Espíritos de Saturno: O Ceruse Veneziano

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Espíritos de Saturno, ou Ceruse, o mágico e fatal pó branco, que misturado em vinagre, conferiu a Rainha Virgem, uma aparência virginal e santa, típica propaganda política e social Tudor, que caracterizaria a Rainha, nos quatro cantos do mundo.
A Rainha Virgem de pele de alabastro, como ficou conhecida Elizabeth, tinha seus truques em todos os cantos, desde lendas, pinturas, roupas, discursos e sim, até maquiagem.

O conceito de maquiagem no período Tudor, difere do contexto social na qual é empregada nos dias de hoje e para a Rainha, foi mais um alicerce de poder, que qualquer outra coisa. Neste artigo, conheceremos o pó ”milagroso”, responsável por conferir as mulheres do período elizabetano – e também de muitos outros – a tão adorada e fatal, pele de porcelana.

História – (Porque Espíritos de Saturno?) :

ceruse3Na antiguidade, os gregos e romanos, associavam os metais com os deuses Cronos e Saturno.
Eles acreditavam, que o chumbo, era o pai de todos os outros metais. Tal conexão, estenderia-se, continuando na alquimia e astrologia, partindo para a medicina moderna e ciência.

A linguagem simbólica dos alquimistas, igualava o chumbo a Saturno – dai surgiria o nome equivalente para o Ceruse na época, ”Spirits of Saturn”. Era portanto, comum encontrar em registros antigos de alquimistas, misturas denominadas, ”pós de saturno”, ”extratos de saturno”, e etc…

O chumbo era constantemente utilizado no mundo antigo, sendo encontrado em em diversos locais, desde as cavernas de Ur, até as barrigas de indígenas americanos. O carbonato de chumbo ou Ceruse – composto químico de formula PbCO3  – possuía um
branco puro e era facilmente manufaturado e misturado a óleo, sendo por isso, muitas vezes aplicado em paredes, telas, madeira ou na pele.

Captura de Tela 2014-10-16 às 20.52.24Tão rapidamente quanto os povos antigos descobriram inúmeros métodos de manufaturar o Ceruse – estabelecendo o que Nriagu chamaria de ‘a primeira indústria química na história da humanidade’’– eles descobririam o saturnismo (envenenamento por chumbo).

No século II D.C., o poeta e médico grego Nicandro, condenou o que chamaria de, ”odioso composto de infusão brilhante, chumbo branco mortal, cujo a cor fresca, parecia com o leite espumoso na primavera’’.

Nicandro descreveu os sintomas clássicos de envenenamento por chumbo, como por exemplo, alucinações e paralisia. Por mais de 2500 anos, as pessoas pintaram seus corpos com ceruse para inúmeros propósitos, desde estéticos (para esconderem cicatrizes, manchas e clarearem a pele), até religiosos ou sociais.

Na Grécia antigo, ele era usado com minium e na China antiga, junto com pó de arroz. Já na Inglaterra Tudor elizabetana, era usado com vinagre, fazendo com que virasse uma mistura cremosa, pronta para aplicação cutânea.

As consequências de seu uso no perído elizabetano:

Captura de Tela 2014-10-16 às 20.54.48Durante o período Tudor, as mulheres eram obcecadas pela famosa pele pálida e costumavam a fazer de tudo a fim de obtê-la, afinal, apenas a plebe e trabalhadores, possuíam a pele dourada pelo sol (pois trabalhavam ao ar livre). Apenas durante a revolução industrial, este padrão estético seria derrubado, pois os trabalhadores passariam dias trancados em fábricas e longe da luz do sol.

A proteção contra o sol no período Tudor, ia desde o uso de cremes, loções, esfoliantes e máscaras, até tipos de sombrinhas, já durante o reinado de Elizabeth I, os cuidados estenderam-se para o uso deste componente.

