Medicina no período Tudor – Parte 3: Os grandes nomes na medicina Tudor

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Este artigo é uma continuação da série de outros dois, sobre medicina no período Tudor. Anteriormente fizemos uma introdução sobre a medicina em solo inglês e depois sobre como a medicina passou a ser um fator importante no país.
Neste artigo, abordaremos os grandes médicos do período. Para compreender melhor, sugiro que leia a parte 1 (AQUI) e a 2 (AQUI), antes de iniciar a leitura.

Os Tudors no que referem-se a medicina, destacaram-se menos por trabalhos de pesquisas, do que pelo impulso geral observado no estudo científico e no exercício prático da medicina, favorecido por longos períodos de paz e ativo intercâmbio intelectual em países estrangeiros.

Tal impulso, deve-se principalmente a homens de cultura variada, possuidores de grande instrução humanística e que não limitavam-se ao exercício da profissão médica, mas atuavam na vida pública e desempenhavam muitas vezes, missões de alta relevância.

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John Chambers.

John Chambers:
Uma das grandes personalidades do período, no que refere-se a medicina e um exemplo da associação da atividade intelectual com a médica, foi John Chambers. Depois de ter recebido as ordens eclesiásticas, Chambers obteve no Merton College de Oxford, o grau de mestre das artes (Master of Arts), partindo logo em seguida para Itália, local onde estudou medicina.

Em seu regresso, foi nomeado médico da câmara do Rei Henrique VII e mais tarde, de seu filho e sucessor, Henrique VIII, que dispensou particular confiança e apreço por seu desempenho em tal função. Chambers não apenas era consultado pelo Rei, à respeito das enfermidades das pessoas que o cercavam, como também, foi um assessor muito proeminente na  fundação do Royal College of Physicians e na fusão de corporações de mestres-cirurgiões com a Barber’s Company.

Na ata de fundação do Royal College, Chambers é o primeiro médico citado e no quadro de Holbein, exposto no Barber’s Hall (reproduzindo a entrega da carta de privilégio aos barbeiros e cirurgiões), ele é o primeiro, dos três médicos da câmara, ajoelhados à direita do monarca.

Além de seu salário como médico da câmara, ele recebeu consideráveis quantias pelos diversos cargos que ocupou por recomendação do Rei. Como todos estes cargos constituíam-se como ocupações simples, ele jamais viu-se envolvido nos conflitos eclesiásticos entre a separação inglesa de Roma. Chambers exerceu influencia na vida universitária, principalmente entre os anos de 1525/1544, quando tornou-se administrador do ”Merton College”. Ao que tudo indica, ele não chegou a produzir trabalhos científicos. No ano de 1531, foi nomeado Doutor Honorário de medicina em Oxford.

Holbein não retratou-o apenas em no famoso quadro em Barber’s Hall, como também em um que encontra-se no Museu de História da Arte, em Viena-Áustria (acima).

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Thomas Linacre.

Thomas Linacre:
Do ponto de vista científico, a importância de Chambers foi ultrapassada pela do humanista e médico, Thomas Linacre (mencionado como fundador do Royal College of Physicians). É importante ressaltar, que na realidade, o professor de grego de Linacre, não foi o italiano Vitelli, e sim um monge beneditino inglês, chamado William of Selling, parente de Linacre, segundo alguns de seus biógrafos.

Selling, como Embaixador Real, foi acompanhado à Itália em 1488 por Linacre, que em Bolonha, separou-se da embaixada, à fim de poder dedicar-se inteiramente a seus estudos em solo italiano. Neste país, aproveitou principalmente das lições do conhecido Angelo Poliziano, que pertenceu ao círculo de humanistas que rodeou Lorenzo de Médici em Florença. Nesta última cidade, segundo informa o historiador e médico Wiliam Osler, manteve amizade com Michelangelo e eminentes humanistas como Marsilius Ficinus e Pico Della Mirandola.

