O casamento é geralmente uma das memórias mais importantes na vida de um casal. Porém, a memória de seu matrimônio com Arthur Príncipe de Gales, o irmão de seu então marido Henrique VIII, deve ter perseguido e assombrado Catarina por anos a fio. Esta mesma memória, porém, é muito importante para todos os estudiosos, curiosos e historiadores Tudor, afinal, uma pergunta nunca se calou: O que realmente aconteceu entre aquelas quatro paredes, na noite de núpcias do casal?
Este é um tema controverso, uma vez que Catarina de Aragão é uma figura histórica geralmente bem reverenciada. Existem apenas algumas figuras da história Tudor, que possuem defensores ardilosos, que até hoje, tendem a brigar por certos comentários ou assuntos específicos.
Em meio a Guerra das Rosas, Ricardo III tem seus apologistas; mais tarde, Elizabeth I e sua mãe, Ana Bolena, tem defensores extremos, que tendem a ser os mais complicados de lidar, e por fim, encontramos os defensores de Catarina de Aragão. O centro de defesa destas pessoas, baseia-se em um ou dois argumentos:
• Apologistas de Ricardo III tentam resgatar seu caráter após o incidente com os príncipes na Torre;
• Os defensores de Ana Bolena querem mostrar que ela fora muito mais que apenas “a outra mulher”;
• E os de Catarina de Aragão, continuam a afirmar que ela não consumou seu casamento com Arthur.
Mas qual é a ‘verdade’ sobre o primeiro casamento de Catarina? Como podemos ver, a consumação do jovem casal passou a ser um assunto definitivamente público na corte Tudor. A questão da consumação mudou para sempre o relacionamento entre Catarina e Henrique. Mas então, o que aconteceu? Será que Catarina realmente consumou seu matrimônio de apenas cinco meses com Arthur? Será que ela mentiu sobre isso depois, a fim de proteger-se ou proteger sua preciosa filha? Ou será que Arthur era apenas um jovem inexperiente e despreparado, que por tal motivo, resolveu adiar suas funções como marido? A intenção deste artigo, é observar algumas evidências, questões e especulações sobre este misterioso tema.
O Casamento e Leito Preparado:
Sabemos que Catarina teve seu casamento arranjado com o herdeiro do trono inglês, Arthur, o Príncipe de Gales, desde a infância. Embora tenha nascido em berço nobre e recebido sua criação na Espanha, como filha do rei Fernando de Aragão e da rainha Isabel de Castela, ela sabia desde muito cedo que um dia, seu devido lugar seria na Inglaterra. Ela deveria casar-se com o Príncipe herdeiro, tornar-se a princesa de Gales, e eventualmente, a rainha daquele reino longínquo.
Eles casaram-se no dia 14 de Novembro de 1501, na Catedral de St Paul, com todas as pompas reservadas a um futuro rei e rainha da Inglaterra. Após longas festividades, que duraram cinco horas, a festa deslocou-se para o Castelo Baynard. O leito marital fora então, cerimonialmente preparado, recebendo gotas de água benta. A cama fora cuidadosamente escolhida, com ricas tapeçarias e mobiliário digno do cargo e status que ocupariam. Nada foi poupado. Seguindo a tradição, eles teriam sido feitos de veludo e seda em cores vibrantes, como vermelho, preto, verde ou azul, com painéis de tecido de prata e ouro. Eles muitas vezes tinham franjas e fitas de tafetá, com pesados bordados florais e motivos dinásticos, como brasão de armas.
Ao morrer em 1495, Cecily Neville, a bisavó de Arthur, legou-lhe um conjunto de cortinas de cama, decorados com a imagem da roda da fortuna, que pode ter sido utilizado para tal ocasião tão especial, afinal, seria um emblema para a brevidade da vida – um memento mori, muito utilizado no período. Como toque final, os cobertores seriam amaciados e os travesseiros engordados com penas de ganso novas ou afofados. Caberia a John de Vere, o então Lord Chamberlain, o dever de testar o leito, deitando em ambos os lados da cama, a fim de assegurar ao jovem casal, que não haveria nenhuma arma ou espeto depositado secretamente no local, por ardilosos inimigos reais.
