Descobrindo Shakespeare: Ricardo II e a Rebeliao do Conde de Essex

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O teatro era uma forma de lazer, que funcionava como fonte didática, cujo objetivo era oferecer explicações sobre a história recente do país, desde a queda do feudalismo, descrevendo a guerra civil entre as casas reais de Lancaster e York, ambas descendentes de Ricardo III, e acabando com a ascensão da Dinastia Tudor em 1485.

Durante o processo de consolidação do poder empreendido pela Dinastia Tudor, cujo esplendor começou a contemplar-se durante o reinado de Henrique VIII, o qual uniu a parte política com a religiosa, o gênero do drama histórico desempenhou um papel decisivo para o fortalecimento da identidade da Inglaterra como país. As peças de teatro incluíam-se num contexto político do momento histórico de sua produção cujos objetivos eram gerar e transmitir ideias Dinásticas. Portanto, a finalidade era explorar determinados acontecimentos e personagens históricos do passado que seriam representados através das obras teatrais.

No entanto, se parte fora incentivada pela própria realeza, cujo patrocínio foi essencial para a sobrevivência das companhias teatrais, as “representações cênicas” também foram uma maneira de ajudar a preservar o poder estabelecido, por outro lado, poderíamos dizer também que favoreceu o surgimento de um elemento subversivo. A luta pela supremacia, com base em um direito legítimo de herdar o trono, em oposição a autêntica aptidão de um monarca para governar, causou controvérsia e consequentemente constituiu um fator importante nas peças históricas de Shakespeare. Houve uma intenção didática no teatro, para instruir o povo a obedecer o seu soberano. Esta afirmação é exemplificada pelo trabalho de Thomas Heywood no ”An Apology for Actors”, no qual ele alega que as obras foram escritas e representadas para ensinar aos súditos obediência ao seu Rei e que ao mesmo tempo, soubessem quais seriam as consequências no caso de provocarem revoltas e rebeliões.

Com relação ao teatro como elemento revolucionário, contemplamos uma famosa rebelião que derivou de uma polêmica representação. Trata-se de uma revolta liderada por Robert Devereux, Conde de Essex, um dia após a apresentação de Ricardo II de William Shakespeare, no dia 8 de fevereiro de 1601. A polêmica obra de Shakespeare (escrita por volta de 1595) narra a deposição do Rei Ricardo II, um monarca legítimo, por seu primo Henry Bolingbroke, filho do ambicioso de John of Gaunt, Duque de Lancaster. Posteriormente, seria assassinado obedecendo às ordens do próprio Henrique IV, já coroado como novo Rei. Exposto ao público como um ser fraco e ao mesmo tempo arrogante, Ricardo II, dominado por seus conselheiros, encarnou o poder absoluto de uma monarquia inquebrantável, baseada no direito divino. Isto gerou um debate moral em torno do regicídio, além de desempenhar um lugar de destaque nos mais importantes tratados históricos do século XVI, como A União das duas famílias nobres e ilustres de Lancaster e York (The Union of the Two Noble and Illustrious Families of Lancaster and York; 1542) de Edward Hall e As Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda (The Chronicles of England Scotland and Ireland ) de Raphael Holindshed (1577), as quais serviram de inspiração para que Shakespeare compusesse suas famosas obras históricas.

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Robert Devereux, Segundo Conde de Essex, aprox. 1599.

Robert Devereux, Conde de Essex (1566-1601), foi o típico cavaleiro galante, além de grande mulherengo; mas quando tratava-se de conspirações, não era muito astuto. Ele conseguiu conquistar a Rainha Elizabeth com seu charme, tornando-se um de seus favoritos em 1587, ano em que substituiu Robert Dudley como “Master of the Horse”. Porém, a soberana, cautelosa como sempre, nunca deixou que aquilo ultrapassasse o fato de ser, uma mera agradável companhia. O próprio Francis Bacon. escreveu para o Conde de Essex, uma carta reveladora aconselhando-o: “Você é um dos homens, cuja natureza orgulhosa não pode submeter-se a ninguém. A sua popularidade é imensa e o exército lhe apoia. Eu me pergunto: Não seria excessivamente perigosa esta situação para um soberano? Quero que se lembre disto: Sua Majestade é uma mulher, além disso, desconfiada por natureza”.

Vários romances e filmes, insinuaram que a Rainha Elizabeth esteve apaixonada pelo atraente Conde, embora não tenhamos nenhuma evidência definitiva para constatar tal fato, é apenas, uma mera hipótese dos historiadores.
Os últimos anos do longo reinado elisabetano, estavam repletos de murmúrios em torno ao seu possível sucessor, pelo fato de que não haviam herdeiros diretos ao trono. Segundo a lei, não havia dúvida de que o único candidato e descentende legítimo era James VI da Escócia. Isso daria muitas dores de cabeça à Rainha.

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Retrato de Elizabeth e seus súditos ( entre 1600 e 1603). Obra de Robert Peake the elder.

Essex começou a causar problemas, quando voltou da campanha irlandesa em setembro 1599, sem a autorização de Elizabeth. Após ter sido interrogado pelo conselho durante cinco horas, foi proclamado que seu retorno da Irlanda, devia-se ao fato, de que ele havia desertado e abandonado suas obrigações. Durante um tempo, foi mantido em prisão domiciliar em seu recinto em York, onde desconfiavam que mantivesse correspondências com James VI da Escócia. Foi julgado e absolvido no dia 5 de junho de 1600, porém, não mais ostentaria do poder ou regalias que outrora esteve acostumado.

Robert Devereux, atuou como mecenas na representação de Richard II no Globe Theatre no dia 7 de Fevereiro de 1601. O que aparentemente, foi um evento cujo o único propósito foi entreter o público, indiretamente transmitiu uma mensagem revolucionária.  O público assistiu a história do decadente Rei Ricardo, que perdeu seu trono e sua própria vida por escutar as opiniões de seus maquiavélicos conselheiros. A comparação era indiscutível e inevitável; a Rainha Elizabeth, era aquela monarca incompetente; Robert Cecil e seus aliados eram os conselheiros do Rei Ricardo II.  Conclusão, a obra de Shakespeare foi considerada uma ameaça simbólica contra Elizabeth I.

No dia seguinte, após a apresentação, Essex e seus seguidores iniciaram um plano para capturar a Rainha Elizabeth, livrar-se do Conselho Real liderado por Cecil e proclamar a James VI da Escócia rei da Inglaterra. Caminharam pelas ruas de Londres à espera que o povo se unisse à causa. No entanto, tudo foi em vão, seu projeto de conquista, que com tanto esforço havia sido traçado, fracassou no final daquele mesmo dia. A soberana não conseguia acreditar no que tinha acontecido, estava arrasada e revoltada com aquela traição. O Conde de Essex foi declarado traidor e condenado à morte. Foi decapitado na Torre de Londres o 25 de fevereiro de 1601.

FONTES:
Los Líos de La Corte;
Artigo escrito por Lady Caroline, leia em espanhol AQUI.

 

Richard II Folio.
Richard II Folio.

 

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