Em 1492, obteve em Pádua o título e graduação de médico. Em sua formação anterior, influíram decisivamente as lições de Nicollo Leoniceno, do qual foi um dos discípulos prediletos. Entre seus trabalhos, estava a tradução do tratado de Galeno sobre o movimento muscular – ”De motu musculorum”– que foi publicado em Londres em 1522. Anteriormente, já havia entregue para publicação três traduções próprias das obras de Galeno, que são:
* De Sanitate Tuenda – 1517
*Methodus Medendi – 1519
*De Temperamentis – 1521
Estas obras acima, foram as primeiras obras de Galeno publicadas na Inglaterra.

Sua permanência em Veneza durante os anos de 1495/1499, onde residiu na casa do erudito impressor Aldus Manutius, a quem ajudou na grande edição grega de Aristóteles, também foi de grande importância para Linacre. No prólogo da edição citada, Aldus elogia seu colaborador inglês com a seguinte frase: ”Thomas Anglicus homo et graece et latine pertissimus, praecellens-que in doctrinarum omnium disciplinis”.

Em 1499, Linacre publicou sua tradução do tratado ‘‘De sphaera”, de Proclus, editada por Aldus, neste mesmo ano, retornou à Inglaterra. O invejável arsenal científico adquirido na Itália, no qual tanto enriqueceu sua vida intelectual inglesa, nos faz compreender porque ao atravessar os Alpes, Linacre ergueu um altar de pedra, consagrando à Itália, sua ‘‘Sancta Mater Studiorum”.

Conforme dito anteriormente, de volta à Inglaterra, Linacre desenvolveu uma grande atividade editorial, realizou conferencias, tanto em Oxford como em Cambridge.

Em 1506, foi nomeado médico na Câmara de Henrique VIII e mais tarde, foi lhe confiada a educação da Princesa Maria em gramática em Latim. No ano de sua morte, foi divulgada sua monografia sobre a oratória latina, considerada por seus biógrafos como uma de suas mais brilhantes obras científicas.

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John Caius.

John Caius:
Muito semelhante à atividade de Linacre, foi a de John Caius, que estudou em Cambridge e na Itália e sobre tudo, tomou parte ativa no desenvolvimento do ensino médico em Cambridge .

Sua obra sobre o ‘‘Sudor Anglicus” publicada em Londres, é de extraordinária importância no campo histórico e medicinal. Além de uma breve monografia manuscrita pelo médico Thomas Forrestier, o trabalho contém a descrição feita pela pena de um médico, sobre a doença.

As opiniões de Caius revelam uma cultura e observações médicas tão amplas, que transformaram seus trabalhos em um dos mais importantes e valiosos da medicina inglesa.

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Thomas Phaer:
O jurisconsulto e médico Thomas Phaer, nomeado primeiramente como advogado e autor de obras jurídicas, foi antes de tudo um humanista. Dedicou seu estudo profundo de questões médicas, as quais consagrou uma série de publicações. A Phaer deve-se a primeira obra inglesa sobre pediatria. Com o título de “The Regiment of Life” o livro figura, como apêndice na tradução do “Regimem Sanitatis Salernitanum” publicado por Phaer em 1544, com o nome de “A Book of Childre”. Phaer acrescentou também a sua obra, uma memória sobre a peste e ainda um ensinamento a respeito de sangrias.

Em 1559, Phaer alcançou o grau de doutor de medicina em Oxford. Declarou nesta ocasião, que há 20 anos exercia medicina e havia feito experiências, com venenos e contra-venenos. Sentia-se ao que parece, orgulhoso do estilo popular de seus escritos, pois em uma de suas obras, afirma ter sido o primeiro a conseguir que os ingleses entendessem a ciência médica em sua própria linguagem.

Como fruto de seus estudos humanísticos, Phaer fez uma tradução da “Eneida” de Virgílio, cujos sete primeiros volumes apareceram, em 1558 com uma dedicatória a Rainha Maria. As restantes partes da obra foram apenas traduzidas em 1584, isto é, quase 25 anos após a morte de Phaer. Esta foi a primeira tradução inglesa completa da “Eneida”.

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Obra de Thomas Paynell.

Thomas Paynell:

O “Regiment of Life” não foi aliás, a primeira edição inglesa do “Regimem Sanitatis”, pois em 1528, o monge de Oxford, Thomas Paynell, publicara uma tradução desta obra.

Além de trabalhos puramente humanísticos, Paynell fez também uma tradução da obra de Ulrich Von Hutten, sobre a madeira do guaiacol, como remédio contra a sífilis.