Em seguida, uma inexperiente e provavelmente nervosa jovem Catarina, fora então despida por suas damas. Ela ‘fora reverentemente deitada e repousada’ e o cavalheiro Arthur, colocou-se ao lado dela. A questão da consumação, era a etapa final do processo, essencial aos olhos religiosos e legais, para validar a união e prevenir uma futura anulação. Em 1469, os lençóis ensanguentados de Isabel (mãe de Catarina), foram apresentados após sua primeira noite com Fernando, como prova de que a relação sexual havia ocorrido. Embora os ingleses não tenham ido tão longe, algum ato de intimidade fora requerido para satisfazer e dissipar os espectadores que acompanharam os recém-casados para os quartos, com seus conselhos, bênçãos, piadas dispensáveis e música. Mas o que poderia ter acontecido depois disto?
Após o esperado dia, foi decidido que, quando Arthur retornasse para sua residência no Castelo de Ludlow, no País de Gales, sua nova esposa, Catarina, iria acompanhá-lo e lá, eles viveriam como um casal. Arthur morreu em 2 de abril de 1502, apenas cinco meses após seu casamento com a Infanta espanhola. Pouco depois, foi determinado que Catarina não estava grávida, e o príncipe Henrique, de 10 anos, fora feito herdeiro do trono. Após um longo período de limbo, abandono e circunstâncias deploráveis para uma infanta que viveu no seio da Europa católica, a fim de manter a aliança e também para reter o grande dote de Catarina, Henrique VII seguiu adiante com planos de casar seu segundo filho e agora seu herdeiro, com a viúva de seu primeiro filho.
Análises Futuras:
Na época, as Cortes da Inglaterra e Espanha assumiram que eles haviam tido relações sexuais. O arauto declarou que:
“E assim, estas pessoas dignas concluíram e consumaram o efeito e complemento do sacramento do matrimônio.”
No entanto, isso poderia significar tanto a consumação real, quanto os ritos e protocolos que foram seguidos.
Após a morte de Arthur, a senhora espanhola que liderava a casa de Catarina, Doña Elvira, deu seu testemunho e jurou que a princesa nunca teve relações sexuais com Arthur. Dessa forma, as duas famílias ficaram livres para renegociar uma nova aliança de casamento. Ambos os lados concordaram que era necessária uma dispensa papal. O casal se tornara, pelo menos em teoria, relacionado um ao outro em primeiro grau de afinidade quando Catarina se casou com Arthur. O tratado de casamento declara explicitamente que uma dispensa foi exigida porque “seu casamento com o príncipe Arthur foi solenizado de acordo com os ritos da Igreja Católica”.
Dois meses depois, Fernando de Aragão disse ao seu embaixador no Vaticano, que tinha ordens para pedir a dispensa, que: “A verdade é que o casamento não foi consumado e que a princesa, nossa filha, permaneceu tão donzela como antes de se casar”, mas que o “O inglês louco… [acredita] que a dispensação deve dizer que o casamento foi consumado para livrar de qualquer dúvida futura sobre os [direitos de] sucessão dos filhos que, se Deus quiser, nascerão deste novo matrimônio”. Em suma, Fernando estava dizendo que Henrique VII insistiu para uma dispensa completa, que cobrisse tanto as bases de um casamento não-consumado, quanto de um consumado, de modo que garantisse que no futuro, ninguém poderia dizer que os filhos de Henrique e Catarina eram ilegítimos.
Considerando o fato de que Henrique VII ainda estava tentando firmar sua dinastia e que entendia perfeitamente como a balança politica era frágil e como facilmente poderia ser desfeita, – sua própria esposa, Elizabeth de York, chegou a ser declarada ilegítima, quando seu tio, Ricardo III, anulou o casamento de seus pais com base em um suposto pré-contrato marital anterior -, não é absurdo entender o porque dele estar tão determinado a garantir que o casamento fosse indissolúvel. Ironicamente, esse esforço mais tarde tornar-se-ia um empecilho para seu filho.
