A música foi uma importante faceta da cultura e elite do século XVI. Ela desempenhou um papel em todos os aspectos da vida na Corte: procissões, coroações, funerais, batizados, fanfarras, anunciando a chegada do monarca, na câmara privada e música para desfiles e mascaradas que entretiam a Corte. Ela também, foi parte integrante do culto religioso.
A música era fornecida, tanto por músicos profissionais, quanto pelos próprios cortesãos. Tocar, cantar e dançar, eram todos os elementos essenciais da educação da nobreza e realeza. Castiglione [um cortesão italiano, diplomata e escritor], em seu influente trabalho de 1528, O Livro do Cortesão, pôs grande ênfase na necessidade do cortesão em apreciar a música e tocar bem como amador.
Enquanto isto, músicos profissionais da corte, possuíam sua própria hierarquia – aqueles que tocavam instrumentos ‘barulhentos’- por exemplo, trombetas e cornetas – foram menos valorizados do que aqueles que tocavam instrumentos ‘leves’, como os de cordas e teclados. Estes músicos ‘leves’ foram os anfitriões privados do monarca e fariam parte de sua câmara privada. Eram muitas vezes recompensados com gorjetas extravagantes e elogios pessoais até mesmo do rei ou rainha.
Todos os monarcas Tudor e Stuart apreciavam a música; e tinham um interesse pessoal em manter músicos profissionais em suas Cortes. Alguns destes músicos da Corte, também eram bem conhecidos escritores e artistas. O músico mais importante de Henrique VII, era Robert Fayrfax (1460-1521), organista da Abadia de St Alban e primeiro doutor em música na Universidade de Cambridge. Fayrfax continuou a servir Henrique VIII, uma de suas últimas comissões, foi a música para o encontro entre o monarca e o Rei francês, François no Campo do Tecido de Ouro, em 1520.
Outro compositor bem conhecido do reinado de Henrique VII, que também foi encomendado pela esposa do monarca, Elizabeth de York, foi William Cornysh. Na Escócia, por sua vez, Robert Carver provia música para a Corte de James IV e também para a coroação de James V; e no reinado de Elizabeth I, dois dos mais famosos compositores ingleses de todos os tempos, Thomas Tallis e William Byrd, atingiram o patamar de seu talento.
Aulas:
Entre os deveres dos músicos da Corte, estava o ensinamento das crianças reais, que deveriam aprender a tocar pelo menos um instrumento. Em 1502, Elizabeth de York pagou £ 4 em um par de clavicórdios para si, enquanto seu marido, Henrique VII, comprou alaúdes para suas filhas, Margaret e Mary, que também tocavam o clavicórdio. Mary era suficientemente proficiente nele para entreter Philip, Duque de Borgonha, em Windsor, quando tinha apenas 11 anos de idade; enquanto a habilidade de Margaret com o alaúde, veio a calhar quando encontrou-se com James IV da Escócia, com quem mais tarde casou-se: o rei de 30 anos rei, deixou a princesa de 13 à vontade, tocando e cantando com ela. Seu filho, James V, foi igualmente amante do passatempo, porém, embora ele fosse um talentoso LPV (leitor e executor de partitura), sua voz foi descrita como “Rasky e harske” – isto é, estridente e áspera.
Henrique VIII:
De sua família amante da música, Henrique VIII foi provavelmente o mais talentoso da prole. Ele tocava inúmeros instrumentos: o alaúde, o órgão e outros teclados; vários tipos de flautas e harpa; além de ser um exímio barítono. Henrique escreveu uma série de composições, a mais famosa, provavelmente, ‘Pastime com Good Company’, embora ao contrário do imaginário popular, não tenha composto Greensleeves, que data do período elizabetano, muito provavelmente de composição italiano com arranjo de voz inglês.
Durante toda a sua vida, Henrique apadrinhou músicos – com pelo menos 60 em sua comitiva no fim do seu reinado, não incluindo seus Lordes e crianças da Capela Real. Embaixadores freqüentemente comentavam sobre a bela música na Corte de Henrique, fazendo desfavoráveis comparações com a do Rei François, cujo mestre chefe de canto, muitas vezes estava bêbado!
Henrique não apenas tocava vários instrumentos, como também possuía uma enorme coleção deles. Sua coleção incluía cornetas, gaitas de foles, violas, alaúdes, flautas, charamelas e mais de 150 flautas. Henrique ainda possuía um tipo primitivo de pianola, na forma de um conjunto de virginais.
A música era um prazer que o monarca compartilhou com algumas de suas esposas. Ele e Catarina de Aragão, favoreceram particularmente, um frade com o nome de Dionísio Memmo, que havia sido o organista em St Mark em Veneza e trouxe seu “excelente instrumento” para a Inglaterra, em grande despesa. Henrique estava tão encantado com Memmo, que pediu ao Papa para liberar o frade de sua ordem, para que ele pudesse juntar-se ao rei na Capela Real.
