Às duas horas da tarde, do dia 7 de Janeiro de 1536, Catarina de Aragão, primeira esposa de Henrique VIII – aos 50 anos de idade – morre no Castelo de Kimbolton – Inglaterra. O Castelo, localizado em Huntingdonshire, Cambridgeshire, era uma fortaleza medieval (atualmente reformado e convertido a um Palácio de estado) fria e úmida, local final de exílio de Catarina. Após ser trazida ao local, ela já era adepta ao uso do cilício como forma de punição corporal, jejuava constantemente e confinou-se em um quarto, que deixava apenas para assistir a missa.

Catarina emagreceu bastante, fato que muitos de seus servos atribuíam aos constantes jejuns e estresse. Desde o final de 1535, ela demonstrava sintomas e sinais do que viria a matá-la pouco tempo depois. Seu mal estar começou gradualmente. Visitantes descreviam os sintomas como: músculos frágeis, dores no peito, falta de ar, náuseas, vômito constante, fraqueza, falta de apetite crescente e dores no estômago, que fora deixando o quadro mais complexo com o passar do tempo. Fora relatado, que a rainha sentiu-se pior após beber um tipo de cerveja galesa, em meados de dezembro de 1535 – com isto, levantando por muitos, a hipótese de um possível envenenamento.
Após uma melhora de curto prazo, Chapuys escreveu – no 13 de dezembro de 1535 – que Catarina de Aragão ‘recuperou-se e agora está bem’; porém, no dia 29 de dezembro, Dr. Ortiz, o médico espanhol de Catarina, enviou uma mensagem urgente para Chapuys, alertando-o para o fato de que ela teve ‘uma grave recaída’, e que ele deveria imediatamente, pedir permissão para visitá-la em Kimbolton.
No dia seguinte – o mais depressa possível – Chapuys pediu permissão a Henrique, em Greenwich. Henrique concedeu a permissão para que a visitasse, mas não fora tão generoso com Maria, recusando seu pedido de visitar sua mãe em seu leito de morte.

No final de sua vida, Catarina estava enfrentando visíveis sinais de depressão. Sendo privada de sua vida na Corte, de seu papel de esposa, além da companhia de pessoas queridas, como sua filha e amigas, e confinada apenas com seus serviçais e guardas a mando de Henrique, além de seu médico Ortiz, esta de fato, não era uma situação muito animadora. O quadro não era bom. Porém, para alegrar seus amargos dias, no dia de ano novo, ela logo recebeu uma visita surpresa muito especial. Tratava-se de María de Salinas – agora Lady Willoughby -, sua antiga dama de companhia, leal serva e acima de tudo, amiga querida.
Assim que recebeu a notícia do estado de saúde de sua senhora, María não mediu esforços, deixando Londres rumo à Kimbolton, para vê-la. Não foi uma tarefa fácil. A segurança colocada por Henrique, para impedir que Catarina recebesse visitas, fora acirrada, e Salinas passou por grandes apuros para estar ao lado de sua senhora. Ela inventou uma história sobre ter caído de seu cavalo e alegou precisar desesperadamente de um lugar para se recuperar. Ela implorou aos homens presentes, para não deixa-la no frio e desamparada, assegurando-lhes que a carta de licenciamento para que entrasse em Kimbolton, estava a caminho. A perigosa mentira, ao final de contas, parece ter sido convincente, pois o guarda permitiu que Salinas entrasse e seguisse diretamente para a câmara e aposentos de Catarina. Deve ter sido um choque para María, que vira Catarina em seu auge, vê-la tão deprimida, doente e abandonada.
No dia seguinte, foi a vez de Chapuys chegar. A esta altura, o quadro de Catarina piorara drasticamente, fazendo-a com que tivesse dificuldade de sentar-se sozinha; ela também, não havia comido ou dormido muito há dias e queixou-se de uma terrível dor no estômago. Mesmo doente e debilitada, a rainha ainda estava lúcida, e embora fossem muito bons amigos, Chapuys e Catarina conduziram sua reunião na presença de várias testemunhas, a fim de garantir que Henrique não pudesse alegar que haviam conspirado contra ele naquele delicado momento.