De qualquer forma, o Papa Julio II deu a dispensa conforme foi requisitada, afirmando que o casamento ‘talvez’ tinha sido consumado. Essa única palavra fez com que o assunto fosse discutido durante séculos, mas na época, todos ficaram muito satisfeitos. Com a dispensa papal fora concedida, o noivado foi acordado entre a princesa de 17 anos e o príncipe de 11 anos, e o Rei Fernando escreveu em 1503 que:
“É bem conhecido na Inglaterra, que a princesa ainda é virgem.”
Quaisquer que sejam as razões para a o matrimônio, Catarina e Henrique VIII foram casados, e viveram juntos por cerca de 24 anos, e desta união, apenas uma criança sobreviveu, a bela Princesa Maria. No momento em que Henrique VIII estava buscando uma anulação para seu casamento com Catarina, em sua busca por um filho varão, ele alegou que havia sido pecaminoso casar-se com a viúva de seu irmão, e que achava que ela poderia ter consumado o casamento com Arthur, embora ela tenha negado veementemente garantindo na época, ser virgo intacta. Curiosamente, quando Catarina o desafiou a dizer se ela tinha sido virgem ou não quando eles se casaram, Henrique não teve coragem de negar a versão dela, sempre escolhendo argumentos escusos para tentar defender sua anulação.
Sabemos como esta história termina. Catarina fora eventualmente (e convenientemente) deixada de lado em favor do novo interesse amoroso de Henrique, sua outrora dama de companhia, Ana Bolena.
– Catarina, a católica/ Alegação I:
Algo que ouvimos muitas pessoas declararem sobre este tema, é que Catarina de Aragão nunca teria dito uma mentira tão grande e séria, sendo ela a mulher devota e extremamente religiosa que era.
As pessoas argumentam que “ela era uma católica fervorosa” ou que “ela teria sentido uma enorme culpa” por contar uma mentira, e que sua consciência simplesmente não lhe permitiria isto. Enquanto concordamos (e acredito que todos concordam) que Catarina era uma mulher admirável e uma católica piedosa, temos de lembrar que, as pessoas no século XVI, viam as coisas sob uma ótica diferente da atual, e que mesmo os assuntos religiosos, eram um pouco confusos.
Em muitos casos, nobres e membros da realeza, consideravam-se: “destinados a seu cargo pela vontade de Deus, e que iriam fazer o que tinham de fazer, a fim de cumprir o mandamento de Deus para com eles.”
Como podemos ver, mais tarde, mesmo após o casamento entre Catarina e Henrique VIII ser desfeito, ela ferozmente recusou-se a ser reconhecida como algo diferente de “Rainha da Inglaterra.” Quando os homens do rei referiram-se a ela por seu novo/antigo título próprio de Princesa Viúva de Gales, ela os corrigia, dizendo que iria morrer como a Rainha legítima e ungida por Deus. Com base em sua forte opinião e comportamento nestes assuntos, é seguro dizer que sentia-se destinada e convicta a seu lugar no trono Inglês.

É compreensível, pois desde que ela era quase um bebê, ela foi informada de que tornaria-se uma rainha, e recebeu toda sua criação baseada neste fato. Ela cresceu acreditando e aprendendo que este era seu dever e lugar no mundo. Por que então, esta mulher não faria tudo o que estivesse a seu alcance, a fim de cumprir este dever, mesmo que isto significasse contar uma grande mentira?
Por outro lado, após a alegação de sua virgindade, ela não tinha como saber dos arranjos quais seriam feitos após a morte de seu marido. De fato, foram feitas outras negociações que não envolviam o príncipe Henrique diretamente. Ela iria se casar conforme a vontade de seus pais, e a Inglaterra podia ou não ser uma aliança de interesse para eles naquela altura.
Após a morte de Elizabeth de York e com a demora de Henrique VII em aceitar a nova aliança, Isabel de Castela insistiu para que Catarina voltasse para casa. Ela alegou que a honra e a reputação de sua filha estariam em risco agora que não havia sogra para cuidar dela e que era inaceitável que uma infanta espanhola permanecesse na Inglaterra, como se estivesse implorando por um noivado. Em meados de abril de 1503, Isabel mandou instruções para Catarina fazer as malas, pois uma frota de mercadores espanhóis estava voltando de Flandres e poderiam buscá-la no porto inglês. Catarina foi instruída a estar pronta para embarcar assim que eles baixassem a âncora. No entanto, ao ser confrontado com essa ameaça e temendo perder uma poderosa aliança com os Reis Católicos, Henrique VII finalmente decidiu continuar as negociações e oferecer a mão de seu novo herdeiro como futuro marido.
