8 Mitos sobre Ana Bolena

Existem poucos personagens históricos tão envoltos em mistério quanto Ana Bolena. A segunda consorte de Henrique VIII, não pertencia à realeza, portanto sua infância não fora registrada. Sua adolescência na nata da corte renascentista francesa, inspirou rumores lascivos, prontamente espalhados por seus inimigos políticos, e que serviram como alimento à imaginação de inúmeros romancistas. No entanto, a realidade é que, existem poucos registros sobre a estada de Ana na corte de Francisco I da França.

A vida de Ana Bolena, começa a vir à luz nos momentos em que a douce dame jolie, aparece aos olhos de Henrique VIII da Inglaterra. Com suas cartas amorosas e sua obstinação em prover ao reino um herdeiro varão, o monarca se fascina por Ana Bolena, que emerge das sombras, direto para os holofotes reais.

Os eventos ocorridos a seguir, até o momento em que o carrasco francês pousou sua pesada e hábil espada no fino pescoço de Ana, serviram para moldar o comportamento, caráter e personalidade desta mulher, castigados pelas línguas e afiadas penas de inimigos pessoais e políticos, que a viam como nada mais que uma concubina, usurpadora e destruidora da verdadeira fé.

Sua influência tardia, tem sido surpreendente para muitos historiadores. Afinal, Henrique VIII, em sua ânsia de apagar os rastros que a mãe de sua segunda filha deixara, tentou ocultar Ana do conhecimento histórico, ou pelo menos de sua vista.  Ele destruiu emblemas, retratos, correspondências, esculturas nas entradas de residências e etc. A resposta era clara, a Inglaterra (ou pelo menos seu monarca), estava pronta para mais uma nova faísca de esperança, e seu nome, era Jane Seymour.

Resumidamente, a história deixou-nos praticamente nada que indiscutivelmente esteja nas próprias palavras de Ana. Sobraram apenas um punhado de cartas e registros oficiais de seu reinado. Porém, a tentativa de Henrique em destruir os registros de sua outrora esposa, foi notoriamente um fracasso. Ela é provavelmente sua consorte mais famosa. No entanto, muito do que acreditamos saber sobre Ana, ou é apócrifo ou fruto de romances e lentes cor de rosa.

No entanto, mesmo com a escassez de registros sobre Ana, isto não impediu-nos de tentar refutar alguns mitos sobre sua vida, aspecto físico ou personalidade. Ela pode não ter sido querida entre os católicos – afinal, foi um dos muitos pivôs da Reforma (não é correto acreditar que ela foi a ”causa”) – mas sempre foi uma figura admirada no meio protestante inglês. Os protestantes vem desde então, seguidos de historiadores e cronistas, tentando reabilitar a imagem de Ana na história, mas mesmo assim, alguns mitos resistem ao tempo.

Mitos sobre Ana Bolena:

Mito 1 – Ela tinha seis dedos em uma mão.
Resposta: Inconclusivo.
Segundo a exumação de seus restos mortais, o suposto esqueleto de Ana não continha seis dedos na mão. Tal característica, não possibilitaria que Ana fosse designada como dama de companhia e muito menos como Rainha.
Este rumor sobre uma pequena unha em uma de suas mãos, por séculos vem sendo espalhado, pelos defensores da supremacia de Roma, e foi criado pelo propagandista católico, Nicholas Sander. Em sua descrição de Ana, Sander adota diversas características, na época consideradas como ”as de uma bruxa”, como um dente projetado para fora da boca, verrugas e seis dedos. Quanto a credibilidade do que ele disse, não temos como afirmar. Podemos apenas lembrar, que foi ele uma das pessoas que também disseminou o boato de que Henrique havia tido um affair com Elizabeth (Howard) Bolena, mãe de Ana (ele provavelmente não foi o inventor deste boato, uma vez que o próprio Henrique chegou a desmentir tal história). A única resposta que podemos dar, é que se Ana tivesse tido um sexto dedo, ele seria pequeno e delicado, quase como uma pequena unha ou vestígio de uma verruga, assim como também pode nunca ter tido nada além dos cinco dedos.

