A Inglaterra que Maria herdou, era de uma sociedade agrária, com campesinato fixo e uma moeda que fora degradada várias vezes, até então, todos os predecessores morreram deixando o reino em débito. Ainda assim, Maria demonstrou personalidade, sabia tudo o que queria fazer como rainha, mesmo doente nunca ausentou-se de suas obrigações. Também, sua voz grave e temperamento forte, típico Tudor, emolduravam-na como uma mulher forte que não seria facilmente manipulada.

Alguns assuntos eram de extrema importância para a rainha, como a religião e sua legitimação. Em sua primeira sessão no parlamento, o estatuto eclesiástico eduardiano foi repelido, retorna assim, a missa tradicional, porém a rainha ainda possuí a supremacia real perante a igreja e não o papa. Outro aspecto de suma importância para entender o reinado de Maria I, é a formação do conselho real da rainha. Maria havia chamado para seu conselho oficiais leais a sua causa e/ou a causa católica, mas a experiência política que possuíam era mínima. Desta forma, a rainha percebeu a necessidade de chamar membros do conselho de seu irmão, o mesmo que negara o seu direito ao trono na época de John Dudley, para integrar seu conselho e deixa-lo mais preparado para a política. A rainha queria deixar claro que ela, e não o conselho, decidiria os rumos de seu reino, Maria imaginava que se fazer presente e usufruir de sua autoridade trabalhando com o conselho, fortaleceriam sua imagem e seu poder. Em uma sociedade sexista, patriarcal e que moldava a mulher como elemento inferior, o conselho real inglês, pela primeira vez, viu-se tendo que aprender a lidar com a soberania de uma mulher.
A legitimidade da rainha foi restabelecida na primeira sessão do parlamento, fazendo então o casamento de seus pais legal perante a lei. Só podemos imaginar a reação de Elizabeth a respeito disso, pois Maria sendo legitima, consequentemente sua irmã torna-se bastarda, fruto de um casamento ilegal, entre o rei e não sua esposa, e sim sua concubina. Ao longo do reinado de Maria, a relação entre as irmãs foi tornando-se cada vez mais fria e distante, tal como acontecera anteriormente entre Maria, Eduardo e Elizabeth.
No que diz respeito a religião, Maria além de ter revogado os atos de seu irmão e retornado com os ritos tradicionais, também pediu a ajuda de seu amigo de longa data e parente pela família York, Cardeal Pole, que fora banido da Inglaterra no reinado de Henrique VIII e que agora, retornava a ilha britânica. A ideia de Maria era basicamente criar religiosos mais bem versados na fé católica, o que era queixa de muitos sobre a Igreja de Roma. A bíblia inglesa continuava, incrivelmente Maria e Pole gostavam dela e apesar de pouco a pouco Maria perder a supremacia real da Igreja e devolvê-la ao papa, ela e Paulo IV, não mantinham boa relação. Paulo IV não era simpático nem a rainha nem a seu cardeal, em seu ponto de vista, as reformas estavam lentas demais, e ao chamar o cardeal para Roma, cobrou-lhe explicações, Maria furiosamente, recusou-se a enviá-lo.
Tal como os reis de sua Dinastia, Maria providenciou apoio a cultura e educação em seu reinado. Doou dinheiro para salvar as universidades de Oxford e Cambridge, também foi patrona de artistas como Thomas Tallis, John Sheppard e William Roper, genro de Thomas More que escrevera uma biografia sobre o sogro. Maria também fez uma extensa reforma nas ordens militares e nos navios, o que viria a ajudar a Inglaterra em 1585.
A Rainha fora coroada monarca absoluta da Inglaterra em 1° de outubro de 1553. O reino comemorava: havia musica, piras, banquetes e as pessoas estavam alegres pois, finalmente, a princesa, filha da boa rainha Catarina teve a justiça feita e aqueles que acreditavam no retorno da antiga religião contavam com ela. Porém, para que Maria e a missão católica estivessem ”salvas”, era necessário um herdeiro para assegurar o catolicismo na Inglaterra, para que este herdeiro existisse, um casamento era de total prioridade. A Inglaterra teria um rei consorte?
O casamento real e revolta de Wyatt:

Antes de abordar o casamento da Rainha, é necessário entender o processo que se deu as negociações de seu matrimônio. Primeiramente, desta vez tratava-se de uma monarca e de um consorte, o que seria inédito no reino Inglês. Iria o rei governar? Os interesses ingleses seriam relegados a segundo plano? A rainha iria deixar-se dominar? Essas perguntas passavam na cabeça dos súditos de Maria. A rainha possuía plena consciência destas questões e ela, inicialmente era opositora a ideia de um casamento. Maria foi a primeira que utilizou-se do imaginário de rainha virgem, tão usado por sua irmã, Elizabeth posteriormente. Maria fazia questão de mostrar seu anel ao conselho, dizendo que ”já estava casada, com seu reino”. Entretanto, ao longo das negociações a pressão por um herdeiro que não fosse sua irmã, e talvez um desejo pessoal de sua época de princesa a fizeram ceder.