Se ela mentiu, esta mentira serviria como uma tentativa de mantê-la no trono e como a esposa de Henrique, o que pode ter sido justificável de seu ponto de vista, caso ela acreditasse realmente que era seu destino ser rainha da Inglaterra. O problema dessa afirmação é que, Catarina, como filha de dois políticos pragmáticos que era, tinha ciência que o destino de uma princesa real poderia mudar junto com os ventos da política. Afirmar que ela acreditava veemente que estava destinada a ser rainha da Inglaterra e apenas isso, desconsidera esse aspecto de sua criação.
Quanto à questão dos sentimentos de culpa de Catarina, podem existir evidências deles mais tarde em sua vida. Curiosamente, fora registrado que perto do final de seu segundo casamento e nos últimos anos de sua vida, ela havia começado a usar camisas de pelo – cilício – , que eram uma forma de penitência pelos pecados na fé católica.
Estas camisas eram usadas por baixo das roupas comuns, e que em contato com o corpo nu, roçavam de forma dolorosa, lembrando a pessoa de seus pecados e indignidade enquanto tentavam conseguir o perdão de Deus.
Outra figura conhecida por usar cilício, foi Thomas More, que era extremamente dedicado, mas que iria morrer por suas crenças na fé católica e sua recusa em aceitar Henrique VIII como Chefe Supremo da Igreja.
Claro, é possível que Catarina, sendo a mulher religiosa que era, quisesse usar cilício, pelo simples fato deste fazer parte de suas crenças e representatividade da fragilidade natural humana.
Ela passou a usar o cilício, pouco tempo antes do período em que seu matrimônio com o irmão de seu outrora marido, seria levado em questão. Em todo modo, seriam nestes seus últimos anos, que ela estaria defendendo veementemente o seu caso perante o Rei, bispos, cardeais, e até mesmo o próprio Papa. Fica à critério do leitor, no que acreditar.
– Arthur, O príncipe adoentado – Alegação II:
Agora levemos os fatos até Arthur Tudor, uma vez que existem algumas evidências muito interessantes dignas de observação. Em primeiro lugar, é dito que ele sempre fora uma criança fraca e pouco saudável, e isto pode ter sido motivo suficiente para a não consumação de seu casamento com Catarina. No entanto, não há realmente muitas evidências que apoiem tal fato.
Na realidade, o Marquês de Dorset, relatou que Arthur era “de aparência boa e saudável“, dificilmente o poderíamos considerar doentio.
Além disto, antes de seu casamento, é relatado que Arthur teria dito que encontrou sua noiva muito agradável e que estava sentindo-se “vigoroso e amoroso!”.
É pouco provável que um menino doente e fraco estivesse dizendo ou sentindo uma coisa destas, e suas palavras não parecem confundir as pessoas ou causar quaisquer suspeitas no momento. Se ele fosse realmente um príncipe doente, as pessoas muito provavelmente teriam questionado tal declaração.
Outro ponto importante é que este casamento era político. Ele foi feito em um esforço para formar uma forte aliança entre Inglaterra e Espanha, dois países de localização estratégica na Europa. Será que o rei Fernando realmente concordaria e prometeria a mão de sua filha em casamento para um Príncipe fraco e doente? Tal coisa seria muito improvável, e considerando que o noivado prevaleceu durante toda a infância deles, teria havido tempo suficiente para o Rei e Rainha da Espanha cancelarem o acordo, buscando um noivo mais saudável para sua filha.
O fato de que nenhuma menção nunca foi feita sobre isto, faz com que a questão da má saúde de Arthur, seja extremamente improvável aos olhos de muitos historiadores. Também vale à pena mencionar, que durante a maior parte do casamento de Catarina e Arthur, eles viviam no Castelo de Ludlow, uma bela fortaleza, porém escura, isolada, e fria. Certamente não um lugar propício para um valioso príncipe doente.
