Por que eu trocaria a vida no século XXI, por uma vida Tudor

Se a história tivesse de ser reduzida à apenas uma era, para os britânicos, ela seria o período Tudor. Não é difícil imaginar o porque. Culpem Shakespeare, com seus sonetos e peças inspiradoras; Henrique VIII por sua fixação em encontrar a esposa perfeita – com um ventre de ouro para carregar varões -, ou até Elizabeth I, por sua perenal propaganda política de uma Era de Ouro. O importante mesmo, é que o período Tudor marcou a história inglesa, como nenhum período o fez até hoje nas ilhas.

A historiadora Ruth Goodman – assessora da BBC para o aclamado Wolf Hall após desempenhar um papel de 10 anos semelhante no Teatro Globe – diz: “O período Tudor parece maior que a vida: brilhante, colorido e exoticamente diferente, mas ainda sim, nosso passado. Movimenta-se entre o estranho e o familiar” diz ela. Também é o momento em que nós, como uma nação, estávamos lançando-nos no cenário mundial. É um período energizante, um momento fértil.”

Em seu novo livro, How to be a Tudor: a Dawn-to-Dusk Guide to Everyday Life, Goodman oferece-nos um guia definitivo para viver o sonho Tudor e por este motivo, a editora da jornalista  – do jornal britânico Telegraph -, achou que ela deveria pôr tal guia em prática.

No início, a tarefa pareceu ser mais que interessante para a jornalista inglesa. Segundo Betts, que já havia antes estudado a Dinastia dos monarcas ruivos, ela era uma expert no assunto e achava que nutria um considerável amor pelo período. Com base nisto, Hannah teria que vestir-se, portar-se, comer e caminhar pelas ruas londrinas, como uma autêntica dama Tudor. Vamos ver como ela saiu-se em tal empreitada e principalmente, o que ela achou de viver um dia inteiro, na pele de uma pessoa do período!?

À partir deste ponto, a jornalista Hannah, passará a descrever-nos sua aventura:

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Admito ter sido um tanto presunçosa sobre minhas habilidades aqui. Eu penso como os Tudors, atribuo toda a ciência à magia. Eu escrevo como os Tudors, minhas letras “s” e “f” florescem de forma indistinta. Eu inclusive sonho no período Tudor, com os épicos pomos aromáticos no qual a Rainha Virgem e eu, tramamos, flertamos e trocamos confidências.

Porém, como vou arrastar-me nisto, esquecendo o chá, café e a comida fora de estação; ficar sem meus gadgets, chuveiro e sexo (sendo uma solteirona), então indo (literalmente) dormir após o cair da noite? É uma vida na qual eu serei obrigada à dançar ao invés de ir a academia, ir ao teatro ao invés de devorar um box de filmes, e rezar mais que o próprio Cardeal Wolsey em pessoa – tudo isto eu acho muito pouco encorajador. Para meu conforto e (relativo) amor pela modernidade, eu decidi que seria uma aristocrata elizabetana tardia, que ao menos significaria que seria-me permitido uma cama para dormir.

Eu começo meu dia Tudor, com o requisito de acordar cedo, fingindo que meu despertador é o grasnar de um corvo e agradecendo minha estrela da sorte, que são 6:50 de uma manhã outonal (ao invés das 4:00 de verão). Eu deveria então, começar com uma oração – uma espécie de desafio para uma atéia dogmática, que não consegue invocar nem mesmo a oração do senhor, então, eu optei por uma mais simples, escrita por Anne Wheathill em 1584, “protestante, inglesa e liberal”. Felizmente, não fui atingida por um raio.

Hora de minhas abluções, assim como são. A água congelando (o aquecimento central não é permitido), não ajudou ao ter de lavar minhas mãos e rosto. Não tendo nenhuma sujeira para esfregar, eu então limpei meus dentes com o dedo indicador envolto em linho. Ao invés de tomar banho – que era apenas um detalhe para um grande aristocrata -, eu esfoliei-me com tecido áspero. Lavar o cabelo era algo incomum; um enxágue ocasional de verão bastaria. Tendo isto em vista, tive que contentar-me com um bom pente, para livrar-me de possíveis piolhos e pulgas. Eu me sinto suja, e meus cabelos lambidos. Eu então, adicionei uma tiara de pérolas para manter meu look à moda.

