Às 6:30 da manhã nas câmaras do Rei:
Em um mundo onde as pessoas geralmente trabalhavam de acordo com a duração do dia, em um palácio Tudor, o dia corria no ritmo regular dos relógios mecânicos. Lá pelo final do reinado de Henrique VIII, um gigantesco relógio astronômico fora instalado em Hampton Court. Este trabalho ficou a cargo do relojoeiro do rei, Nicholas Oursiam, que também fabricava relógios portáteis. Na Câmara privada, houve um relógio em um pilar esculpido.
Os primeiros à acordarem eram os atendentes pessoais do Rei. Era esperado que eles estivessem acordados e prontos às 7 horas da manhã ou antes, se o Rei decidisse na noite anterior, que precisaria iniciar o dia mais cedo. Em 1520, por exemplo, Henrique levantou-se diariamente às 4 ou 5 da manhã, e caçava até às 9 ou 10 da noite. Levantar às 7 significava por boa parte do ano, trabalhar à luz de caras velas de cera. Esta era uma despesa que os Tudors geralmente gostavam de evitar. Por este motivo, o resto da Corte, levantava mais tarde e terminava o trabalho cedo, para fazer o melhor uso possível da luz do dia.
Os seguintes à acordarem, eram os quatro criados da Câmara privada. Eles foram nomeados como William e Hyrcan Brereton, Walter Welsh e John Gary. Servos pessoais, muitas vezes eram encontrados dormindo na mesma câmara com seu mestre. Embora os servos de Henrique se hospedassem em outros cômodos do palácio, pelo menos dois deles deveriam estarem prontos e esperando na câmara privada às 06:00-07:00 da manhã. Eles tinham que limpar as pallets (esteiras de palha em onde dormiam), fazer o fogo, limpar o quarto, espalhar palha limpa no chão e remover “todo o tipo de imundície”. Quando o rei estivesse levantado, ele iria encontrar a câmara em questão, limpa e saudável, sem qualquer cheiro desagradável ou coisas do gênero, como a nobre pessoa de vossa majestade, pudesse exigir.
Henrique tinha um grande medo de doenças e lareiras eram conhecidas por dissiparem ares nocivos. Além disto, ervas e aromas medicinais eram introduzidos diariamente nas câmaras do Rei. As lareiras em seus aposentos, queimavam o caro ”sea coal” – carvão transportado do norte da Inglaterra pelo mar. Em outras partes do palácio, as lareiras eram alimentadas por madeira, facilmente disponível, porém fumacentas e de queima irregular. Os serventes bem nascidos, tinham como tentação usarem seus próprios servos para efetuar o trabalho em seus lugares. Isto era estritamente proibido. O Rei esperava ser servido por sua comitiva designada e não por pessoas substituídas por eles.
A câmara única da idade média, foi substituída no período Tudor, por uma infinidade de câmaras subjacentes. A portaria de Eltham, refere-se à varias ‘câmaras de saída’. Regras relativas à ‘ câmara do Rei’ parecem aplicar regras indiferentes à estas salas, a menos que mais detalhes fossem especificados. Quantas elas eram, dependia do tamanho do palácio. Em Hampton Court, o número de câmaras aumentou constantemente até o fim de seu reinado. Henrique tinha uma sequência de câmaras, começando por uma conhecida como ‘a grande câmara de observação’, uma câmara de presença, seguida por uma câmara de jantar ou de estado.
Depois havia a Câmara Privada, a principal sala do Rei. Era esta câmara que levava ao seu próprio quarto. Em Hampton Court, ele ostentava uma enorme cama de 2,40 metros de comprimento, por 2,30 de largura. Seus quatro cantos e cabeceira, esculpidos, dourados, coroados com grimpas e cobertos por um dossel e tester (a cortina traseira) de tecidos de ouro e prata. Suas cortinas eram de tafetá roxo e branco, decoradas com as armas reais. Não sabe-se o rei realmente dormiu nesta cama, provavelmente era um adorno cerimonial, utilizado talvez, quando o Rei estivesse doente e tivesse de consultar seus ministros na cama. No período em que utilizou o Palácio de Eltham, havia apenas um dormitório, local onde ele realmente dormia, em uma suntuosa e confortável cama.