Embora ambos contassem com apenas quinze anos de idade, esta foi considerada uma idade aceitável para um casamento na época. No entanto, mesmo Arthur não tenha sido o príncipe adoentado que o senso comum dita, ele também não era exatamente bem desenvolvido. Conforme aponta Antonia Fraser:
“Arthur, príncipe de Gales, estava agora com 15 anos, mas era tão pequeno e mal desenvolvido que parecia muito mais jovem. Quando se tratava de altura, Catarina podia ser baixa (ela tinha menos de 1,50 de altura), mas Arthur ainda era um pouco mais baixo do que ela; o ansiado herdeiro da casa de York e Lancaster dava a impressão de ser uma simples criança – e ainda por cima, uma criança delicada.”
Em seu livro Six Wives, David Starkey descreve como o casal recém-casado foi posicionado para sua na noite de núpcias:
“O que aconteceu em seguida, só Deus sabe. O arauto, uma testemunha estritamente contemporânea, assumiu que a natureza havia tomado seu curso… E, assim, estas pessoas dignas concluíram e consumaram o efeito e complemento do sacramento do matrimônio.”
Catarina e Arthur teriam sido colocados na cama em uma cerimônia muito pública, como acontecia com membros recém-casados da realeza. Houveram pessoas para ajudar Arthur a se preparar para cama e que puderam ver que ele estava adequadamente situado com sua nova esposa. Mesmo o marquês de Dorset relatou que se lembrava que Arthur havia sido colocado na cama ao lado de Catarina e que ele estava “deitado debaixo da colcha.”
Assim, os dois certamente foram para a cama juntos. Disto, há uma abundância de evidências. O que poderia tê-los impedido de consumar o casamento nesse ponto?
Vários anos depois, enquanto Henrique buscava a separação com Catarina, surgiram testemunhas que afirmavam que Arthur fez alguns comentários significativos na manhã após sua noite de núpcias, pedindo um de seus servos para lhe buscar um copo de cerveja e dizendo: “Esta noite estive no meio da Espanha!” Mais tarde, o príncipe também teria dito abertamente, “Senhores, é… ter uma esposa é um bom passatempo.”
Algumas pessoas acreditam que com tais declarações, mas consideram que Arthur estava simplesmente tentando encobrir o fato de que não havia conseguido consumar seu casamento, talvez contando mentiras e agindo de modo excessivamente animado sobre sua nova companheira de cama. Como um adolescente que via-se destinado a cumprir certas obrigações dentro de seu estatuto, o “vigoroso e amoroso” auto proclamado, pode ter dito tais coisas, para despistar uma multidão de servos e aliados, interessados na intimidade do jovem casal.
No entanto, o fato de tais declarações terem surgido apenas anos depois do ocorrido deixa em aberto se o príncipe de fato proferiu tais palavras, ou se as mesmas foram criadas como provas para defender a alegação do rei Henrique VIII de que Catarina havia lhe mentido. Essa suposta afirmação de Arthur também contrasta com a já citada subsequente afirmação de Fernando de Aragão após a morte do príncipe, na qual ele comenta que era de conhecimento comum na Inglaterra de que Catarina permanecia virgem. Na época, essa afirmação não foi questionada.
No geral, é importante lembrar as razões para um casamento político na época dos Tudor. Com Arthur sendo um príncipe e Catarina uma princesa, eles tinham obrigações para com a coroa da Inglaterra, e mais importante era a criação de um herdeiro para o trono. No entanto, ambos eram novos, e dentro do que fora dito acima, não haviam motivos para que duvidassem de que este seria um longo e frutífero casamento, o tempo estava à favor deles, ou pelo menos, era o que poderiam (como qualquer outro jovem casal) ter acreditado.