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Antes e depois: de uma jornalista londrina, para uma dama Tudor da nobreza.

Goodman não faz nenhuma menção à maquiagem, mas – como uma dama abastada – sinto que estou autorizada a usar um pouco; algo não menos importante para emular uma garota-propaganda da época. Enquanto Elizabeth e sua prima Lettice Knollys (também sua rival nas atenções de Robert Dudley) implantaram na Corte uma mistura de rouge, junto de ovos brancos, chumbo e alume, para tingir suas rosadas peles de lírio, eu contentei-me com a completamente segura MAC. Eu resisto à técnica tardia da Rainha Virgem, de rebocar excessivamente sua pele ”jovem”, deixando apenas minha testa já exageradamente alta, sobrancelhas tiradas e cílios escaldados com olhar peculiar, suficiente como são. Estou bastante vampírica em meu estado natural, mas esta luminosidade sobrenatural é outra coisa.

Ao invés de desodorante, eu permito-me perfume: ungindo-me com alecrim, lavanda, manjerona e rosas, que eu prefiro desfrutar, apesar do efeito ser uma reminiscência de uma caçarola. O traje é completo, eu estou fazendo como a própria Gloriana, cheia de roupas – várias saias, um veludo seriamente pesado, um manto de pele atado sobre seios saltados, um rolo de quadril (bumroll), ruffo e muitas pérolas – além de meias presas no joelho por jarreteiras e sem calcinha (inventada posteriormente).

Mesmo deixando o espartilho de lado – verificando a impossibilidade de colocá-lo sem ajuda -, chega então minha valente editora-chefe, para atuar como minha dama do guarda roupa e ajudar a empinar os seios de sua senhora no corpete. Os pesados braços e ombros da roupa, forçam meus braços e mãos a um decoroso retângulo e eu imediatamente sinto-me fazendo, não um selfie, mas um retrato de rosto: imponente, arrogante e sem sorrir. Sem mais sentir frio, agora estou positivamente brilhando e sou forçada a manter as janelas abertas.

Tudo isto foi até as 8 horas da manhã, mas pelo menos o tempo tem sido todo dedicado à mim, ao invés das horas de trabalho doméstico e ordenha que a muitas mulheres mais pobres fariam antes do café da manhã. Pão e cerveja eram o esteio da dieta Tudor, alguns conventos registraram que seus reclusos ingeriam diversas cervejas por dia; um sinal insalubre, ao invés de alcoolismo. Eu estou autorizada à comida quente – bacon, ovos, peixe defumado, panquecas, ou mingau. Eu mordisquei um Kipper (pequeno peixe consumido no RU), e ajudei-o a descer com cerveja sem álcool – uma combinação verdadeiramente vomitosa.

Ainda enjoada, passei a movimentar-me como uma Tudor. De acordo com Goodman, devo andar com um movimento parecido ao de um sino, sem dobrar os joelhos, empinando meu queixo, mas com minha parte superior do corpo inclinada para trás. Pense no monstro de Frankenstein com um ruffo. Eu deveria andar com os pés juntos e por isto, meus dedos transformaram-se em um primeiro passo de ballet. Para fins de cumprimento, devo manter minha cabeça perfeitamente ereta, enquanto olhando para baixo, executo um plié. O carteiro pareceu impressionado.

A dança era popular entre os Tudors. A Rainha praticava antes do café, assim como as mulheres de energia atuais, que vão à academia. Goodman gosta de pensar em si, sendo atirada cinco pés ao ar, fazendo a Volta (tipo de dança apreciada no período). Eu optei por uma Galharda, dança favorita de Elizabeth – composta de saltos, pulos e mais saltos – que ela dançaria até meados de seus 50 anos. Mesmo aos 44 anos, é uma luta, não menos importante se considerar que com as roupas tão pensadas, é semelhante à uma hot yoga. Ainda assim, pelo menos eu não tive que limpar o chão desde o amanhecer, como minhas serventes.
Jantar – isto é, o almoço – pode ser tão cedo quanto 10:00, ou 11:00 da manhã, mas meio-dia era o mais típico. É uma questão formal; a maior refeição do dia, com a oração, mais pão (eles não haviam ouvido falar da dieta Atkins?), sal e vinho para aqueles mais inclinados.