Na câmara privada, a equipe pessoal do Rei, reunia-se esperando que ele se levantasse. O barbeiro do Rei, aparecia com a água, tecido, lâminas e outros equipamentos. Ele tinha não apenas de manter limpa as roupas do rei, como também conferir-lhe uma boa aparência e não andar com pessoas vis ou mulheres desgovernadas, a quem ele poderia fofocar sobre as confidências que ouvira do monarca. O Rei, assim como os homens de moda da Corte, preferia uma barba ou bigode e seu cabelo sempre curto. Os cortesãos mais conservadores, preferiam manter os cabelos à altura do colarinho e barba totalmente feita.
Um ou ambos os cavaleiros da portaria da câmara privada (Roger Ratcliffe e Anthony Knevitt) tinha de estar a postos às 7 da manhã na porta, a fim de garantir que nenhuma pessoa não autorizada aproxime-se do local. Eles também supervisionavam o trabalho dos servos menores. No próximo rank estavam os pagéms da câmara do Rei, que eram bem nascidos ou filhos de cavalheiros. Eles acenderiam a lareira para os empregados do Rei, avisando que era hora de levantarem, assim eles poderiam estar prontos para servirem o Rei, até as 8 horas, no máximo.
Todos os seis cavalheiros da câmara privada (que em ordem eram, Sir William Tiler, Sir Thomas Cheyney, Sir Anthony Browne, Sir John Russell, Mr Henry Norris e Mr Cary) tinham de estar na Câmara as 7 da manhã, para vestirem o Rei. Dois deles passariam a noite dormindo nas pallets no quarto. As roupas que o rei decidira usar, seriam trazidas do guarda-roupa inferior das vestes, pelo yeoman. Ele não era permitido entrar na câmara, mas deixava as roupas na porta, para um dos serviçais da câmara.
Os cavalheiros da câmara privada, eram os amigos e companheiros do Rei. Eles beberiam com ele, apostariam com ele e dividiriam seus jogos e passatempos. Eles eram muito diferentes dos discretos servos de casas senhoriais posteriores. Embora eles zelosamente guardassem o acesso para seu amigo monarca, isso não impediria que o Rei, passasse um tempo com outros servos. Estes seriam homens jovens, que compartilhariam muito da educação, interesse e paixões do monarca.
Ao primeiro sinal indicando que o Rei já estaria de pé, apenas um cavalheiro, Henry Norris, que tinha o cargo sênior de servo das fezes, era permitido entrar no quarto ou em outros locais privados. Nenhum dos outros, presumivelmente poderia entrar ou seguir o Rei para seu quarto ou qualquer outro local privativo. Isso significa, que o servo das fezes, era responsável por ajudar o Rei a fazer o toilet – ‘quando ele fosse fazer a higiene no quarto’. Ele deveria estar a postos com uma bacia de água, uma jarra e uma toalha para o Rei ‘limpar suas extremidades inferiores’. O toilet ou ‘quarto das fezes’ estaria perto de seu quarto. Nele estaria a caixa das fezes, um tipo de caixa de madeira, decorada com 2.000 rebites de ouro, com um assento de veludo acolchoado; dentro de seu compartimento, estaria um penico ou bacia, que seria de latão. Uma cisterna de água, toalha, tecido de algodão ou linho, também eram providenciados.
Os serviçais da câmara de Hampton Court, tinham de usar um banheiro improvisado ou garderobe em um quarto separado, fora da grande câmara. Isto era mais conveniente que a comadre da câmara, que apenas era limpa periodicamente, quando a Corte estava ausente. Sozinho com o servo das fezes, o Rei poderia passar sua agenda do dia, uma vez aliviado, ele estaria pronto para sair da câmara privada. Os cavalheiros iriam vesti-lo em seu traje escolhido ”de maneira reverente e discreta”. Os serviçais segurariam suas roupas e os porteiros estariam proibidos de entrar, a não ser por ordem expressa do rei. ‘tocar as mãos em sua pessoa real, ou participar dos preparativos da colocação de suas roupas’, este era trabalho, era estritamente designado aos cavalheiros da câmara privada.
