Grandes e exuberantes, atualmente os chopines chamam atenção de inúmeras pessoas, tanto por sua aparência, quanto por sua funcionalidade. Era um acessório necessário e parte essencial da indumentária, ou apenas símbolo de status? Qual foi sua função na vida das mulheres do século XVI? Neste artigo, vamos saber um pouco mais sobre este curioso calçado, assim como suas características históricas e sociais.
Em todo o mundo, existem mais de 29 pares de chopines sobreviventes ao tempo. Talvez, muitos tenham sobrevivido devido à sua forma incomum, aparência elegante, complexidade de design, e numerosos materiais incorporados utilizados para produzir tais ornamentados sapatos de plataforma.
Especialmente popular entre as mulheres venezianas e espanholas, os chopines, possuíam uma função basicamente simbólica. Eles chegavam à medir mais de 50 cm. Os pés eram seguros por tiras de couro ou tecido, em sua parte superior. Os topos dos chopines raramente eram vistos; os sapatos foram mais valorizados por sua altura. No final do século XVI e início do XVII, as francesas e suíças, também aderiram a moda, que nunca atingiu o norte da Europa.
Os chopines viraram febre entre as mulheres da classe alta, durante os séculos XV e XVI na Europa. Eles eram muitas vezes usados, para reforçar a riqueza de suas donas. Isto acontecia principalmente na Espanha, onde as mulheres usavam seus vestidos mais curtos que os chopines, de modo que protagonizassem o vestuário. Já em Veneza, os vestidos eram estendidos até o chão, de modo que o calçado fora considerado uma roupa de baixo.
Origem:
A origem dos chopines não é clara. Seu uso, pode ser rastreado até a Grécia antiga. Já alguns historiadores, especulam terem sido provenientes do Mediterrâneo. A resposta mais comum à sua origem, é que derivara dos altos tamancos das mulheres dos balneários turcos, aparentemente, para manter seus delicados pés, longe do liso e aquecido piso de mármore. Algumas imagens da deusa Afrodite, a mostram usando plataformas excessivamente elevadas. Mesmo assim, não sabemos se as imagens da deusa com tais calçados, eram meramente uma expressão artística, ou se refletiam algo prático, afinal, não há calçados existentes nas ilhas gregas ou península italiana durante este período, pois as condições locais, não permitiram a sobrevivência.
Outra hipótese, é que o estilo chegou ao renascimento, também derivado da Grécia, porém, com os calçados de plataforma que os atores utilizavam para atuarem no palco. De acordo com esta dedução, talvez o estilo fosse parte de um renascimento geral – um despertar – que incluiu os estilos do vestuário clássico.
É possível dizer que o estilo e design dos chopines, originou-se espontaneamente em Veneza? Será que sua concepção geral aparece em Veneza à partir de um protótipo vindo do Leste, depois modificado por artesãos locais? Ou poderia o calçado, ser parte de um influxo geral das influencias orientais na cidade, juntamente com outras formas de cultura material, incluindo têxteis, porcelanas, almíscares, perfumes, ervas e especiarias?
A palavra exótico, geralmente destina-se ao cunho oriental – e suas várias influências – com base em ideais de Confucionismo de confinamento e submissão do sexo feminino, que parecem estar presentes no chopine, pelo modo em que seu uso, restringia a mobilidade da mulher. Desta forma, o confinamento físico das mulheres venezianas, pode ser atribuído a uma forma semelhante na China, que se bem sucedida, criava o ideal de pés com três polegadas, ou pés de lótus.
Outra ideologia comum, existia por trás chopines venezianos e fontes de calçados do Oriente: o conceito dos pés femininos como objetos sexuais. O misterioso pé coberto por um belo calçado fechado, provavelmente reforçava o apelo do órgão reprodutor em ambas as culturas venezianas e chinesas. Porém, o Ocidente novamente interpretaria um conceito asiático em um nível menos extremo – os pés das mulheres, em sua maioria – seriam modestamente mantidos sob uma saia longa, não precisando ser permanentemente desfigurados e tratados como a principal atração sexual no corpo de uma mulher.
Os pés femininos ocidentais, eram vistos como um símbolo de castidade, devendo ser escondidos da vista. Na realidade, os únicos pés vistos (nus ou parcialmente cobertos por um calçado) na arte de Veneza, eram os das cortesãs ou prostitutas, além de pinturas de Vênus, a deusa do amor, geralmente representada completamente nua.
O período renascentista da história italiana, foi aquele em que a República de Veneza prosperou como um importante porto de comércio entre a Europa e o Oriente. A cidade-estado, portanto, acumulou uma excepcional quantidade de riqueza, e consumiu visivelmente, todos os tipos de cultura material e influências, tanto ocidentais, como orientais. Alguns dos objetos mais interessantes sobreviventes deste período, são os relacionados à moda, como o calçado.
Espanha e Itália:
Os Principais focos europeus da moda dos Chopines, parecem ter sido Itália – Veneza e outros pontos menores – e Espanha. Em todo modo, os calçados possuíam suas diferenças. A principal característica que diferencia os dois estilos, é que os chopines espanhóis eram feitos de cortiça, enquanto os italianos eram feitos de madeira. No entanto, alguns chopines de madeira italianos, chegavam a possuir elementos híbridos espanhóis, sugerindo uma transferência de estilos de indumentária entre os dois locais. Porém, a forma como foram usados na Espanha e Itália, divergem incrivelmente.