A filha de Henrique e Catarina, Maria, estava igualmente fascinada por Memmo – suas primeiras palavras registradas quando tinha cerca de dois anos de idade, foram “Padre! Música! Música!”, repetida até que Henrique ordenasse-o a tocar. Maria cresceu tocando os Regales e virginais [ambos instrumentos de teclas] e tornou-se uma proficiente alaudista; ela foi descrita em 1553, como “surpreendendo até mesmo os melhores músicos, tanto por sua rapidez na mão, quanto o estilo que tocava”.
Foi Philip van Wilder, um dos principais músicos de Henrique, que ensinou Maria. Ele tocava para o Rei em sua câmara privada. Van Wilder passou a ensinar o filho de Henrique, Eduardo VI, para tornar-se “excelente em tocar o alaúde” e liderou um coro na coroação de Eduardo. Ele disse ter sido pago com uma substancial soma de dinheiro, para cuidar dos cases de alaúde do jovem Rei. Os músicos de Eduardo, incluíam 18 trompetistas, sete violistas, quatro sacabuxos, um harpista, um folista, um tamborista, oito menestréis e um tocador de rabeca.
Elizabeth I:
Os virginals parecem ter sido o instrumento preferido de Elizabeth I, que passava horas praticando regularmente. Um dos instrumentos de Elizabeth, datado à partir de uma pequena inscrição – de 1594 – , está agora em acervo no Museu Victoria & Albert, em Londres.
Elizabeth possuía e orgulhava-se bastante de habilidade, e certa vez, quando informada pelo embaixador escocês, Sir James Melville, que Maria – Rainha dos Escoceses, tocava tanto alaúde quanto virginais, ela ficou ansiosa para saber se possuía uma rival à sua altura. Ela perguntou se Maria tocava bem e recebeu a resposta “razoavelmente, para uma rainha”.
Mais tarde naquele dia, Melville foi convidado pelo primo da rainha, Lord Hunsdon, a ouvir música com ele. Hunsdon levou-o para uma galeria, onde ouviu uma música que ”o arrebatou”- que acabou por ter sido tocada por Elizabeth. Ela timidamente disse a Melville que não o esperava e não tocava na frente de cavalheiros; porém, uma vez que agora a tinha escutado, poderia dizer-lhe se tocava melhor do que a Rainha dos escoceses. Melville foi obrigado a responder – não sabemos se sinceramente ou não – , que a performance de Elizabeth era superior a de Maria.
Elizabeth também apreciava o desempenho dos outros. Antes de Lord Darnley ir para à Corte escocesa e cortejar Maria, el foi para o tribunal escocês para cortejar Maria, muitas vezes tocou para Elizabeth. Ele tocava alaúde para ela, ”que parecia ter prazer em ouvi-lo, aliás, ele tocava muito bem.”
Ana Bolena:
Elizabeth pode ter herdado seu talento tanto de sua mãe, Ana Bolena, quanto de seu pai. De acordo com o biógrafo de Ana, Eric Ives, a segunda esposa de Henrique VIII pode ter sido ensinada por Henri Bredemers, organista da Arquiduquesa Margarida da Áustria. Bredemers era o tutor de música do sobrinho do Arquiduquesa, Carlos V, e suas irmãs, uma das quais, Eleanor – depois Rainha da França – foi apontada como particularmente habilidosa. Independente de quem ensinou Ana, ela foi descrita “[sabendo] perfeitamente como cantar e dançar … tocar o alaúde e outros instrumentos”.
Uma das objeções de Henrique com sua quarta esposa, Ana de Cleves, era que ela não possuía habilidades musicais. Como foi criada particularmente por sua mãe, que era católica restrita de criação arcaica, ela acreditava que a música não era adequada para damas de boa índole cristã. Com a música exercendo papel tão central na vida de Henrique, tal característica fora totalmente inaceitável.
Felizmente, a música foi um gosto que o monarca pôde compartilhar com sua sexta esposa, Catarina Parr. Eles patrocinaram uma família de músicos italianos, os Bassanos, que continuaram como músicos da Corte, até o século XVII.
Culto:
A música foi um vital componente do culto, antes da Reforma. Possuir uma capela de cantores, foi um marco importante de status, e encontrar homens e meninos adequados, era algo que ocupava as mentes dos mais nobres. Há uma correspondência relatando a amigável rivalidade entre o Cardeal Wolsey e Henrique VIII, sobre os cantores em suas capelas: ambos os homens tentaram recrutar cantores talentosos e até iniciaram uma competição para ver quem possuía o melhor coro. Henrique deu a vitória aos homens de Wolsey, então, diplomaticamente, Wolsey enviou ao serviço de Henrique, um menino com uma especial “capacitada melodia”.