Mito 2 – Ana foi muito bela.
Resposta: Pessoal.
Para muitas pessoas, ao contrário dos propagandistas católicos, um Rei não poderia apaixonar-se por uma mulher esteticamente desagradável. Temos, porém, que lembrar que, segundo suas descrições físicas, Ana também não fazia parte do ideal renascentista de beleza feminino. Este consistia em uma mulher extremamente alva, de cabelos e olhos claros. Ana tinha a tez amorenada, cabelos escuros (acreditavam que mulheres de cabelos claros, seriam mais submissas), boca larga e seios pouco elevados (que com o corpete apertado, pouco saiam da linha do decote). Para sua época, poderia ter despertado o diferente, exótico, dentro de uma corte repleta de mulheres com a tal beleza renascentista. A aparência exótica, seguida de um gosto para moda e presença destacável, poderiam ter dado à Ana, sua chance de reluzir aos olhos do Rei. Um servo de Wolsey, recordou como ela destacava-se entre as mulheres na Corte ‘por sua graça e comportamento”; já Brantome, um cortesão francês, diz em suas memórias, ”sobre como Ana vestia-se com muito bom gosto e criava novos modelos que foram copiados por todas as elegantes damas da corte. Por fim, o poeta francês, Lancelot de Carles disse: “Ela é tão graciosa que você nunca a teria visto como uma inglesa, e sim como uma francesa por nascimento”. Podemos encerrar dizendo que ela não foi nenhuma Vênus, mas que definitivamente não foi feia.

Mito 3 – Ana Bolena era a irmã malvada.
Resposta: Falso.
Quanto a esta maravilhosa definição de ”bom e mau” para um ser humano (como se pudéssemos definir isto – e ainda com alguém que viveu há séculos atrás), devemos todos os agradecimentos à romancista Philippa Gregory. Não me levem a mal, alguns de seus romances são realmente gostosos de se ler, mas a caracterização de uma Ana rancorosa, bipolar, egoísta e cruel, em contrapartida à uma irmã insossa e quase santa, é algo muito absurdo de se engolir. Claro, é uma obra fictícia, não sabemos (é provável que não) se Maria deu a Henrique bastardos, mas o que podemos dizer é que, a Ana construída por Gregory, fez doer o coração de muitos historiadores.
Vamos aos fatos, os romances de Henrique com Ana e Maria, aconteceram em períodos diferentes. As histórias não chocaram-se como Gregory fez muitos leitores acreditarem. Apesar de Gregory ter afirmado ter aplicado em seu romance “regras muito rígidas de precisão histórica” ele é quase todo incrivelmente inventivo, e fruto de sua própria criatividade. Sinto-me meio desconfortável em julgar um romance, mas graças às próprias reivindicações de Gregory sobre a precisão histórica e indefinição pós-moderna entre realidade e ficção, muitos leitores ficam convencidos de que Ana de fato, era o demônio encarnado na família Bolena.

Mito 4 – Ana usou favores sexuais para atrair Henrique ao matrimônio.
Resposta: Inconclusivo.
A Ana provocadora e manipuladora, é quase 100% invenção e produto de fofocas da corte e inimigos pessoais e políticos da facção Bolena. A contribuição mais influente, veio de Eustace Chapuys, embaixador espanhol e defensor de Catarina de Aragão. Chapuys não era nenhum mentiroso, muito pelo contrário, mas as vezes tendia a usar palavras que foram muitas vezes, mal interpretadas, ou modificadas dentro de outros contextos. Chapuys chegou a referir-se à Ana como uma “concubina”, que havia corrompido Henrique com seu jeito francês. Veja bem, Chapuys era espanhol, a mesma nacionalidade da primeira esposa de Henrique VIII. É claro que ele iria (assim como muitas pessoas fizeram), acreditar que o casamento de Henrique com Catarina era válido – ainda mais em um período onde o divórcio era um assunto tão raro e delicado – e pensar que Ana, nada mais era, que uma amante, concubina da realeza.
Muitas pessoas encaram Chapuys como um carrasco difamador, quando ele apenas expressou suas opiniões. Seja como for, a facção contra-reformista, utilizou esta declaração, como uma arma para difamar a nova rainha. O problema é que, muitos utilizaram de uma opinião pessoal, como fonte irrefutável do comportamento de uma mulher, levando-a para a posteridade. A verdade é que, não temos como saber o que Ana e Henrique faziam em sua intimidade, mas é provável que ela não arriscaria a legitimidade de um herdeiro, mantendo relações antes do casamento.

