A Varíola é uma doença infecto-contagiosa, que foi fatal em até 30% dos casos no período Tudor. A maioria das mortes causadas por esta doença, ocorriam entre crianças pequenas, embora muitos adultos também sofressem deste mal. É uma das doenças interessantes do período, pois assim como a febre puerperal, podia atingir tanto os pobres, quanto os ricos.
A Inglaterra no reinado de Henrique VIII, havia sofrido surtos de varíola, porém um dos piores surtos da doença no período Tudor, ocorreu dois anos antes do nascimento do dramaturgo William Shakespeare (após o período Tudor, a Inglaterra só veria outra violenta epidemia da doença, durante o século XVIII), durante o reinado de Elizabeth I.
Entre as vítimas de varíola famosas do período, estavam:
Margaret da Escócia: Irmã de Henrique VIII
Mary Stuart, Rainha dos Escoceses: Sobrinha neta de Henrique VIII
Ana de Cleves: Esposa de Henrique VIII
Eduardo VI: Filho de Henrique VIII, e claro:
Elizabeth I: Filha de Henrique VIII
Elizabeth e a doença:
No outono de 1562, após escrever uma carta explicando os motivos de ter enviado socorro aos protestantes franceses, a Rainha, então com 29 anos, concluíra o pensamento alertando que provavelmente esta seria a última carta que escreveria em semanas, pois segundo ela, ”minha febre alta, impede-me de escrever mais”. Elizabeth tomara um banho para abaixar a febre que, segundo seus físicos reais, pelos sintomas iniciais acreditavam ter sido acometida por um resfriado. Com o passar do tempo, os sintomas foram tornando-se mais fortes (como febre alta, vômitos, erupções subcutâneas e purulentas pelo corpo e sangramentos) e a Rainha mal podia falar, ficando inconsciente grande parte do tempo e sendo finalmente diagnosticada com a temida doença.
Além de seus físicos, damas de companhia da Rainha foram designadas a cuidarem dela; entre elas, estava a irmã de Robert Dudley, Mary Dudley – Lady Sidney, que acabou contraindo varíola durante o período em que cuidou de Elizabeth. A doença fora impiedosa com Mary, que ficou com terríveis cicatrizes e manchas pelo rosto e corpo, tendo então que ausentar-se da Corte. Como forma de gratidão, A Rainha Elizabeth chegou a oferecer-lhe uma pensão.
Em um registro denominado “Memórias de Serviços”, o marido de Mary, Sir Henry Sidney, registrou o período em que sua esposa cuidou da Rainha:
“Quando fui para New Haven, deixei a mais perfeita dama a meus olhos, pelo menos a mais bela, e ao retornar, encontrei a mais desfigurada dama que a varíola poderia transformar, na qual ela contraiu pelo continuo atendimento de Vossa Majestade, a mais preciosa pessoa (doente da mesma doença). Suas cicatrizes, as quais (para seu resoluto desconforto) a tinham tomado, devem permanecer em sua face, de modo que viva solitária, como um corvo da noite em casa. Mas é minha responsabilidade, pois deveríamos ter embarcado juntos, como fizemos outrora deste maligno acidente.”
Reza a lenda, que Mary nunca mais mostraria seu rosto em público sem uma máscara, mas devemos lembrar que, quando as máscaras eram usadas rotineiramente no período Tudor, elas tinham a finalidade de proteger a face contra o sol; de qualquer maneira, não sabemos se a lenda tem fundamento. A vida não melhoraria para a família Sidney, já que algum tempo depois, ela e seu marido não conseguiram manter os favores reais. Henry chegou a protestar contra sua dificuldade financeira, porém, o casal morreu dentro de alguns anos, em dívidas e sem esperanças.
Após seus médicos não notarem uma considerável melhora e muitos acreditarem que a jovem Elizabeth, reinando há apenas quatro anos, não fosse resistir, o Parlamento entrou em alvoroço com a mais temida questão. Quem seria o sucessor de Elizabeth? Como a Rainha não possuía filhos, seus ministros ficaram extremamente preocupados com a questão sucessória. Na época, a herdeira provável era sua prima distante, Maria Rainha da Escócia. Porém, em um reino protestante, o fato de uma possível sucessão católica, preocuparia os protestantes ingleses que naquele momento, eram mais que a maioria da população local.