No momento em que casaram-se, naturalmente como futuros rei e rainha, seria esperado que um herdeiro fosse produzido e pudesse garantir uma sucessão segura. Era muito desejável que uma noiva conseguisse engravidar rapidamente depois de seu casamento. Porém, não seria visto como uma infelicidade se ela demorasse alguns meses ou anos para fazê-lo, principalmente quando o jovem príncipe, ainda não fosse coroado rei. Também é importante assinalar que considerava-se pouco saudável para os jovens adolescentes terem relações sexuais, mesmo para os homens. O próprio irmão de Catarina, que faleceu aos 16 anos, teve a causa mortis atribuída a “muito esforço no leito conjugal.” Portanto, havia muitas preocupações e questionamentos sobre qual era idade apropriada para o início dos deveres maritais. A consumação marital em meados da adolescência, podia ou não ser incentivada pelos pais. No geral, a aceitação e permissão do ato sexual, dependia da saúde e nível de desenvolvimento do jovem casal e sendo ambos os noivos jovens, de baixa estatura e de aparência delicada, não é impossível que a consumação tenha sido atrasada a fim de preservar a saúde de ambos.
Naturalmente, o fato de que Catarina não tenha engravidado neste cinco meses de matrimônio, mostrando seu histórico médico, mostra que a fértil rainha, pode de fato, não ter praticado com marido, a consumação que acreditamos ser a praticada na época. Porque a que acreditamos?
A Verdadeira Consumação:
Entre uma Corte ansiosa para resultados satisfatórios, a consumação no período Tudor, poderia ser vista de modo muito diferente de nossa concepção atual e nem por este motivo, deixaria de ser considerada como tal, embora não o fosse especificamente. Vamos voltar no tempo, um pouco depois da hora em que Arthur e Catarina, estavam juntos, deitados no leito marital.
Primeiro, a noiva e o noivo partilhariam o vinho e especiarias, destinadas para fortificá-los durante a noite, aquecer seus corpos e refrescar o hálito. Então, como no caso da irmã de Arthur, casada aos treze anos com o rei dos Escoceses, eles deveriam tocar a pele um do outro, como símbolo do ato que viria depois. Chegamos ao ”X” da questão, este toque representaria a premissa de uma consumação futura, acalmando uma Corte afoita e representando o ato. Este era geralmente, um rápido e tímido contato de pernas nuas, antes das portas dos quartos se fecharem, onde o jovem casal, seria enfim deixado a sós. O cronista Edward Hall, escreveu que “Este vigoroso príncipe e sua linda noiva, foram trazidos e juntaram-se nus em uma cama, e então fizeram o ato, que para a performance e total consumação do matrimônio, foi mais que necessário e conveniente”. Aquele tímido toque, poderia ter sido o suficiente, para que uma Corte inteira, acreditasse que houvera intimidade suficiente entre o jovem casal. Em todo modo, apenas duas pessoas souberam o que realmente aconteceu naquela noite.
Presumivelmente, o casal sabia o que era esperado deles, deitaram-se entre os lençóis perfumados, ouvindo o estalar do fogo e os passos da Corte se afastando, foi a primeira vez que estiveram juntos sozinhos. Arthur havia acabado de completar quinze anos e Catarina era apenas nove meses mais velha. Nenhum deles, possuía qualquer experiência com o sexo oposto e a estatura corporal diminuta de Arthur, poderia indicar que ele ainda não havia passado pelo surto de crescimento da puberdade, que levou seu avô e irmão, a serem mais altos que a média e terem ombros largos e pernas bem torneadas. A comunicação era difícil, já que o inglês de Catarina permaneceria fraco por anos e eles haviam descoberto que a linguagem que tinham em comum – o latim – soava quase irreconhecível quando pronunciados em uma língua estrangeira. Pode ter ocorrido algum contato íntimo, um toque de pele mais curioso. Porém, eles eram jovens e nenhum dos dois deve ter notado qualquer urgência necessária. Dentro desta pequena demonstração de consumação, para uma corte sedenta do que viria a seguir, eles podem ter achado que era o suficiente naquele momento. Em retrospectiva, sabemos que o relógio batia, mas naquele momento, os dois teriam entendido, que não havia pressa.
