

O Cadáver de Catarina Parr:

Ao longo dos anos, o castelo – e a capela – onde Catarina Parr viveu um dos mais alegres momentos de sua vida, caiu em ruínas. O telhado destes edifícios foi removido e a natureza por fim, encarregou-se do resto do trabalho.

Séculos depois, na década de 1780, quando as ruínas do castelo e igreja, eram apenas uma sombra de seu vívido passado, o novo residente da terra, que remexia as ruínas, avistou um caixão enterrado a uma profundidade de dois pés. Uma testemunha do ocorrido, descreveu a descoberta:

Sr. John Lucas (que ocupava a terra do Lord Rivers, onde as ruínas da capela encontram-se) teve a curiosidade de retirar a tampa do caixão, esperando descobrir dentro dele, apenas os ossos do falecido, mas, para sua grande surpresa, ele encontrou o corpo inteiro, embrulhado em 6 ou 7 voltas de tecido de linho e incorrupto, embora tenha permanecido por lá por volta de 230 anos. Sua insustentável curiosidade, levou-o também a fazer uma incisão através dos panos que cobriam um dos braços do cadáver, cujo a carne naquela hora, encontrava-se branca e macia. Eu fiquei deveras descontente com o atrevimentos de Lucas, que em sua própria vontade, abriu o caixão. Teria sido suficiente tê-lo encontrado, e depois, feito um relatório ao próprio Lord Rivers, ou a mim. 

No verão do ano seguinte, em 1783, os negócios de meu senhorio, tornaram necessário para mim e para meu filho, estar no castelo de Sudeley, e ao ser notificado o que fora feito no ano anterior por Lucas, eu pedi que a terra fosse mais uma vez removida, para satisfazer minha própria curiosidade e achei o registro de Lucas do caixão e cadáver, como ele os representou, com a diferença de que o corpo estava bastante fétido, e a carne onde a incisão foi feita, estava marrom e em estado de putrefação em consequência do ar que instalou-se dentro do caixão. O mau cheiro do cadáver enjoou meu filho, enquanto copiava a inscrição que estava no caixão de chumbo; ele no entanto, o fez com grande exatidão. Depois, eu decidi que uma laje de pedra fosse colocada sobre a sepultura, a fim de prevenir qualquer futura inspeção inadequada, ou algo do gênero. 

O caixão possuía uma placa de chumbo de identificação. Vocês podem ver sua réplica à direita. Ele possuía tais dizeres:

”K.P.
Aqui jaz Rainha Catarina,
esposa do Rei Henrique VIII
e esposa de Thomas,
Lord de Sudeley,
Alto Almirante da Inglaterra
e tio do Rei Eduardo VI.
Morta, 5 de Setembro
MCCCCC

XL VIII”

Lucas cortou algumas mechas de seu cabelo, um pedaço de tecido encerado, e possivelmente arrancou um dente (ou alguém mais o fez durante outras visitas; o dente encontra-se atualmente no museu do castelo de Sudeley). A laje de pedra descrita pelo visitante, aparentemente nunca foi colocada em prática.

Do livro: The Lives of the Queens of England and Their Times escrito por
Francis Lancelott (1894):

”Em 1784, algumas pessoas rudes abriram novamente a sepultura e retiraram o corpo, deixando-o exposto ao lado de um monte de lixo, onde ele permaneceu até que o vigário paroquial o enterrasse novamente. Em 14 de Outubro de 1786, 0 Reverendo T. Nash F.A.S. fez uma exumação científica no corpo, tendo seu parecer publicado no Archaelogia; nós possuímos o seguinte trecho: “A delicadeza impediu-me de descobrir o corpo; a face estava totalmente deteriorada, os dentes sadios, embora tenham caído, e as mãos e unhas, estavam inteiramente de tonalidade marrom… Eu poderia vivamente desejar mais respeito para com os restos de nossa primeira Rainha Protestante e de bom grado, caso permitido pelas autoridades competentes, tê-los envoltos em outro caixão de chumbo, e decentemente enterrados em outro local, onde seu corpo possa apenas descansar em paz, uma vez que o local onde ela encontra-se agora, é utilizado para a criação de coelhos, que fazem muitos buracos e arranham muito irreverentemente os restos reais.”

O caixão foi aberto novamente mais algumas vezes durante a próxima década, por curiosos que queriam vislumbrar a última esposa de Henrique VIII. Em 1792, uma festa foi montada a fim de enterrar os restos de Catarina, mas as pessoas ficaram bêbadas antes de iniciar os preparativos, e abusaram do cadáver.

A última ocasião de abertura do túmulo, foi em 1817, quando o então reitor de Sudeley, o Reverendo John Late, que havia realizado o conserto da capela, decidiu procurar os restos mortais da rainha Catarina Parr, sendo então, assistido pelo Sr. Edmund T. Browne, o antiquário Winchcombe, que em uma carta ao Sr. Hogg, dá o seguinte relato de sua descoberta, em 18 de julho de 1817; ele diz que após considerável pesquisa, e ajudado pela lembrança da Sra Cox, o caixão foi encontrado de baixo para cima em uma cova murada, onde havia sido depositado por ordem do Sr. Lucas:

”Ele foi então removido para a vala Chandos, e depois de ser limpo, nós ansiosamente procuramos a inscrição. Para nossa grande decepção, nada foi descoberto, e prosseguimos examinando o corpo; no entanto, o caixão foi tão freqüentemente aberto, que não encontramos nada, apenas o esqueleto nu, exceto alguns pedaços de pano encerado, que ainda estavam sob o crânio, e uma massa de cor escura, que provou conter, quando lavada, uma pequena quantidade de cabelo que correspondeu exatamente com alguns que eu já tinha. As raízes da hera, como pode lembrar-se, cresceram em tal profusão nas paredes da capela, que penetrou no caixão, preenchendo maior parte dele.”

Quando a propriedade passou para as mãos da família Dent – que começou a restaurar o castelo e jardins -, Catarina foi transferida, temporariamente, para uma tumba intacta.

A antiga capela, que tinha sido profanada pelos puritanos, foi completamente reformada, sob a direção de Sir John Gilbert Scott, e uma magnífica efígie tumular, encimada por um dossel gótico, foi erguida no lado norte do Sacrário para a memória da rainha Catarina Parr, cuja efígie foi construída a partir de seus retratos sobreviventes; na ornamentação do túmulo há uma reprodução do padrão esculpido no fragmento do túmulo original. Em uma coluna ao lado extremo-oeste da tumba, uma placa agora está fixada sobre o facsimile gravado da inscrição sobre o caixão de chumbo em que Catarina foi encontrada.

A rainha agora repousa no mais belo de todos os túmulos das esposas de Henrique, em sua jornada rumo à eternidade.

FONTES:
Under these restless Skies: AQUI.
Being Bess: AQUI,

catherinedead.jq

7 comentários Adicione o seu

  1. Rosália disse:

    Nossa! Que história triste! Ela foi duas vezes preterida!

    1. tudorbrasil disse:

      Mais de duas vezes! Foi uma mulher muito interessante!=)

    1. Tudor Brasil disse:

      Que bom que gostou Mariana! 🙂

  2. Jessica disse:

    Caramba que absurdo, nem depois de morta essa mulher teve direito ao descanso e paz. O mais bizarro é que mesmo estando morta a mais de 200 ainda assim sofreu violência, realmente mulheres não tem paz nem depois de morta por séculos.

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