Os romanos foram muito influenciados pela moda grega. Quando invadiram à Península Ibérica, eles começaram uma indústria de calçados de cortiça. Mais tarde, os mouros invadiram a Península Ibérica e herdaram tal indústria. Depois, os sapatos seriam então, um item de luxo, usados por mulheres cristãs. Por este motivos, os chopines espanhóis, eram feitos em cortiça, enquanto os italianos, eram feitos em madeira.
As mulheres espanholas, usavam suas saias até o topo de seus chopines. Por este motivo, os calçados estavam sempre visíveis, e tendiam a ser confeccionados, à partir de materiais de luxo, como o couro trabalhado em alto relevo, muito famoso na Espanha. As mulheres espanholas, também tendiam a ser totalmente envoltas em longos tecidos negros, portanto, a visibilidade dos chopines, fez com que aumentasse o interesse feminino em suas vestes, sugerindo uma moda de alto luxo escondida embaixo destes tecidos negros. Desta forma, as expressões de status e poder socioeconômico, foram dadas a seus sapatos, pois grande parte do traje, estaria escondido de vista. O confessor da rainha Isabel de Castela, certa vez disse: “Não há cortiça suficiente em toda a Espanha, para atender às necessidades das mulheres em relação aos seus chopines.”
Em Veneza, onde o comércio têxtil era a fonte de seu poder econômico, as mulheres venezianas vestiam-se com chopines muito altos de madeira, que eram escondidos por seus longos vestidos e saias. Era proibido que mostrassem seus sapatos, e isto, tornou-se um meio de exibir a rica cultura têxtil. Chopines venezianos, eram usados mais como roupas íntimas ou roupas de apoio, já os espanhóis, foram usados como acessórios reais de indumentária.
Lama:
O argumento de que os chopines eram usados exclusivamente como acessórios para livrar a mulher da lama, deve ser rebatido e desmitificado. Este tipo de uso, só ocorreu de fato em alguns locais específicos, como a Espanha, e mesmo assim, não era feito pela classe alta.
Algumas camponesas, usavam plataformas sem adornos, para trabalharem na terra. Porém, a classe alta espanhola, usava-os como adornos e eram cobertos de jóias, diamantes, couro ou trabalho têxtil. Eles eram extravagantes, e não feitos para andar sob qualquer local, como a lama. Já os chopines venezianos, eram usados com longas saias, que os cobriam completamente, e como não podiam estar à mostra, elas não poderiam levantar suas saias para passear, evitando por isto, locais enlameados, para que seus caros tecidos, não corressem o risco de serem arrastados pela lama.
Críticas:
Os chopines foram criticados em uma série de maneiras. Dentro de Veneza, normalmente estas queixas tinham a ver com tecido ou o consumo de têxteis. As pessoas diziam que estes chopines realmente altos, estavam forçando os homens a comprarem mais tecido para as saias destas mulheres, e eles queriam parar com isso. Esta foi uma crítica muito forte, e talvez a principal.
Porém, os julgamentos muitas vezes vinham de pessoas que viviam fora de Veneza. Muitas críticas aos chopines vieram de visitantes ingleses ou turistas de outras culturas que não os usavam. O viajante John Evelyn, por exemplo, escreveu em seu diário em 1666, que as mulheres que os usavam, eram “metade madeira, metade mulher“, e não conseguia entender por que elas andariam por aí assim.
A terceira crítica, tanto na Espanha quanto Itália, é uma crítica muito antiga, sobre a irracionalidade das mulheres em relação à moda. Os homens denunciavam as mulheres por calçarem sapatos desta altura, mas no fim, elas estavam usando-os, para ostentar a riqueza de seus pais ou maridos.
Mobilidade:
Embora apreciados por seu efeito glamuroso, este calçado foi por muitos, considerado como uma ferramenta para manter as mulheres em casa, impedidas de vaguear e desgarradas moralmente. Na realidade, este foi o motivo da conexão entre os chopines na Europa, e os pés de lótus na China, fazer com que caminhar, se tornasse um lenta e difícil tarefa para as mulheres. Na Itália, os clérigos consideravam o uso de chopines, como particularmente admirável, pois os sapatos inibiam a usuária, de entregar-se a prazeres moralmente perigosos, tais como a dança.
Algumas mulheres da alta classe veneziana, eram mantidas longe da vista e apareciam para a sociedade, apenas em determinadas épocas do ano. Quando apareciam, estas mulheres eram montadas em esplendidos vestidos e chopines muito altos. Seu trabalho era transmitir a riqueza de suas famílias, bem como a maior influência de Veneza. Elas tinham de andar muito devagar, necessitando da ajuda de dois ou mais servos ou empregados para sua locomoção.
