O Pavilhão Real, pode ter sido o mais famoso legado arquitetônico do rei George IV, mas estava longe de ser o único projeto de construção encomendado pelo monarca. Após tornar-se príncipe regente em 1811, ele passou a desenvolver inúmeros projetos que propiciassem seu status como governante real; como a construção de um novo jazigo em St. George’s Chapel, no Castelo de Windsor. Em 1813, durante os trabalhos de escavação para uma passagem que conduzisse ao jazigo, operários acidentalmente descobriram os túmulos dos reis Henrique VIII – sua esposa Jane Seymour – e Charles I. O Príncipe Regente, então instruiu o médico real, Sir Henry Halford, a examinar os túmulos e realizar uma autópsia no malfadado Charles I.
O evento, naturalmente fora amplamente divulgado, e Halford, publicou seu próprio registro da abertura do caixão. Isto forneceu o assunto ideal para que artista George Cruikshank, produzisse uma caricatura para a ocasião, conhecida como ”Meditações entre os túmulos”.
O registro de Cruikshank:
Como todos os grandes caricaturistas, Cruikshank pegava uma notícia e a distorcia para efeito cômico, com alusões que lhe permitissem fazer um contraponto político da situação. Embora descrevesse um evento contemporâneo, o efeito cômico e político da imagem, é conduzido pelos contrastantes destinos dos monarcas falecidos. O gorducho George, olha com admiração para o corpo de Henrique VIII – o monarca inglês, conhecido por opor-se à Roma e fundar a Igreja da Inglaterra (além de sem saber, abrir caminho para os reis protestantes Hannover); George, no entanto, só podia admirar-se de como o “grande Harry … livrou-se de suas muitas esposas, enquanto ele, pobre alma, não podia livrar-se de uma”. Esta fora uma referência a seu forçado e desastroso matrimônio com a Princesa Carolina de Brunsvique, de quem havia separado-se, após o nascimento de sua filha, Charlotte de Gales. Em uma tentativa desesperada de reivindicar algum poder de Henrique, ele ordena a Henry Halford, que corte sua barba e lhe faça um ”privilegiado par de bigodes reais”.
Os mesquinhos interesses de George, são no entanto ofuscados pelo cadáver de Charles I, que levanta sua cabeça cortada como um aviso. O famoso desprezo de Charles pelo parlamento, levou à Guerra Civil Inglesa, e sua decapitação, em 1649. A Revolução Francesa, havia fornecido um destino semelhante para o rei Luís XVI, apenas vinte anos antes desta caricatura ser realizada, e seu destino, ainda pairava sobre a cabeça do impopular George. Atrás do Príncipe Regente, uma corada figura jacobina segurando uma tocha acesa, provoca-o, perguntando: ”como devemos olhar sem nossas cabeças!?”. O algoz de George, está em cima de um caixão vermelho – possivelmente o de Jane Seymour – , acompanhado da ardente forma do diabo.
Este uso da ironia dramática, permite a Cruikshank, contrastar as mesquinhas preocupações do impopular príncipe, com os perigos do violento republicanismo. É ao mesmo tempo cômico e arrepiante, e tem inspirado contadores de histórias posteriores: A série Horrible Histories da BBC, apresentou um esboço chamado – o tour da tumba de George IV em Windsor, que nada mais é, que uma reminiscência desta caricatura. Porém, embora o trabalho de Cruikshank tenha sido inspirado por um evento real, é claramente uma alegoria. Então, o que realmente aconteceu naquela vala?
O Registro de Halford:
Como poderia-se esperar de um médico real, o relato de Sir Henry Halford é muito mais respeitoso. Halford fez questão de salientar, que seu – para o período – macabro trabalho, fora executado com intenções acadêmicas, e motivado pelo interesse do príncipe em história. A descoberta da vala em 1813, fora uma oportunidade de verificar o local do corpo de Charles I. Apesar de relatos contemporâneos de sua execução, alegarem que ele fora sepultado no jazigo ao lado de Henrique VIII, a localização exata nunca havia sido estabelecida. De acordo com Halford:
”Ao representar a circunstância para o Príncipe Regente, Sua Alteza Real notara certa vez, que um duvidoso ponto histórico, poderia ser esclarecido ao abrir esta vala; e consequentemente, Sua Alteza Real ordenou que um exame fosse feito na primeira oportunidade conveniente. Isto foi feito no dia 1 de abril passado, um dia após o funeral da Duquesa de Brunswick, na presença de Sua Alteza Real em pessoa, garantindo assim, o mais respeitoso atendimento e atenção aos restos mortais durante o inquérito.”
