O Toque do Rei (O Toque Real)

Mary_I_touching_for_scrofula_(crop)Embora tenha popularizado-se mais intensamente durante o período medieval, o toque real – crença que um monarca poderia curar um súdito apenas com o contato deste com suas mãos – foi uma crença de longa vida, iniciando seu percurso ainda durante o período do Império Romano. Cerca de vinte séculos atrás, por exemplo, o escritor grego Plutarco, já comentava sobre a questão; segundo ele, o rei de Épiro poderia curar certas doenças apenas passando o dedão do pé nas costas do infligido. O historiador Célio Espartanus, por sua vez, alegava que o imperador Adriano também possuía poderes semelhantes.

Porém, seria apenas na Idade Média que a crença se tornaria realmente popular, principalmente na França e Inglaterra, transformando-se em uma parte do imaginário popular sobre os monarcas; afinal, a cultura medieval tinha no misticismo, um de seus pilares mais fundamentais, e a cura pela imposição das mãos era, de fato, uma tradição cristã. Além disto, era uma época onde a instituição monárquica era muito menos estável do que nos séculos posteriores, com dinastias muitas vezes subindo ao trono na sequência de uma série de batalhas vitoriosas, que eram interpretadas como a realização da vontade divina. Neste contexto, a tradição do toque real que curava as doenças, especialmente a escrófula (inchaço das glândulas linfáticas causado pela tuberculose), pode ser interpretada como uma confirmação da autoridade real após a cerimônia de coroação com os óleos ungidos.

Captura de Tela 2015-08-03 às 10.57.41A primeira menção confirmada do toque real na Inglaterra apareceu em crônicas sobre o reinado de Eduardo, o Confessor (n. c. 1003-05 – f. 1066), usualmente considerado como o último rei da dinastia de Wessex. Nos registros, há relatos de centenas de curas realizadas após o toque das mãos do rei sobre o enfermo. Após a morte de Eduardo, seus sucessores teriam herdado o direito divino ao trono inglês e o poder da cura pelo toque. Aproximadamente na mesma época, os monarcas franceses também adotaram a prerrogativa, mas com uma diferença importante: segundo a tradição, os óleos ungidos daquele reino, haviam sido literalmente dados por Deus, sendo trazidos do céu por uma pomba após a conversão de seu primeiro rei, Clóvis I, ao cristianismo. De fato, a cerimônia tornaria-se parte integrante da sagração de alguns monarcas franceses, que tocavam milhares de pessoas em apenas um dia, além de uma importante faceta da legitimação dos reis.

Em todo modo, esta ligação mais direta com a divindade, evidenciava ainda mais fortemente o caráter sagrado da monarquia francesa; não é de se espantar, portanto, que foi neste reino que a cerimônia do toque real, onde centenas de pessoas se enfileiravam perante o monarca para se curar com o contato com as mãos reais, apenas tenha cessado em 1825, poucas décadas antes do fim definitivo da monarquia francesa. Na Inglaterra, onde surgira inicialmente, o uso da prática foi inconstante após o término da Idade Média. Por exemplo, enquanto Maria I tocava os doentes, seu parente Jaime I se recusava, por julgar a prática uma mera superstição. Seu neto, Charles II, retomou a tradição, tocando cerca de 100.000 pessoas durante seu reinado de pouco menos de vinte anos. O relato de uma das cerimônias, ocorrida em seis de julho de 1660, sobreviveu até os dias de hoje:

Captura de Tela 2015-08-03 às 10.57.18“Sua Majestade senta-se debaixo de seu dossel na Casa de Banquetes, e os cirurgiões levam os doentes para serem conduzidos até o trono, onde eles se ajoelham, e o rei toca seus rostos e bochechas com ambas as mãos, enquanto o capelão proclamava “Ele pôs suas mãos neles, e ele os curou”. Isto é dito para cada um deles. Quando todos haviam sido tocados, eles voltam na mesma ordem, outro capelão ajoelha-se e, tendo moedas numa bolsa branca em seu braço, entrega uma a uma para Sua Majestade, que as coloca sobre o pescoço dos tocados enquanto eles passavam, e o primeiro capelão repetia “Esta é a verdadeira luz que veio ao mundo”. A cerimônia concluiu-se com uma leitura da Bíblia, orações e uma benção. Então as mãos do rei foram lavadas.”

Na Inglaterra, esta doença, era conhecida como o “Mal do Rei”. Acreditavam que o poder de curar do rei, acontecia após sua consagração e unção com óleos santos, no momento de sua coroação. Maria I administrava a ‘’cura’’ pelo toque, O famoso bardo Tudor, William Shakespeare, cita o toque real, em sua obra Macbeth.