Ao ver sua rainha, Chapuys, o embaixador espanhol, ajoelhou-se ao lado de sua cama e beijou-lhe a mão. Catarina disse-lhe que poderia morrer feliz, agora que sabia que não fora abandonada. Ela então, perguntou-lhe sobre Henrique e Maria. Se Henrique intercederia por sua causa, deixando-a ver sua filha, no qual ele gentilmente mentiu e alegrou os ânimos dela, conferindo-lhe forças para viver.
Chapuys visitou Catarina por duas horas todas as tardes, durante quatro dias. Ele relatou que ela estava preocupada com sua filha, Maria, e temendo que o Papa e seu sobrinho, o Sacro imperador, não estivessem agindo em sua causa. Ela também estava preocupada de que poderia ser a culpa das “heresias” e “escândalos” que a Inglaterra agora sofria, por causa da batalha do divórcio. Ela era assombrada pelas mortes que resultaram à partir da grande questão de Henrique, e o fato de que ele havia levado a Inglaterra, a romper com Roma.
Com as esperanças reforçadas e companhia de bons amigos, a saúde de Catarina pareceu melhorar. Ela comeu suas refeições sem maiores dificuldades, dormiu bem, foi capaz de sentar-se em uma cadeira, conversou rindo com alguns visitantes, começou a tomar mais cuidado com sua aparência e vestir-se com um pouco de seu velho charme e magnificência e até arrumou seu cabelo, antes de passar um bom tempo conversando com María de Salinas. Chapuys então, sentindo a clara melhora de sua senhora, foi enviado de volta à Londres.
O dia 06 de Janeiro, iniciou-se bem, porém, nas primeiras horas da madrugada para o dia 07, sua saúde definhou. Catarina sentou-se na cama, tornando-se agitada. Ela começou a falar bastante e perguntar a todo momento para seus servos, que horas eram. A condição de Catarina deteriorou-se rapidamente, fazendo com que a rainha e todos os presentes, notasse que seu fim estava próximo. A oração, que havia sido sua companheira por toda a vida, fora seu único consolo em seus momentos finais. Ela sentia que ia morrer antes do raiar do sol, sendo forçada a tomar sua cama novamente. Com tal preocupação, ela queria tomar sua extrema-unção, porém, não poderia fazê-lo tão cedo, pois era contra as leis da igreja. Em pânico, suas servas buscaram o confessor espanhol de sua senhora, que como disseram, seria capaz de celebrar a unção para ela agora e solicitar uma dispensa depois.
Ao amanhecer, o Bispo de Llandaff celebrou a Missa final para ela. Em seguida, ele tomou sua confissão e administrou a extrema-unção. Ela passou então, a lidar com questões testamenteiras e bens materiais; deixando um colar de ouro que havia trazido da Espanha e sua coleção de peles para sua filha Maria, outros pertences a alguns de seus servos favoritos e o resto de suas roupas para serem entregues à Igreja.
Segundo Giles Tremlett, em uma das biografias mais respeitadas sobre Catarina de Aragão, o Bispo de Llandaff garantiu conseguir a Chapuys, uma confissão de Catarina em seu leito de morte, sobre a questão de sua consumação com Arthur, o Príncipe de Gales. Porém, ao ser questionado, ele parece ter respondido que sob a pressão do momento, esquecera-se de perguntar. Fora neste momento, que Catarina pode ter ditado sua carta final a Henrique VIII – além de uma para seu sobrinho Carlos V, em nome de Maria – embora Tremlett, acredite que sua famosa última carta, ”é quase certamente fictícia”. Em todo modo, ele teve que admitir, que a carta pode ter refletido o que ela estava sentindo nas primeiras horas do dia 07 de janeiro. Isto é o que foi escrito:
”Meu mais caro senhor, Rei e marido,
A hora de minha morte agora se aproxima, e neste caso o terno amor que devo a vós, força-me a lembrar-vos de algumas palavras de saúde e conforto para sua alma, a qual deve preferir antes de todos os assuntos mundanos e antes dos cuidados e mimos do corpo, para o qual tu me lançaste para tantas calamidades e inquietações. De minha parte, eu vos perdôo de tudo e rezo devotamente a Deus para que lhe perdoe também. Para o resto, recomendo-vos vossa filha Maria, suplicando-lhe que seja um bom pai para ela, como eu havia desejado antes disto. Rogo-vos também em nome de meus empregados, para dar-vos ajuda, que não é muito, sendo que são apenas três. Para todos meus outros serventes eu solicito-vos seus devidos salários e uma ano a mais, para que não fiquem desamparados. Por último, faço-vos este voto, aquele para qual meus olhos desejam sobre todas as coisas.
