No Renascimento, os macacos carregavam uma profunda simbologia. Podiam ser símbolo de luxúria, tolice, irracionalidade e frivolidade. O pintor flamengo do século XVI, Pieter Brueghel gostava de tal alegoria e muitas vezes incluía macacos em suas pinturas. Em uma pintura datada de 1562, Brueghel retratou dois macacos acorrentados e presos, uma simbologia ao estilo pecaminoso e tolo de vida levada por algumas pessoas. Este tipo de simbologia, frequentemente aparecia em quadros do período. Porém, não era apenas por este motivo, que os macacos estrelavam em quadros renascentistas…
Além do simbolismo empregado ao macaco, a aristocracia e nobreza renascentista também passou a adotá-los como animais de estimação e muitas vezes, tratava-os como servos pessoais ou tipos de bobos da Corte. Por ser considerado um animal exótico e ter sido introduzido nas Cortes renascentistas, graças as expedições ao Novo Mundo, os macacos eram caros e raros e destinados apenas à esta pequena parcela da população.
Ulisse Aldrovandi, um historiador do século XVI, escreveu sobre um macaco proveniente das índias orientais, exercia as funções de seu mestre. De acordo com Aldrovandi, o macaco seria enviado para comprar vinho em uma loja local, levando “um frasco em uma mão e dinheiro na outra.” O artista flamengo Anthony Van Dyck, também registrou a presença de macacos como animais de estimação nas grandes Cortes Reais. Em seu retrato de Henrietta Maria e Sir Jeffrey Hudson, anão da Corte, um brincalhão macaco aparece nos ombros de Hudson.
Os macacos foram valorizados entre as inúmeras espécies do Novo Mundo, conhecidos por sua inteligência e características semelhantes às humanas. No Renascimento, o macaco foi um importante complemento na arte e literatura moralista, embora também tenha representado uma nova era de descobertas e pensamentos progressistas. Em resumo, o macaco foi um grande símbolo do período.
O macaco na Corte Tudor:
Acreditam que Catarina, assim como Margaret Tudor e muitos nobres das Cortes europeias, tinha o macaco como animal de estimação. Devido ao grande fluxo de exploradores espanhóis, retornando à Espanha com exóticos animais do novo mundo, não é estranho ou diferente, acreditar que Catarina, espanhola por nascimento, não nutrisse amor a estes animais.
Além de Catarina, outra pessoa também era conhecida por possuir um macaco e seu nome era Will Sommers, o bobo da Corte de Henrique VIII. Sommers entrou na Corte a serviço de Henrique em 1525 e tornou-se o mais conhecido de seus bobos. Magro e de olhos fundos, dizem que ele nasceu em Shropsdhire e chamou a atenção de Richard Fermour, mercador de Calais, que levou-o à Greenwich para apresenta-lo ao Rei. O perverso humor de Sommers, imediatamente conquistou o monarca, que ofereceu-lhe um cargo na Corte. Rapidamente, uma grande empatia nasceu entre os dois homens e as pessoas não tardariam em dizer que “em toda a Corte, poucos homens eram mais queridos que este bobo”, que durante os próximos vinte anos, dominaria o rei com seu senso de humor e brincadeiras alegres e seria seu companheiro constante nas horas tristes ou ociosas do dia.
Era comum que bobos da Corte tivessem macacos, que muitas vezes eram ensinados truques para que pudessem igualmente entreter os cortesãos e o Rei. Não foi diferente com Somers, que andava com seu macaco sobre os ombros. Enquanto Somers contava piadas, o macaco fazia truques e o mesmo ria quando chegava ao fim das piadas, além de imitar sem pena, as pessoas que eram os motivos das piadas de seu mestre.
Mas conforme vimos acima, os macacos carregavam uma enorme simbologia em quadros do período. Atualmente, o maior nome do período associado à tais simbologias, não foi ninguém menos que Catarina de Aragão…
Catarina de Aragão e a iconografia do macaco:
Existem três retratos em que o macaco está de algum modo relacionado à Rainha Tudor. Separamos as 3 pinturas, seguidas de explicações sobre a mesma e como a iconografia nos remete direta ou indiretamente à um recado dado pela Rainha.