Talvez, exaustos após dias de longas cerimônias protocolares, eles simplesmente viram na cama, o símbolo de uma mais que bem-vinda noite de sono. Pode até ser que, 14 de Novembro, caindo em um domingo (também o dia mais santo), o casal católico, tenha cedido ao estrito ensino canônico de abstinência no Sabbath. É possível que Catarina tenha sentido-se desapontada, ou igualmente aliviada. O versão do príncipe Arthur gabando-se para seus colegas na manhã seguinte, sobre ter estado no meio da Espanha, se de fato existiu, talvez tenha sido mais bravata que real experiência.
Mais Fatos:
Outra informação que faz com que alguns historiadores questionem a veracidade da consumação, é o testemunho de Doña Elvira, a principal responsável pela casa de Catarina, que insistiu que a princesa nunca havia consumado o casamento.
Curiosamente, Doña Elvira e Catarina nunca foram próximas, e Elvira até mesmo acabaria traindo Catarina em outro assunto mais tarde, e mesmo assim, ela nunca voltou atrás em sua insistência de que Catarina não havia consumado seu casamento com Artur.
David Starkey diz em seu livro:
“Ela, Doña Elvira, e todas as matronas da casa de sua senhora jurariam, que de seu conhecimento pessoal, que a princesa Catarina era uma virgo intacta… e que um exame por pessoas qualificadas o provaria.”
Se Doña Elvira estivesse mentindo, e se um exame em Catarina houvesse realmente ocorrido, as consequências desta mentira seriam catastróficas, e Doña Elvira nunca teria sido capaz de enfrentar a Rainha Isabel de Castela novamente. Por conhecer sua senhora bem o suficiente e por uma mentira deste porte ter-lhe custado a vida, é improvável que Doña tivesse assumido um risco tão grande, por um princesa com quem ela sequer dava-se muito bem.
No famoso julgamento de 1529 em Blackfriars, a rainha da Inglaterra disse que Arthur compartilhou sua cama apenas sete noites em seu casamento. Ao invés de um príncipe vigoroso, sua comitiva espanhola o descreveu como um jovem frágil. O que na realidade, poderia ser apenas o fato de virem um jovem cansado e assustado, tentando manter as aparências. Ele ainda estava passando por seu desenvolvimento corporal.
Um tribunal realizado em 1531, na Espanha, a pedido do tribunal de apelação do Vaticano ouviu outro testemunho. Um atendente espanhol, que na época disse que “os membros [de Arthur] eram tão fracos que ele nunca tinha visto um homem cujas pernas e outras partes de seu corpo fossem tão pequenas.”
Outro atendente testemunhou: “Francisca de Caceras, que estava encarregada de vestir e despir a rainha e de quem ela gostava e confiava muito, estava parecendo triste e contou as outras senhoras que nada havia acontecido entre o príncipe Arthur e sua esposa, o que surpreendeu a todos e os fizeram rir dele.”
Veredicto:
Parece que a solução deste caso, encontra-se nas entrelinhas. Pelo que podemos concluir acima, o casal sem dúvidas experimentou algum nível de intimidade, embora seja improvável que tenha estendido-se ao sexo meramente dito e sim, mais a uma curiosidade de corpos inexperientes e assustados. Com o irmão de Henrique, conhecendo Catarina nua e praticado algum tipo de preliminar (um tímido toque ou algo do gênero), ela não seria mais virgo intacta e sim, apenas virgem do ato. Em todo modo, nunca saberemos ao certo o que aconteceu durante estes cinco curtos meses de casamento, uma vez que praticamente não existem relatórios escritos de Catarina ou Arthur, não podemos nem mesmo ter certeza de seus sentimentos um pelo outro. Tudo o que temos é especulação, e analisando cuidadosamente os costumes, tradições e modos de vida na era Tudor, podemos fazer afirmações mais experientes e suposições sobre o que realmente aconteceu.
Ao alegar que não houve contato íntimo propriamente dito, uma vez que parece ter havido, mesmo que mais de natureza política que sexual, Catarina pode de fato, ter acreditado que havia omitido toda a verdade, algo que qualquer mulher cuidadosa em sua situação, o faria.
Mesmo que esta mentira tenha sido dita, Catarina não deixa de ser uma mulher menos devota e fiel à sua causa e marido. Porém, seus defensores parecem acreditar que sua capacidade de mentir diminui suas devoções a Deus.