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Margaret Gigs, filha adotiva de Thomas Morus e esposa de John Clement.

John Clement:

Entre os médicos humanistas do período Tudor, o mais destacado depois de Linacre, foi indiscutivelmente John Clement, cuja vida e trabalhos não possuíamos dados seguros, até que em 1925, o filólogo alemão Ernst Wenkebach, consagrou a este grande médico e humanista uma monografia, em que define claramente o lugar de Clement na medicina.

O principal resultado das investigações de Wenkebach para história da medicina, é o de ter esclarecido que Clement teve a mesma importância no aparecimento da grande edição de Galeno, levada efeito por Aldus Manutius, do que Linacre em seu tempo para a edição de Aristóteles. Demonstrou ainda que na qualidade de médico do Royal College of Phisicians em Londres, Clement continuou e desenvolveu a tradição do ensino científico dos futuros médicos, no mesmo sentido que Linacre.

Clement entendeu que sua principal missão como médico e professor, era voltar aos ensinamentos de Galeno e isentá-los de todas deturpações da tradução e desfigurações árabes. Como observa Wenkebach, a colaboração de Clement na edição de Galeno lançada por Aldini e para qual ele escreveu um comentário sobre epidemias. Foi de natureza principalmente formal, pois embora pelos seus conhecimentos da língua grega, fosse capaz de corrigir erros gramaticais, faltava-lhe um conhecimento profundo para vencer as dificuldades originadas pela tradução de textos.

Graças ao trabalho de Clement e seus adeptos humanistas, pode-se dizer que cresceu ainda mais o prestígio canônico de Galeno. A partir deste momento, não mais tiveram autoridade os comentários e interpretações de médicos da idade média e sim unicamente, as obras gregas originais. Um traço característico do humanismo, refletindo-se na medicina, é o recurso as fontes originais, o que poderia-se comparar muito bem as tendências de Erasmo de Rotterdan, no terreno tecnológico. O restabelecimento dos fundamentos da fé, como condição primordial de qualquer reforma foi aceito por Erasmos que publicou com este objetivo, uma edição do novo testamento em língua grega.

As mudanças da vida de Clement fizeram-no entrar, em íntimo contato com os grandes acontecimentos políticos e filosóficos de seu tempo. Como discípulo da igreja de “Saint Paul” em Londres, seus mestres, os grandes humanistas Willian Lily e John Colet, educaram-no em um humanismo fortemente influenciado por crenças católicas.

Foi indicado por Thomas Morus à educação de seus filhos e enteados. Nos anos de 1518 e 1520, Clement foi o primeiro leitor de retórica e grego no recém fundado colégio de Corpus Christi em Oxford. Segundo parece, foi aí que ele concebeu, sob a influência de Linacre, a ideia de se tornar médico.

De 1521 à 1525, estudou medicina em Lovaina, assim como em Pádua e Siena e provavelmente em outras cidades italianas. No ano de 1525, tornou-se doutor em medicina em Siena, tendo colaborado na edição galênica de Aldus em Veneza. Em 1526, abriu seu primeiro consultório em Londres, ensinando ao mesmo tempo no Royal College of Physicians, do qual foi nomeado presidente em 1544.

Clement sofreu um revés com a queda e execução de Thomas Morus, do qual se tornaria genro em 1526, casando-se com Margaret Gigs, filha adotiva do chanceler. Ele que em 1529 já havia sido nomeado médico da Câmara de Henrique VIII, parece ter tido tão grande prestígio que, além de não ter sofrido qualquer perseguição, pôde ainda transformar sua casa, em um lugar de reunião e refúgio de todos inimigos de inovações religiosas do rei. Ele deixou a Inglaterra por um tempo.

Quando as perseguições aos católicos diminuíram durante o reinado da rainha Maria, Clement voltou a Inglaterra, mas seu estado enfermo o impediu de exercer atividades científicas importantes. Com o reinado de Elizabeth, pediu demissão do cargo de professor no College of Physicians e em 1573 retornou aos Países Baixos, falecendo em Mecheln no ano de 1572. No último período de sua vida, ainda tomou parte ativa nas tendências humanísticas dos impressores dos países baixos.

CONTINUA…

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