O candidato escolhido foi o príncipe Philip da Espanha, futuro Philip II. Era primo distante, jovem e herdeiro de um vasto império que ia desde os países baixos, Espanha e América. Para assegurar o direito de Maria e que Philip não iria interferir nas questões inglesas, os termos do casamento eram bem favoráveis a rainha. Se Maria morresse sem herdeiros e antes de Philip, ele não teria direito ao reino, nem os filhos dele de outro casamento. Philip teria os mesmos títulos de Maria, mas apenas isso. Maria seria ”Sole Quene”, ou seja, reinaria sozinha. Assim que espalhou-se a notícia do casamento da rainha e de quem havia sido o escolhido, alguns súditos não acreditavam na inoperância de Philip e resolveram que deveriam pegar em armas para deixar claro que não concordavam com o matrimônio.
O sentimento xenófobo espalhava-se pela Inglaterra. Totalizavam 3.000 homens sob o comando de Thomas Wyatt, entre os rebeldes estava o pai de Jane Grey e seu esposo Guilford Dudley, os três haviam sido perdoados pela rainha quando ocorreu a crise de sucessão, porém, o envolvimento do pai e do esposo fez com que eles, juntamente com a inocente Jane Grey pagassem um alto preço, relutantemente, Maria assinou a execução de sua prima Jane e de outros 100 que foram executados pela revolta. Sobrou inclusive para a princesa Elizabeth, que foi levada à Torre de Londres e depois ficou em prisão domiciliar em Woodstock. A relação das irmãs nunca mais foi a mesma, pois Maria não confiava em Elizabeth e começava a ligar a irmã como filha de Ana Bolena, apenas uma bastarda, e não mais como também filha de seu pai. Apesar de Maria não saber direito que atitude tomar, seu conselho foi irredutível, era melhor a Rainha deixar de ser leniente e começar a agir como um rei.
Philip chegou a Inglaterra em 20 de julho de 1554 e acabaram casando-se 5 dias depois. O casamento que parecia triunfante, pois havia um esposo atencioso e uma rainha apaixonada, na verdade foi um fracasso, pois Maria teve duas gestações, ambas psicológicas, o que enfraqueceu sua posição e principalmente seu emocional. Philip não era querido na corte inglesa, apesar de promover jogos de guerra, o que atraia muito a nobreza, os ingleses continuavam não sendo simpáticos a um rei espanhol.
A decadência:
Em 1556, as colheitas foram prejudicadas pelas chuvas torrenciais no verão, o preço da comida cresceu muito, já nos invernos de 1557-1558, a falta de comida e as epidemias marcaram o reino inglês. Era como se o reinado de Maria, que havia começado tão triunfante, começasse a desandar. Não haviam herdeiros, o rei, já não bem aceito, mal ficava na Inglaterra, os desastres naturais e a perseguição aos protestantes, iniciadas após a revolta de Wyatt eram cada vez mais impiedosas e chamavam a atenção em toda ilha. Pessoas de todas as classes eram perseguidas por sua fé protestante, na lógica de Maria e seu clérigo, todas as desgraças que aconteciam na Inglaterra eram culpa dos hereges. Até o fim de seu reinado, cerca de 300 protestantes foram brutalmente queimados em fogueiras, entre eles, nomes ilustres como o ex-arcebispo de Canterbury, Thomas Cranmer, que fora peça chave no governo de Henrique VIII e Eduardo VI, foi ele quem assinou a anulação do casamento dos pais da rainha Maria, acredita-se que este foi um ato de vingança por parte da monarca.
As reações sobre as queimadas eram mistas, alguns achavam exagero enquanto outros acreditavam ser a justiça divina (pensamento semelhante ao de Maria). O conselho poderia ter refreado as queimadas, mas nem sequer tentou. O principal culpado para o povo inglês não era a rainha, mas sim Philip, que era acusado de trazer a inquisição para as terras bretãs. Na verdade, Philip era contra as perseguições marianas, puramente por saber que iriam culpá-lo.
Em meio a tudo isso, a Inglaterra entra na guerra contra a França, ao lado da Espanha. Apesar de não ter dinheiro suficiente e da população estar dividida a respeito da participação inglesa na guerra, o conselho manifestou-se contra, mas nada adiantou. O contrato de casamento era claro, não haveria intromissão na política inglesa, mas um fato gerou a entrada da Inglaterra na guerra franco-espanhola. Um nobre, chamado Stafford, que estivera envolvido na rebelião de Wyatt, teve contatos com a França e, acreditava ser herdeiro do trono inglês. Apesar do rei francês primeiramente oferecer ajuda, mas logo depois desistir, Stafford decidiu tentar, juntou alguns homens e proclamou-se rei. Logo foi preso e executado, entretanto o fato de haver um minimo envolvimento francês fez com que o conselho privado declarasse guerra a França em junho de 1557. Sete meses depois, a Inglaterra saia derrotada da guerra e havia perdido sua ultima possessão francesa, Calais. O que deixou a rainha desolada.
Os tratados diplomáticos com a Rússia (Maria foi a primeira reinante inglesa a receber um diplomata russo em sua corte) e Africa e a criação do livro de taxas de 1558, que ajudaria a economia do reino, foram um novo suspiro para o reinado de Maria, mas acabaram eclipsados pelas perdas na guerra.
CONTINUA…
*Veritas Temporis Filia: Lema de Maria I – A verdade é filha do tempo.