A comida foi boa – carne, peixe, sopas (ensopados), frutas, queijo e nozes -, mas não abundantes, dado os perigos de más colheitas. Abstive-me na construção de um forno ao ar livre, por isto trapaceei, fazendo meu pease (ervilhas secas) e pottage sobre o fogão, adicionando cebola, cenoura e nabo. Pode-se ver por que a chegada da batata à Europa, provou ser tal revelação no final dos anos de 1580.

hannah-betts-cross_3499137bAs atividades de lazer masculinas eram inúmeras: arco e flecha, caça, bowling, tênis, briga de galos, touradas e etc… As opções femininas eram costura, teatro, cuidados com o lar, ou música. Tento um pouco de ponto cruz; mas simplesmente enfiar a agulha no tecido, me reduz à lágrimas. Teatro então. Naturalmente, sou atraída ao teatro Globe – réplica de um teatro shakespeariano. No entanto, seus funcionários do século XXI, não admitiram um não ator da companhia Tudor com vestes típicas em seus limites, por medo de competição. Além disto, não há Marlowe, Kyd, Greene, ou Lyly no local, então contento-me com uma matinê no Teatro Nacional.

Minha caminhada pelas redondezas, provoca bastante admiração de meus colegas londrinos, que abandonam sua imperturbabilidade costumeira, em um ataque de patriotismo Tudor. Apesar de eu não ser ruiva, geralmente acreditam que sou a própria rainha Bess, sendo então, sujeita à uma considerável adulação. Os espectadores desviam seus carros para tirar fotografias, curvam-se e oferecem seus casacos para que eu possa passar por cima, além de debaterem as sutilezas da política externa Tudor.

Chego em casa exausta, tanto por ser abordada por meu povo, quanto assumindo o peso de meus trajes. Após mais oração, a ceia é servida às 17h, para que se possa comer e lavar-se à luz natural. Pouco inspirada pela perspectiva de comer lentilhas e grãos (um risoto porridgey), fui autorizada a ir à padaria, taverna, ou restaurante, desde que atenha-me à sopas, tortas, frutas e queijo. Eu deveria beber cerveja ou vinho para ajudar a digestão – de acordo com a teoria dos humores que dominou o período, mas como a bebedeira também não era aprovada – opto por uma variedade não-alcóolica. Small beer (um tipo de cerveja com pouco álcool), por assim dizer.

hannah-betts-pub_3499142bComer era a chave do aspecto social do período Tudor, então esforço-me para envolver-me em uma conversa espirituosa com meus companheiros de jantar, caindo em estranhos provérbios em latim e um pouco de anti-propaganda espanhola. Então, os clientes no local pareceram impressionados, apesar de ter circulado um descendente do poeta Tudor, Sir Fulke Greville, durante minha leitura do New Arcadia de Sidney (eu realmente nasci no século errado).

Ás 19 horas, após mais apelos ao todo-poderoso, a cama chama, apesar de meu status ser o de uma mulher assustadoramente solteira em minha idade. Após o início do amanhecer, este é um édito no qual posso envolver-me, apesar de ter de dormir em meu lado direito (que acreditavam evitar a indigestão, o que poderia levar à paralisias, apoplexias, epilepsias ou algo do gênero). Eu instalei-me com uma vela e um grande blockbuster dos anos 1590, o Faerie Queene de Spencer, para sonhar os sonhos dos poetas e princesas.

O que eu aprendi com meu dia Tudor de vida? Após minha ansiedade inicial sem celular e laptop, eu certamente senti-me mais relaxada. Eu posso ser uma herege resistente à orações, mas os curtos espaços de meditação ao dia, certamente exerceram um efeito calmante. Eu mudei poucas coisas, mesmo que não tenha feito trabalhos domésticos, minha dieta ter o benefício de ser livre de açúcar, e ter ansiado por um pouco de chá (imposto em 1662, graças à esposa de Charles II, Catarina de Bragança).

Eu trocaria então, minha existência do século XXI, para tornar-me uma heroína Tudor? Eu tive coceiras e preocupei-me se cheirava como um cão úmido, mas poderia muito bem viver para meu ruffo, não tendo ainda contraído a praga e podendo alegremente subsistir de queijo e guisados. Dê-me o feminismo, um desodorante e a pílula anticoncepcional e eu estaria lá atrás, rápida como uma bala!

hannah-betts-car-t_3499135bFONTES:
Telegraph.uk: AQUI.

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