Catarina resolveu seus últimos assuntos, como onde seria enterrada, as orações para sua alma, funeral e outros detalhes mundanos. Ela então, como fizera durante toda a sua vida, orou por todos. Por seu marido, sua filha, família e até por sua alma, que logo seria entregue a Deus. Sua voz acalmou-se, suas mãos soltaram-se e a rainha, dando seu último suspiro, deixou o mundo para sempre.
Reação:
A rainha espanhola de Henrique, não estava mais neste mundo, e a Corte de Henrique comemorou. Eric Ives, afirma que a notícia da morte de Catarina, fora recebida na Corte ”por uma explosão de alívio e entusiasmo para o casamento de Bolena”. Isto parece muito plausível, considerando que sua grande rival estava morta e que ela agora, estava grávida do legítimo e inquestionável herdeiro do trono Tudor.
Ao ouvir a notícia da morte de sua primeira esposa, Henrique falou: “Deus seja louvado, estamos livres de qualquer suspeita de guerra!”. Ana ficou muito feliz e recompensou o mensageiro que trouxe a notícia de Greenwich, com um “belo presente”– pela primeira vez em seu reinado; Ana era agora a única rainha da Inglaterra.
Ives descreve os acontecimentos do dia após a morte de Catarina, em sua biografia “A Vida e Morte de Ana Bolena”:
“No dia seguinte, domingo, o rei e a rainha apareceram em alegre amarelo da cabeça aos pés, e Elizabeth desfilou triunfante para a igreja. Após o jantar, Henrique desceu para o Grande Salão, onde as damas da Corte estavam dançando, com sua filha de seus dezesseis meses de idade nos braços, mostrando-a para um e outro. Depois de vários dias de tal entusiasmo paternal, ele evidentemente decidiu que a ocasião pedia algo mais masculino, e a justa – sua velha e boa diversão – foi logo sua forma preferida de auto-exposição”.
Apesar de Alison Weir inicialmente alegar que Henrique e Ana usaram amarelo ”como uma marca de respeito pela mulher que Henrique insistiu ter sido sua cunhada”, já que o amarelo era a cor do luto real na Espanha; depois de mais pesquisa, Alison notou que tal afirmação era infundada e corrigiu tal erro em A Dama na Torre. Aqui ela afirma claramente:
“É um equívoco acreditar, que o amarelo tenha sido a cor de luto da Corte Real espanhola. A escolha da vestimenta de Ana, não foi nada mais que um insulto calculado à memória da mulher que ela havia suplantado”(Lady in The Tower, página 18).
Apesar da Corte parecer feliz e aliviada com a notícia da morte de Catarina, nem todos estavam comemorando. A pessoas que nutriam imenso carinho por ela, como Chapuys, estavam de luto e muito tristes com sua morte e sofrimento.
Embalsamamento e Autópsia:
Desde o incidente da cerveja galesa, algumas pessoas ainda suspeitavam de que ela havia sido envenenada, sob ordens de Henrique, embora isto pareça altamente improvável, e pelas palavras de historiadores: ”ridículo”.
Antonia Fraser argumenta que Henrique estava ciente de que Catarina estava gravemente doente, e que; “Deus era suscetível de leva-la consigo em breve, sem ajuda extra”, ela também afirma que Henrique tinha total repugnância moral por veneno, ”e preferiu punir aqueles que iam contra sua autoridade, de modo público e usando outras armas (ou seja, machado e corda) ao invés de usar veneno em segredo”.
Tremlett descreve como o embalsamador cortou o coração de Catarina ao meio e lavou-o em uma tentativa de purificá-lo e livrá-lo de sua aparência enegrecida. Ele também comentou sobre um outro “estranho corpo negro” anexado a ele. Mesmo assim, conforme aponta Tremlett, o embalsamador era um mero fabricante de velas e não um médico especialista, e conclui que, sua morte pode ter ocorrido, devido a “um sarcoma melanótico secundário”, um tumor cardíaco secundário, causado por um câncer em outra parte do corpo.
Em uma análise crítica médica e acadêmica:
Um crescimento estranho de qualquer parte do corpo, sob a compreensão moderna, implica um tumor, não envenenamento. O embalsamador pode ser perdoado por não saber o diagnóstico, afinal, o câncer não era um diagnóstico que fora reconhecido durante o período Tudor. O fato de ter sido observado um enegrecimento local, implica que continha um pigmento denominado melanina.