Ao abrir o caixão de Charles, Halford foi rápido em comparar o corpo em decomposição, com retratos familiares. Embora a pele estivesse descolorida, o nariz faltando, e apenas um único olho e orelha aparentemente permanecessem, Halford disse:
“… Difícil, neste momento, negar a declaração de que, não obstante a sua desfiguração, o semblante faz suportar uma forte semelhança com as moedas, bustos e, especialmente, os retratos do rei Charles I por Vandyke, os quais haviam sido familiares para nós”.
A descrição de Halford do corpo, muitas vezes antecipa a prosa de Edgar Allan Poe, especialmente quando ele descobre que a cabeça do rei, havia sido cortada de uma forma, que era consistente com os relatos de sua decapitação:
“Quando a cabeça havia sido inteiramente desvinculada dos membros que a prendiam, verificou-se estar solta, e sem qualquer dificuldade, fora levantada e posta para verem. Estava bastante molhada e deu um tom vermelho-esverdeado ao papel e ao linho, que tocara. A parte de trás do couro cabeludo, estava totalmente perfeita, e tinha uma aparência incrivelmente fresca; os poros da pele ficaram mais distintos, uma vez que geralmente são, quando embebidos em humidade; e os tendões e ligamentos do pescoço eram de substância e firmeza considerável. O cabelo era grosso na parte de trás da cabeça e, em aparência, quase negro. Uma parte dele, que já foi limpa e seca, é de uma bela coloração castanho escura. A barba era de um castanho avermelhado. Na parte de trás da cabeça, seu cabelo possuía mais de três centímetros de comprimento, e provavelmente havia sido cortado tão curto, para a conveniência do carrasco, ou talvez, pela piedade dos amigos logo após a morte, a fim de fornecer memoriais do infeliz Rei.
Ao segurar a cabeça para examinar o local de separação do corpo, os músculos do pescoço evidentemente retraíram-se consideravelmente; e a quarta vértebra cervical, foi cortada através de sua substância, transversalmente, deixando as superfícies das porções divididas, perfeitamente lisas e uniformes, uma aparência que poderia ter sido produzida apenas por um vigoroso golpe, infligido com um instrumento muito forte, e que forneceu a última evidência, para identificá-lo com o Rei Charles I. “
Tendo estabelecido a identidade do cadáver, Halford voltou sua atenção para o túmulo de Henrique VIII. Ele observou que o caixão havia sido danificado, e supôs que isto pode ter sido um resultado do apressado sepultamento de Charles I, especulando que a pressa em descer o caixão, o fez colidir com a de seu parente. O corpo de Henrique, parece ter resumido-se a pouco mais que um esqueleto, embora alguma barba tenha permanecido em seu queixo. Ao contrário da descrição de Cruikshank, Halford no entanto, não pretendeu remover qualquer um de seus pêlos. O caixão de Henrique estava acompanhado pelo de sua terceira esposa, Jane Seymour, morta por sepsis puerperal. Para nossa tristeza, Halford considerou que pela óbvia causa de sua morte, Jane seria exumada apenas por ‘mera curiosidade, não sendo considerado pelo Príncipe Regente, como motivo suficiente para mexer em seus restos’.
Porém, a investigação de Halford fora tão sensível e clínica como ele diz? Halford tomou posse de vários pedaços de restos mortais do rei Charles, incluindo a seção de vértebra que havia sido partida pelo machado do carrasco em sua execução. Embora Halford alegasse que as tomou com a permissão do próprio príncipe regente, uma biografia cita afirmações de que ele na realidade, as roubou. Estas alegações podem ter sido motivadas por despeito; como um médico bem sucedido, Halford teria inspirado grande zelo, e muitos portais não confiáveis como a Wikipedia, o citam por um apelido que não faz jus ao seu status acadêmico, “o Barão-enguia apoiada”. Porém, por mais que ele tenha adquirido por algum momento os restos mortais de Charles, eles foram devidamente devolvidos à Casa Real durante o reinado da rainha Vitória, e colocados novamente onde deveriam estar, no caixão de Charles I, no ano de 1888.