Outro jovem músico que começou sua carreira na capela de Wolsey, foi Mark Smeaton. Smeaton tocava alaúde, virginais e Regales, além de ser um exímio cantor e dançarino. Henrique ficou tão satisfeito com Smeaton, que foi dada a ele, uma posição como músico na câmara privada. Por isto, ele muitas vezes estava na companhia de Ana Bolena e tal proximidade da Rainha, com um homem de nascimento inferior – Smeaton era filho de um carpinteiro – foi utilizada para denegrir o nome de Ana. Smeaton confessou ter estado em adultério com ela – acusação que Ana negou veementemente.
Outra rainha cuja queda deveu-se ao seu mestre de música, foi a quinta esposa de Henrique VIII, Catarina Howard. Quando ela não tinha mais de 12 ou 13 anos, Henry Manox, seu professor, foi pego beijando e acariciando-a. Mais tarde, quando tornou-se rainha, o incidente foi usado como prova nas acusações de adultério, nas quais resultaram em sua execução.
A obtenção de músicos para um para o outro e o envio de menestréis para entreter amigos e família, era considerada uma forma de demonstrar carinho. Catarina Parr, que manteve músicos, incluindo um violista, enviou um músico para sua enteada, Lady Maria, com as palavras “[ele] será … mais aceito, por suas habilidades em música, se você, estou bem ciente disto, tiver tanto prazer como a mim mesma…”. Em 1561, Eduardo, Conde de Hertford, encontrou um flautista para Elizabeth I na França, após seu flautista anterior falecer.
Dança:
Ambas, Maria e Elizabeth I, gostavam de dançar. Presumidamente, uma vez, aos nove anos de idade, Eduardo VI enviou uma mensagem à sua madrasta, Catarina Parr, pedindo-lhe para suplicar a sua “querida irmã, Maria … para não mais executas a danças e diversões estrangeiras, que não eram adequadas a uma Princesa cristã”. Isto refletiu a visão um pouco mais censurada na qual a música estava sendo levada pelos radicais reformadores religiosos. O tutor de Lady Jane Grey, John Aylmer, pediu ao reformador suíço, Bullinger, para prescrever um período de tempo adequado para Jane gastar em música, que “neste quesito, o povo deste país (Inglaterra) erra além da medida”.
Mesmo com a enorme predileção de Eduardo pela música, com o crescente puritanismo, isto significava que ela não era mais considerada tão adequada para cerimônias religiosas, e o Livro de Oração de 1552, reduziu significativamente a quantidade de músicas nesta repartição. A música voltou à igreja sob o reinado de Maria e esta foi uma das práticas católicas que Elizabeth ficou feliz em manter. Embora a igreja inglesa mantivesse, por assim dizer, grande parte da música coral de outrora, a reforma mais rigorosa na Escócia, varreu a grande maioria da música sacra pré-Reforma.
Em muito boa forma em seus sessenta anos, Elizabeth ainda podia dançar as vigorosas galhardas que havia destacado-se em sua mocidade e repreendia qualquer uma de suas damas de companhia, que não dançavam a sua satisfação, enquanto traçava o ritmo com o pé. O amor de Elizabeth pela música, era tão conhecido que, em seu leito de morte seus conselheiros ansiosos, convocaram seus músicos, talvez para despertá-la do torpor em que havia caído, ou talvez para confortá-la em seus momentos finais.
A Corte Escocesa:
A música foi tão importante na Corte escocesa, quanto na inglesa. Embora houvessem gaitas de foles na corte Inglesa, não há nenhuma menção à elas na Corte de James V, porém, haviam trompetistas, flautistas e tamboristas, vestidos com as cores vermelha e amarela do Rei. Estes músicos “altos” foram usados na guerra e para fins cerimoniais, como a saudação das duas rainhas de James V, Madeleine e Marie, em sua chegada na Escócia, em 1537 e 1538, respectivamente. Os monarcas escoceses também gostavam de ouvir e tocar música ‘leve’: James V e Marie de Guise, tinham cada um, um tocador de violas italianas. O principal instrumento de James V, parece ter sido o alaúde, no qual seu yeoman, frequentemente comprava cordas novas. As influências européias, particularmente flamenga e francesa, eram fortes na Corte escocesa, que também possuía sua própria família de músicos italianos – embora levassem o nome escocês, Drummond.
Após a deposição de Maria, Rainha da Escócia, em 1567, a música tornou-se menos central na Corte escocesa. Seu filho, James VI, foi descrito em 1584, como “[odiando] dança e música em geral…”. No entanto, isto mudou quando ele amadureceu e influenciado por sua esposa, Ana da Dinamarca, a que ele Corte presidiu – primeiro na Escócia e mais tarde na Inglaterra – era tão sofisticada em seus gostos musicais, como qualquer outra na Europa.
FONTES:
History Extra: AQUI.