Qualquer tumor que surge à partir de tecido conjuntivo – tal como o músculo cardíaco – é conhecido como um sarcoma. Em todo modo, o sarcoma – particularmente sobre o coração – é bastante raro. Já o melanoma, é classificado como um câncer comum – uma forma agressiva de câncer de pele. Ele é conhecido por freqüentemente mostrar-se como um câncer secundário, ou metástase, no coração. Como o tumor cresceu mais e mais, ele teria prejudicado a função cardíaca de Catarina, causando seu declínio e morte lenta e dolorosa.
Enterro:
Depois de Catarina dar seu último suspiro, sua morte foi anunciada, e os sinos de igreja soaram. Henrique ordenou que ela fosse enterrada com a pompa e cerimônia devidas à princesa viúva – o título que tinha como esposa de seu irmão morto. Não fora um sinal de respeito; foi novamente, uma tentativa de mostrar que ela nunca foi legalmente sua esposa.
Catarina morreu no dia 07 de janeiro de 1536, e foi enterrada 22 dias mais tarde, na Catedral de Peterborough, antiga Abadia – embora seu desejo fosse ser enterrada em Observant Friars. Parece um tempo incrivelmente longo entre a morte e seu enterro, mas era comum para a realeza do período. Os funerais para os Tudors, eram assuntos elaborados que envolviam um grande esforço e preparação. Alison Weir descreve o funeral, em seu livro: As Seis Esposas de Henrique VIII:
“As carpideiras Chefe, foram a senhora Bedingfield, a jovem Duquesa de Suffolk e a Condessa de Cumberland – Eleanor Brandon, sobrinha do rei. O sermão fúnebre foi pregado por João Hilsey, que havia substituído Fisher como Bispo de Rochester; ele era um homem do rei, convicto, e alegou, contra a verdade, que Catarina havia reconhecido no final, que nunca havia sido a legítima rainha da Inglaterra. Em seguida, a mulher que tinha, na realidade, corajosamente mantido-se como rainha da Inglaterra até seu último suspiro, foi sepultada como Princesa viúva de Gales, na igreja da Abadia.”
Henrique VIII não compareceu ao funeral e ao invés disto, manteve-se em Greenwich, onde usou “roupas de luto preto e participou de uma missa solene”. Henrique VIII também recusou-se a permitir que sua filha Maria, assistisse ao funeral de sua mãe. Ele havia negado a sua licença para visitá-la em seu leito de morte e também privou-a deste momento final.
Chapuys permaneceu fiel à Catarina, decidindo não participar, pois não a estavam enterrando como Rainha. Mesmo assim, parece que Catarina riu por último, pois no dia de seu enterro, Ana Bolena abortou aquele, que para muitos, fora seu único salvador. Atualmente pode-se visitar o túmulo de Catarina, que contém uma carinhosa placa de madeira, descrevendo-a como: “A rainha acarinhada pelo povo inglês, por sua lealdade, piedade, coragem e compaixão”, a mais pura verdade de fato. Chapuys diria mais tarde, que Catarina fora: “A mulher mais virtuosa que já conheci, e a mais valorosa, mas muito rápida em acreditar que os outros eram como ela, e muito devagar para fazer pouca vontade sobre as coisas que poderiam vir deles.’
Catarina ficou lembrada como uma mulher forte e de ideais próprios, a amada rainha de seu povo e pessoa bondosa. Em um país onde as rainhas estrangeiras não eram queridas, tampouco amadas, nos faz pensar, que não existe de fato, melhor legado para esta incrível mulher.
Para ler a última carta de Catarina de Aragão para Henrique VIII: Acesse.
FONTES:
Catherine of Aragon: The Spanish Queen of Henry VIII – November 23, 2010; Tremlett, Giles. Walker & Company (November 23, 2010).
Gareth Russell Cidevant: AQUI.
Under These Restless Skies: AQUI.
History on the Net: AQUI.
Mediecal History – Black Hearted: AQUI.
On the Tudor Trail – The Death of Catherine of Aragon: AQUI.
As Seis Mulheres de Henrique VIII (The Six Wives of Henry VIII) – Fraser, Antonia. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso/Grupo Editorial Record.