Trecho de Macbeth sobre o toque dos reis: Chamam-lhe o mal. Miraculoso feito realiza este bom rei, já presenciado várias vezes por mim, desde que me acho no reino da Inglaterra. De que modo consegue o céu mover, só ele sabe. Mas pessoas tocadas de moléstias estranhas, cheias de úlceras, tristíssimo espetáculo a todos, desespero da medicina, sãs ele tem posto com lhes pôr ao pescoço uma áurea estampa, ao tempo em que murmura santas preces. Dizem também que aos reis seus sucessores transmitirá esse poder bendito de curas realizar. Mas além dessa virtude estranha, o dom possui celeste da profecia, sobre lhe cercarem o trono várias bênçãos que o declaram cheio de graças.

A cerimônia do toque real continuaria na Inglaterra até o reinado da sobrinha de Charles II, a Rainha Ana (n. 1665, m. 1714). Com sua morte sem descendentes, a dinastia dos Stuart chegou ao fim. À partir da ascensão da estrangeira Casa de Hanôver, a tradição nunca mais seria retomada.

Maria I e o toque Real:
Queen_Mary_I_curing_scrofula_Levina_Teerlinc_16th_C
Maria I, filha do monarca Henrique VIII e sua primeira esposa – a espanhola Catarina de Aragão – foi uma das rainhas inglesas a exercer o toque real. Tal característica foi importante em seu reinado, pois ao exercer o seu ”poder de cura”, Maria havia mais uma vez, demonstrado que um monarca do sexo feminino, poderia conduzir as cerimônias anteriormente prescritas apenas para um monarca do sexo masculino, divinamente escolhido por Deus. À seguir, temos um registro de Marco Antonio Faitta – o secretário de Pole – sobre o evento:

”Na Sexta-feira Santa, a rainha desceu de seu oratório para a adoração da cruz. Ela ajoelhou-se à uma curta distância dela e mudou-se para seu lado, de joelhos, enquanto rezava e beijou-a ”com tamanha devoção, para edificar todos aqueles que estavam presentes”. Então, recitando orações e salmos, Maria começou a cerimônia da bênção dos anéis e toque real, um ritual de cura para os doentes de escrófula. Um compartimento havia sido montado à direita do altar-mor, com quatro bancos colocados no local. Maria estava no centro e ajoelhou-se diante de duas grandes bacias cobertas, cada uma com anéis de ouro e prata. Uma bacia continha os próprios anéis de Maria, e a outra, de outras pessoas, cada um rotulado com o nome de seu dono.

Após as bacias serem descobertas, Maria começou a recitar orações e salmos e em seguida, tendo os anéis na mão, passou-os de um lado para o outro. Ela então, retirou-se para o altar de uma galeria privada. Lá, ela ajoelhou-se, fez sua confissão e recebeu a absolvição do Cardeal Pole, e passou a abençoar as quatro mulheres escrofuloss que haviam reunido-se diante dela. A primeira vítima foi levada à sua frente, e ainda de joelhos, Maria posicionou as mãos sob a forma da cruz em uma das feridas da mulher ”com enorme compaixão e devoção”. Quando todas as quatro sofredoras haviam recebido o toque real, Maria fez o sinal da cruz com uma moeda de ouro e colocou-a em uma fita em torno de seus pescoços”.

Após lavar as mãos, Maria voltou para seu oratório. Como Marco Antonio concluiu:

Captura de Tela 2015-08-03 às 10.57.48”Como apresentei-me pessoalmente em todas estas cerimônias, Sua Majestade impressionou-me proporcionando um grande e raro exemplo de bondade, realizando todos os atos com tamanha humildade e amor à religião; oferecendo suas orações a Deus com tão grande devoção e carinho, por um tempo tão longo e duradouro, tão pacientemente e com muito cansaço; e vejo assim, que quanto mais Vossa Majestade avança em seu reinado, ela diariamente lida com novas e grandes oportunidades para mostrar sua extrema piedade e atrevo-me a afirmar, que nunca houve na cristandade, uma Rainha de maior bondade que esta.”

Fontes:
Este artigo foi escrito em parceria com nossa nova moderadora – Fernanda Pissurno da Casa Ducal de Braganca: conheçam!
Mary Tudor: Princess, Bastard, Queen – Whitelock, Anna.
Dr Mauro Gomes: AQUI.
History House: AQUI.
Poder da Mente na cura e na doença – Quevedo, Oscar G.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s