Rumores de incesto entre os Borgia, tem perseguido esta família desde o primeiro casamento de Lucrezia, quando ainda jovem. É claro que atualmente, tais rumores foram reforçados pela saudosa série do Showtime ”The Borgias”, onde uma doce e angelical Lucrezia – vivida pela atriz Holliday Grainger -, cai de amores por seu já apaixonado e astuto irmão Cesare – interpretado pelo ator François Arnaud. Porém, o que muitos leitores sempre questionam, é: Isto é verdade, ou apenas mais um fruto do emaranhado ninho de intrigas no seio da Roma renascentista?
Veremos um pouco mais sobre isto, no artigo de hoje.
Introdução histórica:
Em 1475, Rodrigo Borgia ainda era um cardeal. Ele já possuía quatro filhos

de uma seleção de amantes e Cesare, foi o primeiro de quatro outros que teria por Vanozza dei Catanei. O belo Cesare – que viria a inspirar o diplomata Nicolau Maquiavel com seu modelo de príncipe renascentista, era o filho favorito de Rodrigo, talvez, por possuir as mesmas ambições e brilho de seu pai espanhol.
Sua irmã mais nova, Lucrezia, era uma das mais belas mulheres do renascimento italiano. Ela casou-se pela primeira vez em 1493, aos 13 anos de idade. O escolhido pelos Borgia, foi Giovanni Sforza. Seu matrimônio com Sforza, seria anulado em 1497. Em seguida, apenas um ano mais tarde, casou-se com Alfonso – Duque de Bisceglie. Foi ele o marido que muitos historiadores acreditam que Cesare assassinou.
Pronto, o enredo estava fechado; o desejado e corajoso príncipe renascentista e a bela, delicada e doce dama. Teríamos um prato cheio para um conto de cavalaria do século XVI. Mas agora vamos aos fatos:

Ao que tudo indica, tais rumores incestuosos foram iniciados por Giovanni Sforza, primeiro marido de Lucrezia, que estava muito zangado com o Papa, por este acusá-lo de impotência, a fim de conceder um divórcio para sua filha (a não-consumação de um matrimônio, foi um dos poucos motivos disponíveis para o divórcio naquele período).
Cheio de raiva, Sforza escrevera uma carta para seu primo, informando-lhe que o Papa ”queria Lucrezia para si”, uma declaração tão ambígua, que fez com que os rumores de incesto entre Lucrezia e os membros de sua família, tivessem início.
Logo, Lucrezia foi um dos nomes mais falados de Roma e os rumores espalharam-se, provavelmente por Giuliano della Rovere – futuro Papa Júlio II -, que odiava a família Borgia.

Os comentários eram sórdidos; alegavam que a jovem Borgia mantinha relações sexuais tanto com seu pai, quanto com seu irmão. Poetas romanos -a famosa imprensa marrom do período-, trataram logo de escrever versos sobre o infame incesto Borgia, vendendo cópias nas ruas, graças à recém inventada prensa de Gutenberg. Pronto, o caos estava instalado.
Logo depois, o nascimento de um bebê misterioso, serviria para alimentar ainda mais os rumores. Os ventos definitivamente não estavam à favor dos Borgia.
Durante o processo de divórcio de Lucrezia com Sforza, oficialmente ela ausentou-se da vida em público, indo para o convento em São Sisto, em junho de 1497, a fim de resguardar-se para o desfecho do processo de anulação de seu matrimonio.

Durante seu reaparecimento, uma criança de maternidade desconhecida, colocaria à prova a já abalada integridade desta família. O Papa e Cesare, sucessivamente, declararam-se os pais do bebê ”de mãe desconhecida”, que levou seus inimigos a declararem que Lucrezia sequer podia apontar o pai de seu filho. Isto foi pura malícia – os Borgias eram muito espertos para tamanho descuido. O Papa e Cesare reconheceram a paternidade, para dar à esta criança – que obviamente tinha uma mãe muito importante, independente de quem fosse – direitos para apoio financeiro e herança.
O Papa estava perto de seus setenta anos, portanto, fazia mais sentido que Cesare assumisse tais obrigações legais, e ele o fez. A própria Lucrezia, cuidou deste ”meio-irmão”, pelo resto de sua vida.
Várias pessoas apontaram e apontam até hoje, que a criança em questão, era filha de seu irmão Cesare, mas tal pensamento foi baseado em ”achismos” e na paternidade assumida por ele. A opinião de muitos historiadores, é que Lucrezia envolveu-se com o belo cortesão Pedro Calderon, também chamado Perotto, dando-lhe um filho.
Mas seria Lucrezia a verdadeira mãe?