A altura da chopine, induzia a um estranhamento e instabilidade ao pé da mulher. Apesar do elevado custo, leis suntuárias venezianas, não abordavam a questão dos calçados exagerados, até que ele atingisse perigosas proporções. Antigamente, acreditavam que chopines muito altos – com mais de 50 centímetros – eram os apetrechos de uma cortesã e destinados a estabelecer seu perfil público altamente visível. No entanto, os registros do século XVI, sugerem que a altura do chopine foi associada com o nível de nobreza e grandeza da mulher veneziana, que usavam mais do que com qualquer imputação quanto à sua profissão.
Mulheres venezianas nobres ou excepcionalmente ricas, demonstravam sua superioridade em sentido material, através do uso de itens extravagantes em seus corpos, incluindo chopines muito altos. Talvez os chopines fossem uma manifestação física do estado de confinamento de uma mulher aristocrática? Talvez uma mulher escolhesse usar chopines porque, tendo literalmente tudo o que o dinheiro podia comprar, ela ansiosamente comprava as últimas modas, desejando possuir novas formas emocionantes de cultura material? É possível que estas mulheres nobres apreciassem a superioridade física, atingida quando elas literalmente e simbolicamente elevavam-se sobre o resto da sociedade.
Mas e as cortesãs? Por que estas verdadeiramente livres mulheres – para os padrões do período- , desejavam restringir seus movimentos através do uso de chopines? Foram os calçados e modas das mulheres aristocráticas, verdadeiramente idênticos à moda das cortesãs? Podemos saber ao certo se haviam estas nuances de moda entre estas mulheres?
Cortesãs:
A principal resposta é: os dois tipos de mulheres, certamente compartilhavam o amor para o luxo. Elas aparecem em todos os registros pictóricos remanescentes, como fisicamente idênticas: a encarnação da riqueza, luxo, decadência e ecletismo renascentista. Em um nível físico e superficial, não parece ter havido nenhuma diferença no gosto e estilo destas duas classes de mulheres, que reconhecidamente, foram confundidas pelos venezianos do século XVI.
Como as cortesãs estavam vestidas como mulheres da classe alta, as pessoas perderam completamente as nuances sociais, que diferenciavam as então, ”mulheres respeitáveis” – colocadas em evidência por suas famílias para expor riqueza material familiar – e as famosas ”mulheres livres”, as cortesãs italianas.
Desde que a indumentária no renascimento, refletia o status e poder de quem as usava, como é que cortesãs conseguiam imitar os estilos, supostamente criados para as virtuosas senhoras patrícias? A resposta à esta tolerância aplicada à moda patrícia usada pelas cortesãs, pode estar no fato da condescendência, e profunda admiração aplicadas à elas por seus amantes nobres – assim como os legisladores das repúblicas – estes homens faziam com que suas amantes, estivessem acima da lei.
Em resposta, tanto a Igreja quanto o Estado, sancionou o que foi chamado de “cortesã honesta”, que se comportava como uma escolta para os homens da classe alta. A cortesã tinha acesso à corte nobre e mudou-se dentro deste muito alto círculo social. Era esperado que as cortesãs se vestissem como as mulheres da alta classe, o que significava que elas teriam de usar chopines.
A pintura de duas mulheres de Vittore Carpaccio, datada de cerca de 1500, é talvez a mais famosa representação dos chopines na arte. Nela, vemos que as plataformas, estão entre os vários elementos eróticos ou exóticos que contrapõem a pintura, insinuando que as mulheres luxuosamente vestidas, eram cortesãs. A confusão entre patrícias e cortesãs, também é evidente atualmente, no Metropolitan Museum’s Print, em que uma mulher veneziana, o alvo de um cupido, revela um vertiginoso par de chopines, quando sua saia é levantada. Seu uso de um leque de penas para desviar as flechas do cupido, sugere o interessante mundanismo da mulher. Tão irritante passou a ser a confusão naquele período, que mais tarde, as restrições suntuárias foram estabelecidas, para definir a fronteira entre estas mulheres, que em certo ponto, proibiram as cortesãs de usarem vestidos de seda, e praticamente todos os tipos de jóias.
A Volta dos Chopines?
As plataformas fizeram sucesso na Europa até o século XVI e em seguida, foram esquecidas até o século XX. Não foi até Ferragamo as re-introduzir na década de 1930, que as plataformas voltaram à moda.
Como sabemos, a moda atual costuma reciclar algumas características marcantes de nosso passado. Atualmente, um novo calçado vem fazendo com que muitos estudiosos de moda, assim como historiadores, questionem se os chopines não viajaram do passado, rumo às últimas passarelas atuais.
Sapatos de plataforma, com saltos muito parecidos aos do século XVI, estão circulando nos pés de modelos, fashionistas e blogueiras de moda pelo mundo.
Consideravelmente mais leves, porém igualmente peculiares e de difícil locomoção, faz com que muitos questionem a moda em um sentido cultural e limitativo feminino, em suas reciclagens duvidosas e muitas vezes controversas de artigos que deveriam apenas simbolizar o pensamento e atitudes de tempos tão diferentes dos nossos.
FONTES:
Neatorama: AQUI.
MetMuseum: AQUI.
Collectors Weekly: AQUI.
Fashion Encyclopedia: AQUI.
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