Segundo a vontade testamenteira de Henrique VIII, a prima em segundo grau de Elizabeth, Catarina Grey (irmã mais nova de Jane Grey, que perdeu a vida após tornar-se Rainha por nove dias, pouco após a morte de Eduardo VI) teria uma reivindicação legal ao trono (sua mãe Frances, era sobrinha de Henrique). Nem todos concordaram que Catarina seria uma boa escolha.
No momento em que estava recuperando-se, ela, fisicamente fraca, implorou a seu conselho que seu favorito, Robert Dudley, fosse nomeado como Lord Protetor do reino, com um título e renda de 20 mil libras esterlinas. Esta escolha foi vista como infeliz por seu povo e muitas pessoas na Corte, aumentando os rumores de um possível affair entre ela e Dudley. Foi nesta época que ela jurou perante todos, ‘’que Deus era testemunha de que nada impróprio, havia passado-se entre eles’’. Os Dudleys foram umas das cabeças envolvidas na trágica coroação de Jane Grey e eram aos olhos de muitos, traidores. O conselho iria concordar com tudo o que ela dissesse, mas o astucioso Embaixador espanhol observou: ”Tudo o que ela pediu foi prometido, mas não será cumprido”.
Tempos depois, ela lembraria o quão perto chegou da morte: ”A morte tomara quase todas as minhas juntas e por isto, desejei então, que o tênue fio de vida, que durou (acredito) tempo demais, pudesse pela mão de Cloto*, ter sido silenciosamente cortado”.
A Rainha sobreviveu a esta trágica doença, e o quanto antes, o abalado Parlamento pediu-lhe para que pensasse em contrair matrimonio, a fim de garantir um sucessor para o trono. Durante os anos seguintes, sempre que o parlamento reunia-se para discutir a questão de seu matrimonio, Elizabeth declinava, chegando até a prender Peter Wentwort, um político, na Torre de Londres, por sempre abordar este inquietante tema. Obviamente, como uma mulher e Rainha durante um período onde a união marital era extremamente importante para designar herdeiros, Elizabeth foi assombrada pela questão de sucessão, até o fim de sua vida, em 1603.
Cicatrizes e maquiagem:
Diferentemente do que muitos adoram especular, Elizabeth não ficou devastada pelos efeitos da varíola, que não causou nenhuma cicatriz duradoura em seu rosto. Ao contrário de sua dama de companhia Mary, ela carregou poucos sinais deste tenebroso período de sua vida, que mesmo assim, estavam longe de chocar ou desagradar ao olhar.
O uso da famosa maquiagem branca com base em ceruse veneziano, tinha fins muitos mais sociais e políticos para a Rainha, do que o medo de que alguém visse algumas cicatrizes.
A maquiagem no período Tudor, possuía uma finalidade muito mais social que embelezadora (embora também o fosse). É equivocado pensar que, o uso que Elizabeth fez delas, foi apenas por embelezamento; os propósitos eram outros.
A composição da maquiagem elizabetana, bochechas e lábios corados, seguidos de uma pele de alabastro, eram claro, o padrão de beleza da época, mas muito mais que isso, designavam um status social.
Uma pessoa com a pele extremamente alva, não pegava sol, pois não tinha de trabalhar, afinal, era rica o suficiente para que os outros executassem o trabalho por ela. Já as pessoas de classes sociais mais baixas, eram mais morenas, pois muitas vezes tinham de ficar expostas ao sol, adquirindo um bronzeado.
Elizabeth usou um conjunto de vestimentas, discurso, pinturas, propagandas e maquiagens, que reforçassem sua imagem de Rainha virgem e tudo foi perfeitamente elaborado (mas isto fica a cargo de outro artigo). Quanto ao cabelo, não existem registros primários que digam que a Rainha ficou um pouco calva especificamente pela varíola; há inúmeros fatos que, provavelmente possam ter contribuído ao uso de perucas da Rainha, um deles, eram os elaborados e agressivos penteados feitos com chapas quentes, grampos, tranças e pentes do período, fazendo com que qualquer mulher perdesse cabelo com o passar dos anos. Outro, pode ter sido o ceruse veneziado, que com seu alto nível de chumbo, causava entre muitos outros danos, a queda de cabelo. A peruca, era uma possibilidade fácil de manter-se arrumada rapidamente (embora algumas mulheres, raspassem ou encurtassem o cabelo, usando perucas por questão de higiene contra piolhos). Portanto, não podemos afirmar ao certo, qual foi o motivo do constante uso de perucas da Rainha, apenas podemos salientar que, ela não era a única e que definitivamente, a varíola não foi a causa.