– O macaco de olhos rasgados de Chichester:
Um pequeno e dócil macaco de olhos rasgados, faz parte de uma enorme pintura de Lambert Barnard (acima), localizada em um dos transeptos da catedral da Sagrada Trindade em Chichester, Inglaterra. A pintura foi realizada em 107 pequenas placas de carvalho, que juntas possuem a medida de 14’x 32′ e divide-se em dois grandes painéis.

No painel da esquerda, é representada uma alegoria do século VII, sobre um rei saxão e bispo fundador desta catedral; no painel da direita, aparece Henrique VIII em meio a uma multidão, juntamente com o bispo Robert Sherborne, homem que encomendou a pintura, no início da década de 1530.
O retrato fala sobre a proteção Real que a Catedral recebeu, após a dissolução dos monastérios e rompimento com Roma. Um dos principais veículos para a tal renúncia, foi o divórcio do monarca, com sua então primeira esposa, a espanhola Catarina de Aragão, cujo o matrimônio, havia sido selado e permitido pelo Vaticano, por volta de 20 anos antes. Mas o que Catarina de Aragão tem a ver com tal macaco?
O primeiro painel, no qual encontra-se o primata, é bastante sugestivo e carregado de simbologias. Ele retrata um macaco acorrentado a um coluna, sentado entre nozes e um anel de casamento descartado. O macaco, aparentemente é uma metáfora para Catarina de Aragão. No topo da coluna, podemos ver a pintura de uma estátua de um cavaleiro cristão matando um bárbaro. O fato do macaco estar acorrentado à coluna, pode significar a forte crença católica de Catarina, e as nozes, são um símbolo da recompensa cristã. O anel descartado fala sobre seu divórcio com Henrique e presumivelmente mostra, que ela foi a única que manteve-se leal. Devemos lembrar também, que o grande diferencial da pintura do primata, é o fato de possuir olhos de felino e Catarina, assim como sua irmã Joana, foi conhecida por ter olhos levemente puxados. E por que Catarina seria retratada como um macaco?
O motivo levantado em uma palestra sobre a recente restauração da pintura, ressalta que Catarina além de possuir um macaco como animal de estimação, já fora retratada com eles, mas o grande motivo, foi muito mais simples e direto. Ana Bolena, segunda esposa de Henrique VIII e pivô da separação de Henrique VIII e Catarina, “tinha tamanho ódio à tal besta, que sequer podia respeitar tal visão”.

– Miniatura de Catarina de Aragão (datada de 1525/26 aprox.) por Lucas Horenbout:
Ao longo dos séculos XVI e XVII, acreditava-se que as mulheres possuíam menor controle de sua sexualidade, que os homens. Esta falta de controle, as tornavam mais fracas que os homens. Foi somente através da tranquila domesticidade do matrimonio, que a luxúria poderia ser domada. Ironicamente, os estereótipos de gênero, atualmente são revertidos.
Os macacos na arte renascentista, frequentemente carregavam inúmeros simbolismos, além de dar um toque descontraído ao retrato. Entre um dos muitos simbolismos, os macacos também representavam desejos luxuriantes. Como é que uma rainha controlava tais desejos carnais? Ela simbolicamente falando, deveria manter seu macaco, acorrentado e preso sob sete chaves.
Em uma pintura, quando um macaco retratado ao lado de uma mulher demonstra estar acorrentado, pode simbolizar que a retratada em questão, pode estar reprimindo desejos sexuais, pois não consegue ser mais forte que eles. No famoso retrato de Horenbout, o macaco divide a tela ao lado de Catarina, não preso e sim solto e domado, apontando para seu peito. Tal simbologia, representa o controle absoluto dela sob seus desejos carnais e sua fé com seu Deus, que invade profundamente seu ser. Claramente, nem a rainha nem o macaco, dão atenção um ao outro.