Por quê? Todos os seres humanos encontram-se mentindo de uma forma ou de outra, até mesmo com as famosas “mentiras brancas”. A extrema devoção de Catarina não começou até depois de seu casamento com Henrique. Até então, ela já teria omitido certos fatos à respeito de seu matrimônio com Arthur.
Perante a enorme vontade de Henrique em por fim a seu casamento, esta pequena omissão, pode ter salvo (mesmo que não tenha sido tão efetiva), a posição de sua filha como futura primeira rainha inglesa. Não é possível mentir pela causa certa? Isto diminuiria sua piedade, mesmo que fosse – como ela acreditava – pela vontade de Deus?
Como Leslie Carroll escreve:
“Se ela mentiu sobre ser virgo intacta na noite de núpcias para Henrique, ela escolheu colocar este pecado sobre sua própria consciência ao invés de destruir a aliança diplomática vital da Espanha com a Inglaterra, que era a razão dela ter vindo para a Inglaterra em o primeiro lugar. Mais importante, Catarina escolheu mentir para o bem maior de proteger os direitos de sucessão de sua filha de Maria, o que, a longo prazo, ela fez.
E Catarina arriscou uma dança com o diabo pelo bem maior do catolicismo também. Com Maria no trono, ela sabia que a religião verdadeira seria restaurada. Ela não poderia ter previsto a que custo, e que não iria durar.” (88-89).
No entanto, em ambos os casos, Catarina retém a verdade de alguma maneira.
Em suas declarações, ela sabia que a consumação em si não havia sido feita, mas alguma intimidade teria ocorrido entre o casal e seria suficiente para acalmar os ânimos de muitos. Entrando em seu casamento com Henrique, ela alegou que Arthur deixou-a intacta. Leslie Carroll lista alguns exemplos:
“Catarina nunca havia sido avessa a mentir se estivesse determinada a alcançar metas desejáveis. Em 1507, ela havia dito orgulhosamente a seu pai – um mestre da dissimulação que – ‘Jogou a isca [para Henrique VII] com esta [a possibilidade de um casamento entre ele e sua irmã Joanna]’, a fim de alcançar um melhor tratamento do rei Inglês. Ela também se gabou para Fernando de sua capacidade de manipular o embaixador espanhol, de Puebla: “Eu dissimulo com ele e louvo tudo o que ele faz… Eu digo tudo o que penso poder ser útil para mim com o rei, porque, na verdade, de Puebla é o conselheiro do rei e eu não ousaria dizer nada a ele, exceto o que eu desejo que o rei saiba.”
Então, por que ela não teria omitido fatos sobre a consumação com Arthur?
Catarina manteve a boca fechada após seu casamento, deixando que seus representantes defendessem sua alegada virgindade. Seria apenas durante seu divórcio que ela declararia pela primeira vez que jamais havia tido conhecimento carnal com o primeiro marido e que chegou a cama de Henrique como uma verdadeira donzela, algo que ele, embora estivesse determinado a provar que ela estava mentindo, não teve coragem de contestar. Catarina era uma política, bem como uma penitente. Não é pra menos, já que ela era a filha da pragmática casal real, de Fernando e Isabel.
Jamais saberemos o que realmente aconteceu entre ambos, mas também não há absolutamente nenhuma razão para que a reputação de Catarina como uma esposa injustiçada e verdadeira católica deva mudar, por ela ter agido como qualquer mulher em seu lugar agiria. Isto não diminui seus sentimentos genuínos para Henrique, Maria, ou a Inglaterra.
Significa simplesmente que ela estava disposta a permanecer casada com o homem que amava e garantir o futuro de sua filha a qualquer custo. Não é este o maior legado que poderia ser dado à ela?
FONTES:
The Six Wives and many Mistress of Henry VIII; Licence, Amy.
Working History: AQUI.
On the Tudor Trail: AQUI.
The Tudor Enthusiast: AQUI.
Notorious Royal Marriages; Carroll, Leslie – Peguin Books, London, 2010.
TREMLETT, Giles. Catherine of Aragon: Henry’s Spanish Queen.
LICENCE, Amy. In Bed with the Tudors.
FRASER, Antonia. As seis Mulheres de Henrique VIII.
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