Apenas o Rei e sua família direta, poderiam usar tecido de ouro ou cor roxa. Henrique VIII era sempre a pessoa mais esplendorosamente vestida da Corte. Suas roupas eram feitas do mais rico tecido – como seda, brocados, tafetá, cetim e veludo – e suas camisas eram da mais fina qualidade, de linho ou seda bordada. O inventário de bens do Rei, revela que ele tinha um grande número do que ele charmosamente chamava de ‘bebês’, manequins vestidos em várias peças de roupas, permitindo-lhe avaliar certo look ou peça em particular. Havia um grande número das muito caras penas de avestruz – marca registrada do monarca – que ele invariavelmente, adicionaria ao chapéu para completar seu look.
Nos círculos íntimos da câmara privada, a confiança poderia ser trocada e por isso sempre apareciam oportunidades para o abuso da mesma. O regulamento ressaltava que, os homens da câmara privada deveriam ”se amar, criando uma boa unidade e harmonia, mantendo em segredo todas as coisas que deveriam ser feitas ou ditas, sem revelar qualquer parte delas a qualquer pessoa que não estivesse presente na câmara”. mesmo que o rei estivesse ausente, eles tinham de esperar diligentemente na Câmara, sem nenhuma fofoca sobre onde ele pode estar ou o que estaria fazendo e ”sem murmúrios, resmungos ou falatório sobre os passatempos do Rei, se ele demora ou vai cedo para a cama, ou qualquer coisa realizada por Sua Graça’‘. Era dever de todos, denunciar qualquer pessoa que ”usasse qualquer linguagem ruim ou imprópria sobre o Rei”.
No ano seguinte ao regulamento de Eltham, o Rei Henrique VIII decidiu divorciar-se de Catarina de Aragão e desposar Ana Bolena. Anos mais tarde, Ana estava sob julgamento. A maneira despreocupada que relacionava-se com os homens da câmara privada, contando piadas sobre a saúde do rei, ou tamanho de suas roupas de baixo, fizeram com que Ana e os cavalheiros, fossem acusados de traição. Henry Norris e William Brereton, foram executados como parte das acusações contra ela. A proximidade com um Rei, era tanto uma benção, quanto uma maldição.
O Rei é claro, poderia admitir quem quisesse em seus aposentos interiores – seus conselheiros, companheiros de esporte e amigos. A intenção de Wolsey no regulamento, era regularizar, protocolar e limitar o papel destes ‘minions’ (servos), como ele gostava de chamar. Henry Courtney, Marquês de Exeter e Conde de Devon, ‘parente próximo do Rei… que um dia trouxe uma criança com sua graça presente na câmara’, foi especificamente nomeado, como alguém que poderia ir e vir como um “fidalgo da Casa Real”, mesmo que ele não tivesse nenhum trabalho específico para fazer.
Senhores da Câmara Privada, deveriam trabalhar seis semanas e folgar seis. Como não houve nenhum regulamento específico, às vezes acontecia de não haver nenhum deles presente para servir ao Rei. Em tais casos, Henrique sumariamente nomearia outro de seu amigos. O resultado foi que, dez anos depois, o número deles havia subido para dezesseis.
Os aposentos do Rei, eram situados no primeiro andar do Palácio. Podemos ter certeza, porém, que vivam sempre com a vida agitada.
CONTINUA – PARTE II: COZINHA.
Adorei, sempre quis saber como funcionava a vida na corte – tin tin por tin tin.
🙂
Coitado do Henry Norris…tanto que ele fez pelo rei e acabou sendo decapitado
Acrescentando sobre o Norris… como todo mundo, né?
Estou um pouco confusa com a nova disposição dos comentários, por isso, desculpe pela demora ao responder. Quanto ao Norris, é verdade, mas era exatamente isso, ficar próximo demais do rei, conforme dito acima, poderia ser tanto uma benção, quanto uma maldição e eles arriscariam suas cabeças por esta chance!