– Pintura de Catarina de Aragão (datada de 1530/31 aprox.), autor desconhecido:
Recentes datações dendrocronológicas, concluíram que a data mais provável deste retrato, é de 1531. Tal análise, baseia-se na medição dos anéis de crescimento da árvore utilizada no painel, juntamente com a comparação dos registos climáticos e outros exemplos conhecidos e datados. A análise, concluiu então, que o último ou mais antigo anel de crescimento, sobreviveu até 1523. A datação mais precisa, é então obtida através da adição de um número mínimo de anéis de crescimento, que podem ter sido perdidos no processo de fabricação, tipicamente oito anéis, ou oito anos. Uma pequena quantidade de madeira perdida no processo de fabricação, não é algo atípico, uma vez que uma grande quantidade era retirada, a fim de evitar o uso desnecessário de madeira. Assim, neste caso, foram adicionados oito anos para que 1523, pudesse chegar até 1531.
A forma relativamente rudimentar em que este painel fora construído, sugere que foi feito durante o primeiro período de fabricação de painéis de grandes artistas na Inglaterra, para não mencionar o estilo artístico e técnica da pintura em si. Além disto, na ausência de qualquer outra análise dendrocronológica semelhante para os dois outros painéis de retratos mais conhecidos de Catarina de Aragão (Museu de Belas Artes, Boston e National Portrait Gallery, Londres), mostra que este exemplo, poderia muito bem ser o mais antigo retrato de cavalete, atualmente conhecido da Rainha.
O retrato é conhecido por ser o segundo no qual a Rainha é retratada ao lado de um macaco, desta vez, carregado de pequenos simbolismos. O significado de tais simbolismos produzidos durante a década de 1530, é aparente. Em meio a seu divórcio do rei, Catarina poderia muito bem ter preocupado-se se seu rosto continuava a ser visto como propaganda à casas reais no exterior. Tal ferramenta de propaganda para uma Rainha, não era atípica e fora fundamentada no propósito de manter seu status de rainha, mesmo dentro de um turbulento período. Haveria portanto, consideráveis incentivos para a produção de um retrato, que remetesse a uma bela e decidida rainha, mas que ao ser profundamente analisado, passasse um significado mais obscuro e apenas passível de compreensão à seus adeptos.
O retrato deriva diretamente de uma miniatura de c.1525, pintada por Lucas Horenbout d.1544 (Duque de Buccleuch Collection), que mais uma vez, mostra Catarina segurando um macaco, mas com sutis alterações à iconografia. Desta vez, está sendo oferecido ao macaco uma moeda, que ele prontamente ignora, estendendo a mão ao crucifixo preso ao peito de Catarina. A interpretação aqui é simples: A criatura de Catarina expressa sua obediência à Igreja, ao reconhecer que a cruz é mais preciosa que o dinheiro. O fato de que estes elementos estão ausentes na miniatura de Horenbout, onde o macaco esta apenas apontando para o peito de Catarina, mostra que a iconografia do retrato foi deliberadamente reconfigurada, para comentar sobre a situação da rainha nos anos nas décadas de 30/31 e fazendo um contraponto de seu ortodoxo berço católico.
Foi ainda sugerido, que a espécie do macaco, um sagüi (em inglês: marmoset), pode ser uma alusão aos estreito laços de Catarina e seu fiel súdito Thomas More, uma vez que as letras em inglês, são um quase-anagrama do nome de Thomas More, o mais célebre apoiador da Rainha e mais tarde um mártir pela causa. Isto não é muito creditado, já que o povo Tudor era educado em alegorias (embora não tanto quanto o povo do continente). A aparente frivolidade do retrato, teria sido melhor compreendida como, uma senhora da Corte, brincando com seu macaco de estimação – do que com uma leitura paralela e mais obscura do retrato em si. Embasando-se agora em uma leitura mais profunda, muito mais do que apenas um simples desabafo de uma Rainha que sentiu-se rejeitada no lugar de uma rival mais jovem, o retrato também pode ser lido como uma calculada peça de propaganda e um movimentado jogo, que foi jogado até as últimas consequências.

FONTES:
Los Líos de la Corte: AQUI.
Historical Portraits: AQUI.
Espetacular ! Grata.