Mito 5 – Ana ficou chateada com o nascimento de Elizabeth.
Resposta: Provavelmente falso.
Romancistas e cineastas, adoram representar o nascimento de Elizabeth como uma ocasião de desespero para Ana e raiva para Henrique. Novamente, tudo gira em torno de Chapuys. Ele descreveu tal acontecimento como ”um grande pesar” para Henrique. Obviamente, era preferível, dentro do cenário monárquico do período, que o Rei tivesse um herdeiro varão para herdar o trono após sua morte. Chapuys ter achado tal acontecimento pesaroso, não significa novamente, nada além de sua opinião pessoal. Claro que, tal opinião, deve ter guardado um tanto de gosto pessoal, afinal a nova Rainha, dera para Henrique o mesmo que sua primeira: uma filha. Os astrólogos e físicos reais, haviam previsto o nascimento de um príncipe. O reino estava preparado para as boas novas, mas não aconteceu. Em contrapartida, a criança – primeiro filho – nasceu perfeita e saudável; ao contrário de um natimorto, que no período era algo tristemente comum. Ana ainda era jovem, ela poderia gerar mais filhos e o nascimento de uma criança saudável, obviamente não seria tão incrível quanto o de um varão, mas ainda sim, seria igualmente recebido com alegria e festa.

Mito 6 – Ana cometeu múltiplos adultérios, inclusive com seu irmão George Bolena.
Resposta: Falso.
A maioria esmagadora dos encontros sexuais de que Ana fora acusada, não só não podem ser provados, como teriam sido impossíveis. Nas supostas datas em que ela deveria ter traído Henrique, ela estava, ou viajando com ele, ou grávida, e portanto, confinada, ou havia dado à luz recentemente. O máximo que ela parece ter sido culpada, são de algumas brincadeiras indiscretas, que Cromwell citou como exemplos de traição. O que devemos ter em mente, é que a prova, não era exatamente necessária nos tribunais do período, e sim a ‘aparência de justiça’. O júri fora escolhido a dedo, deixando de fora as pessoas que poderiam ser favoráveis à Ana. Aqueles que serviram como júri, estavam cientes do veredicto que o Rei – ansioso por desposar a dama de companhia de sua esposa – esperava.

Mito 7- Ana disse para Henrique que esperava sua morte na Torre.
Resposta: Falso.
Esta é uma famosa cena do clássico hollywoodiano, Ana dos mil dias. Geneviève Bujold – interpretando Ana Bolena – orgulhosamente rejeita a oferta de misericórdia de Henrique, recusando-se a declarar Elizabeth como bastarda e ser poupada da lâmina do carrasco. Ela ainda destrói a masculinidade do rei com sua própria aljava, quando ao ser questionada se havia realmente dormido com cada guarda e oficial do Palácio, deixa o mesmo imaginando se ela o fez ou não. “Minha Elizabeth será Rainha! E o meu sangue terá sido bem gasto!”. Esta foi uma Ana perfeitamente moldada para os conhecidos anos rebeldes da década 70, e sem um pingo de precisão histórica – embora eu adoraria dizer o contrário.

Mito 8- Ana falou que tinha o pescoço pequeno.
Resposta: Verdadeiro.
Sim. Ela proferiu tais palavras, embora não saibamos seu significado claro. Não sabemos se Ana, envolta em tanta tensão, tornou-se mentalmente desequilibrada, ou se isso foi dito com um toque de humor sarcástico, com a pretensão de desestabilizar o oficial do Rei, que havia dito que não haveria nenhuma dor. Ana também riu quando o oficial disse a ela, que até o assunto mais irrelevante do rei, era assegurado com justiça. E em seu julgamento, ela confessou apenas não ter tido ”a humildade perfeita” com Henrique – deixando parecer, que seu único crime, foi não ter permanecido em seu devido lugar. Estes fragmentos sugerem que, Ana possuía um senso altamente sintonizado do quão político seu meio era. Mesmo deslocados e soltos para nós de maneiras confusas, estes pequenos fragmentos histórico/informativos, mostram para nós a Ana, pessoa, ajudando-nos a separá-la do mito.


Fontes:
Este artigo foi modificado com minhas palavras, do original escrito por Susan Bordo, para o site Huffington Post: Aqui.

1 comentário Adicione o seu

  1. Troccoli disse:

    Artigo maravilhoso, muito bem feito. Parabéns!

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