É quase certo que sim, por dois motivos. Primeiro, porque ela passou muitos meses confinada em um convento, local onde muitas famílias nobres ou abastadas, entregavam suas filhas grávidas para que estas pudessem manter uma gravidez e dar à luz, longe dos olhares maldosos e fofocas do povo. Em segundo lugar, dois corpos, o de Pantasilea, uma serva, e do jovem e belo Perotto (que a visitaram enquanto estava no convento), foram encontrados no Rio Tibre, amarrados e esfaqueados.
Antes disto, um proeminente indivíduo, testemunhou ter visto Cesare perseguindo este jovem homem pelos corredores do Vaticano e o esfaqueado enquanto o mesmo agarrava os tornozelos do Papa, implorando por misericórdia.
Então eles nunca se envolveram?
É muito provável que não. Aqui estão mais razões do porquê o incesto entre os Borgia (tanto pai, quanto filho), é algo muito improvável:
Incesto com o Pai:
O Papa tinha muitos casos amorosos e affairs e não morava no mesmo local que Lucrezia.
Ele estava perto de seus 70 anos, gordo, cansado, executando o papado com punhos de ferro e totalmente encantado com sua ”bella Guilia”, jovem amante, que supostamente fora uma das mulheres mais belas de toda à Itália. Ele não teria tempo para incesto, quem dirá energia.
Incesto com Cesare:
Já quanto a Cesare, ele via-se sempre fora em campanhas militares. Além disto, ele possuía inúmeras amantes e uma série de bastardos reconhecidos. Ele havia contraído sífilis, já na época em que o misterioso bebê nasceu. Não há nenhuma evidência de que Lucrezia teve sífilis, tendo ela vários filhos saudáveis e vivendo mais que seu irmão.
Sem falar que, as cartas trocadas entre Lucrezia e Cesare, são afetuosas, mas mostram um amor fraternal, ao invés de um desejo carnal de amantes incompreendidos.
Os Borgias eram uma família polêmica, é claro que ao envolver-se na nata política, religiosa e nobre da Itália renascentista, eles conseguiriam muitos inimigos que colocariam à prova diversos traços de suas vidas e personalidade. Lembrando que, em um período extremamente religioso, o incesto era visto como algo pecaminoso e maligno, sendo o maior pivô para a destruição de uma reputação por séculos.

Diversas famílias usavam o incesto para destruir pessoas. Nem na Inglaterra Tudor, Ana Bolena escaparia das acusações de incesto, ao espalharem um boato de que ela era filha de Henrique VIII, seu próprio marido.
É claro que os Borgia não eram santos, mas mesmo assim, eram uma família que zelava por seus interesses comuns, sendo o incesto, algo muito destrutivo para a imagem que eles tanto trabalharam em construir.
Isto era mais uma anti-propaganda de um marido ressentido, clérigo rancoroso e inimigos familiares políticos, que realidade. Uma hipótese muito romântica e deveras improvável.
Fontes:
Arlindo Correia: AQUI.
Saburchill: AQUI.
Maryann Philip: AQUI.
Leituras complementares indicadas (livros biográficos em português):
– GRILLANDI, Massimo. “Lucrécia Bórgia”. São Paulo: Círculo do Livro S.A. , 1984.
– REINHARDT, Volker. ”Alexandre VI – Bórgia, o Papa Sinistro”. São Paulo: Editora Europa, 2012.
– CLOULAS, Ivan. ”César Bórgia”. Portugal, 2009.