O primeiro registro do uso de ceruse no período Tudor, data do ano de 1519 em um documento de Horman, denominado ”Vulgaria Puerorum”. O núcleo renascentista exportador do ceruse (Biacca ou Fucus em latim), foi a capital da moda na renascença, Veneza. Os italianos, adaptariam uma antiga receita romana com um composto de alvaiade. Embora seu uso tambem se estendesse ao público masculino, a maioria das pessoas a utilizarem, foram as mulheres.

Captura de Tela 2014-10-16 às 20.51.23Durante o período Tudor, uma mulher com os cabelos claros, pele alva, bochechas e lábios corados, eram consideradas beldades desejadas. Tinha também uma profunda simbologia, pois além de rica, uma mulher de pele clara, seria considerada modesta e virtuosa. Já os lábios e bochechas corados, representariam a paixão e a beleza.

Eles acreditavam que, além de prover uma pele alva, o ceruse, ajudava no clareamente definitivo da mesma. Nos países hispânicos, seu nome era ‘‘cerussa’‘e era aplicado na face, busto e braços. Após a aplicação, o vinagre secava, conferindo a pele uma aparência seca, como a de gesso ou um pó de arroz mais forte.

O ceruse era facilmente absorvido pelo corpo e como o uso era diário, logo as pessoas apresentariam os típicos sintomas de envenenamento, que eram:

*Depressão,
*Alucinações,
* Queda de cabelos (é provável, que a volta do uso da famosa testa alta, tenha ocorrido por isto),
*Paralisia muscular,
*Corrosão cutânea (fazendo com que a quantidade usada, aumentasse cada vez mais),
*Apodrecimento dos dentes,
*Mal hálito,
*Inchaço ocular,
*Pele amarelada,
*Dores de cabeça e até a
*Morte.

Apesar de seus conhecidos efeitos colaterais, o uso do ceruse permaneceu popular durante muito tempo. Em 1634, ele seria classificado com veneno.

ceruse4Outras maneiras de obter uma mistura de ceruse, era acrescentando mercúrio e lírio. Eles por vezes, também acrescentavam na mistura, ossos triturados de porcos, bórax, ovos e suco de limão.

Além do ceruse, outro popular clareador de pele, foi o sublimado de mercúrio, que por vezes também serviu como esfoliante para a remoção de manchas. Durante a crise de varíola, algumas pessoas usaram o mercúrio, junto com o ceruse para livrarem-se das escuras cicatrizes da doença; por isto, o mito de que Elizabeth usava-o por este motivo. Ele também servia para remover sardas e verrugas.

Após o uso de tantos produtos danosos à saúde, a pele da mulher envelhecia rapidamente, perdendo o viço e elasticidade. Um médico grego, chegou a observar: ”As mulheres que muitas vezes pintam-se com mercúrio, apesar de muito jovens, viram velhas e murchas, tendo suas faces enrugadas como as de um macaco”.

Com o uso seguido do ceruse, acompanhado pelo mercúrio, muitas pessoas morreram. Para piorar a situação, sulfeto de mercúrio também era usado para colorir bochechas (outra alternativa era a cochonilla).


Alertas:

Captura de Tela 2014-10-16 às 20.50.11Mesmo com o amplo uso deste cosmético, as mulheres do período, não estavam alheias do mal que poderia lhes causar. Muitos físicos do período, alertavam para os ingredientes em sua composição e até a igreja pregava que elas estavam sendo punidos pela vaidade. Porém, a maquiagem designava a chance de interagir com pessoas de classes sociais mais elevadas e a promessa de um ideal de beleza a ser alcançado. Ou seja, para muitos, eram benefícios demais para jogarem fora. Plínio em seu livro de História Natural, reconhece que ceruse era ”Um veneno mortal, usado para pintar barcos”.

Para muitas pessoas do período, o efeito do ceruse na pele das pessoas, era o de uma medonha máscara, como se suas faces tivessem sido revestidas por gesso. Muitas mulheres que usavam, ao invés de limparem o rosto para depois aplicarem uma nova camada, dormiam com elas e depois, apenas acrescentavam outra camada acima da anterior.