O tratamento da varíola na Renascença e Idade Média:
Quando fora acometida com a doença, os físicos de Elizabeth, recomendaram que a Rainha permanecesse deitada e envolta com apertados cobertores vermelhos e que ingerisse um líquido de cor avermelhada dado por eles. Este tratamento é conhecido como The Red Treatment, ou Tratamento Vermelho.
Teorias sobre o surgimento deste tratamento:
- O tratamento em questão, pode ter sido cogitado, pois foi praticado nos países europeus, a partir do século XII em diante.
- Quando Carlos V da França contraiu varíola, ele estava vestido com uma camisa, meias e um véu vermelho. Tratamentos semelhantes a este, foram aplicados a outros monarcas europeus.
- Alguns livros japoneses antigos, afirmavam que a luz vermelha era capaz de enfraquecer os sintomas da varíola. Séculos depois, foi dado a este tratamento, a autoridade científica por Niels Ryberg Finsen (médico dinamarquês, que recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1903), que alegou que o tratamento reduzia a gravidade da cicatriz. Médicos de outros campos de pesquisa, declaram que o tratamento era inútil.
- Em seu livro médico ”Rosa Angelica”, John Gadesen escreveu como ele tratou a varíola no filho de Eduardo II, colocando-o em um quarto vermelho, pois o vermelho, cura vermelho. Muitos acreditavam que doenças que deixavam a tez da pessoa avermelhada, poderiam ser curadas por esta cor.
Moeda Comemorativa:
Após a quase milagrosa recuperação de Elizabeth I, moedas de ouro comemorativas, foram cunhadas em sua homenagem. A moeda mostra Elizabeth de perfil, jovem, com cabelos soltos e a coroa em sua cabeça. Embora esteja datada de 1572, a Rainha contraiu a doença no Outono de 1562 (10 anos antes da data colocada, não sabemos o porquê).
Em sua Coroa (ou verso), podemos ver a representação de uma mão sendo picada por uma cobra venenosa, representando a periculosidade da doença. É interessante ressaltar que, tempos depois, Elizabeth fora pintada em alguns quadros usando a cobra como um símbolo-chave. Pode ser coincidência, ou a cobra pode ter virado um símbolo pessoal de propaganda sobre sua força ao enfrentar a morte e sua vitória e poder contra ela.
FONTES;
Awesome Stories: AQUI.
Tudor Blog: AQUI.
Being Bess: AQUI.
Shakespeare Solved: AQUI.
Classic Beauty – The History of Makeup; by Hernandez, Gabriela: AQUI.
Timelines TV: AQUI.
Beauty and Cosmetics 1550 – 1950; by Downing, Sarah: AQUI.
Elizabeth e Mary – Primas, Rivais, Rainhas: AQUI.
A Viceroy’s Vindication? Sir Henry Sidney’s Memoir of Service in Ireland (1556-78), By: Brandy, Ciaran: AQUI.
*Cloto: Em grego Κλωθώ, é a mais jovem das 3 moiras, filhas de Zeus e Têmis, que presidiam o destino dos homens. Sua posição, era como a primeira dos 3 destinos, pois era ela quem girava o fio da vida com uma roca, podendo cortá-lo a qualquer momento.
Fiquei contente por saber que ela não ficou tão disfigurada uma vez me disseram que ela ficou com o rosto como a lua cheio de crateras valeu por ter esclarecido
Não, a varíola não deixou marcas que desfigurariam Elizabeth, aliás, muito longe disto.
É comum perpetuarem o mito de que a máscara de ceruse usada por ela, tinha a ver com vaidade, quando na realidade, ia muito além disto! 🙂
O rei de Portugal e Brasil D. João VI também sobreviveu a varíola, mas esse já era feio de nascença. Menos sorte teve seu irmão mais velho. D. José, mais bem preparado para reinar, que morreu da doença. A rainha Dª Maria aceitou tratamentos estranhos, mas tinha recusado essa ideia maluca que vinha de Inglaterra de injetar nos seus queridos filhos soro de vaca doente, quando eles estavam perfeitamente bem…
Interessante João, não sabia da ideia do soro de vaca doente! Obrigada por comentar! 🙂