O padre jesuíta Anthony Rivers, relatou no natal de 1600, que Elizabeth I, ”havia sido pintada em alguns lugares, com quase meia espessura de ceruse”. (Foley, Records of the Soc. of Jesus,ii; and Nashe in the 1594).

Captura de Tela 2014-10-11 às 06.20.46O uso do ceruse em tempos posteriores, seriam os responsáveis pelo surgimento das ”manchas da moda”, que nada mais eram, que remendos de veludo escuro, colados acima das cicatrizes causadas por seu uso.

A própria Rainha Elizabeth I, fora advertida por alguns autores, por sua pele ”cinza e murcha’‘, sugerindo até, que além do ceruse, substancias como pasta de sulfato de alumínio e cinzas de estanho e enxofre (seguidas de uma variedade de misturas como ovo branco cozinho e talco), seguidos de outros materiais, também pudessem ter sido usados.

O pintor italiano, Giovanni Lomazzo em seu livro ”A Tracte Containing the Artes of Curious Paintinge, Carvinge and Building”, diz:

“O Ceruse ou chumbo branco, que as mulheres usam para melhorarem sua aparência, é feito de chumbo e vinagre; mistura que é, naturalmente, muito secativa. E é usada por cirurgiões, para secar feridas úmidas. Então, estas mulheres que usam isto sobre suas faces, rapidamente ficavam murchas e com cabelos brancos, porque esta mistura, gradativamente secava a umidade da pele…”

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Mulher com sua marca de beleza na face.

Já Thomas Tuke em ”A treatise against Painting and Tincturing of Men and Women”, diz:

“O ceruse ou chumbo branco, que as mulheres usam para pintarem-se, foi sem dúvidas trazido ao uso pelo demônio, o inimigo da natureza, que transforma belas criaturas, tornando-as feias e abomináveis. Um homem pode facilmente, tirar uma coalhada ou cheesecake de suas faces…”.

Veja a seguir, uma famosa receita de ceruse:

*Receita para base branca de Ceruse:
”Utilize talco e estanho queimado. Aqueça-os em um forno para vidro durante 3 dias. Misture as cinzas resultantes com ceruse, figos verdes ou vinagre destilado”.

Teoria levantada sobre a morte de Elizabeth I:
A medicina Tudor, era um protótipo da atual. Ela mesclava superstições com conhecimentos clássicos e modernos. Mesmo assim, os médicos Reais, não faziam ideia do porque a Rainha estava morrendo. Poderia ser muita coisa, infecção nos brônquios que tornou-se pneumonia, streptococos, ou falência múltipla de órgãos. Qualquer que tenha sido a causa, parece ter sido agravada por uma depressão. Uma coisa que até seus médicos podiam ver, é que a Rainha, jazia deprimida há anos. Como a depressão é um dos sintomas de envenenamento por chumbo, foi levantada a teoria de que a Rainha, pudesse talvez, ter morrido desta causa.

Não existe prova concreta da morte da Rainha, como visto acima, as causas são diversas; uns dizem derrame, outros falência múltipla dos orgãos e outros, o excessivo uso de cosméticos venenosos. Podemos apenas afirmar que seja  o que for, os cosméticos podem ter evidenciado o inevitável e colaborado para a morte de Elizabeth.

FONTES:

Cleopatra’s Boudoir: AQUI.
Brush with Death: A Social History of Lead Poisoning; Warren, Christian.
The Tudors: The Complete Story of England’s Most Notorious Dynasty; Meyer, G.J.
Most Amazing Mistakes – Mistakes Throughout history investigated; por Johnstone, Michael.

 

Captura de Tela 2014-10-19 às 23.19.33

5 comentários Adicione o seu

  1. Uma vez ouvi dizer que as mulheres do período Tudor usavam beladona nos olhos afinal o que e beladona???????

    1. Tudor Brasil disse:

      Li em algum lugar que sim, acho que foi em um fórum sobre o período Tudor.
      Quanto a Belladonna, é uma erva daninha tóxica, que pode ser fatal se ingerida por pessoas…
      Obrigada por comentar! 🙂

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