O reino da Espanha, era uma grande potência no Renascimento. É natural que por este motivo, aguçasse os olhares e cobiça de monarcas em toda à Europa. Porém, era igualmente claro, que os reinos de Castela e Aragão, só haviam sido unidos pelos laços maritais dos Reis Católicos, de modo que após a morte de Isabel, o reino de Castela passou a pertencer à Joana, filha dos monarcas espanhóis e seu cônjuge, Felipe o Belo.
Felipe e Joana foram proclamados em conjunto, Rei e Rainha de Castela,

por ordens do próprio Fernando de Aragão, embora este, reivindicasse o direito de administrar o reino e receber parte de seus rendimentos enquanto vivesse; tudo em conformidade com a vontade de sua falecida esposa Isabel.
Tais políticas de reino, fizeram um curioso Henrique VII da Inglaterra, prestar muita atenção sobre como desenvolveriam-se estes aspectos na Espanha; ele aproveitaria a primeira deixa, a fim de tirar proveito desta vulnerabilidade governamental de Fernando.
Uma rota inesperada:
Em 08 de Janeiro de 1506, Felipe e Joana embarcam de Middleburg/Flandres (agora Holanda) rumo à Espanha, a fim de reivindicarem seu reino. O Arquiduque – em uma impressionante demonstração de ostentação -, prepara 50 navios carregados de tesouros e jóias, além de ser acompanhado por 2.000 soldados. O casal viaja a bordo do principal navio, o La Julien.
No entanto, em plena travessia, ocorre uma forte tempestade, que parece querer naufragar a expedição. Foi decidido então, que eles buscariam refúgio no porto inglês mais próximo. Para piorar a situação, o navio-capitão, La Julien, sofre um violento incêndio que o ameaça a naufragar. Diante de tal situação, todos perdem a calma, exceto Joana. Enquanto todos vomitam ou ficam tontos, a princesa pede para que sirvam sua refeição. Ao notar o espanto de todos, ela simplesmente diz:
“…Não sei de nenhum rei que tenha morrido afogado, por isto, não sinto medo.”
A viagem fora difícil em todos os aspectos possíveis. O casal já enfrentava um trajeto conflitante, uma vez que Felipe resolveu colocar sob escolta da rainha, uma mulher na qual Joana, suspeitava ser sua mais nova amante. Joana, desgostosa, afirmou que apenas entraria no navio, caso esta, fosse despachada para muito longe.
Felipe então, dispensou-as para outro barco. Joana no entanto, descobriria sua presença, após colocar os pés na Inglaterra.
Finalmente, ao conseguirem chegar ao porto, os navios aportam em Melcombe Regis, em frente Weymouth/Dorsetshire.
Diante de tal situação, o casal não podia deixar de notificar o caso a Henrique VII, que prontamente convidou-os à Corte inglesa no Castelo de Windsor, a fim de dispensar-lhes toda a atenção possível, enquanto a frota seria reparada para seguir jornada.
Joana no entanto, irritada com Felipe, tentou afastar-se de sua companhia, buscando a reclusão.

Já no Castelo de Windsor, Felipe apressou-se a encontrar Henrique, informando ao monarca e a seus súditos, que um pequeno incidente havia impedido que Joana, o acompanhasse no momento, embora esperasse reunir-se com ela em breve.
Durante a estada de Felipe na Corte inglesa, Henrique tratou-o com toda a cortesia possível, digna de um forte aliado político; insistindo em dar-lhe um título na ordem da Jarreteira e ensaiando e assinando tratados de aliança e amizades. Em meio a tantos acontecimentos, o Arquiduque prometeu seu filho, Carlos, à filha do rei inglês, Mary Tudor, e sua relutante irmã Margarida da Áustria, a Henrique VII.

A tardia e curta aparição de Joana em Windsor, fez ressaltar suas diferenças com Felipe. Enquanto a rainha evitava as festividades na Corte inglesa, Felipe deleitava-se com elas.
Joana havia ido à Windsor, a fim de aprovar um acordo de cooperação comercial entre a Espanha e Inglaterra e para ver sua irmã, Catarina de Aragão, que residia na Corte inglesa.
Segundo Catarina, tanto ela quanto Henrique, alegraram-se da presença de Joana e lamentaram sua apressada partida. Embora Henrique houvesse desejado insistir que a Rainha não deixasse sua Corte, seus conselheiros supostamente lhe disseram que ele não deveria intrometer-se entre questões de marido e mulher.
Ao contrário do senso comum, a visita de Joana à Corte de Henrique, não deixou uma má impressão desta mulher. Pelo contrário, o monarca Tudor mostrou-se bastante interessado em sua conduta. Dois anos mais tarde, Henrique VII recordaria-se de seu encontro com Joana: –
”Quando eu a vi, pareceu-me muito bem, tinha bons modos e falava de modo contido, sem perder convicção de sua autoridade; e embora seus servos e marido a chamassem de louca, eu não a vi enlouquecer…”

É importante notar, que neste ponto, Joana já era tratada por sua Corte e marido, como louca – embora nem todos concordassem com tal veredicto. Nesta viagem, ela havia demonstrado um especial desapreço por Felipe e seus conselheiros.
Após sua breve aparição em Windsor, a rainha retornou à Falmouth, onde deus boas vindas à sete barcos que seu pai Fernando, havia enviado para substituir aqueles que haviam danificado-se com a tormenta.
Em 22 de abril, o arquiduques e suas respectivas comitivas, partiram então rumo à Corunha, onde foram recebidos por seus partidários, com todo tipo de honras e pompa, quatro dias depois.
Uma Morte Misteriosa:
Pouco tempo após esta repentina visita ao reino inglês, o marido de Joana, Felipe o Belo, falece sob circunstâncias misteriosas, após ingerir uma jarra de água gelada depois de um jogo de bola. A rainha fica desolada…
Ao saber que Joana estava viúva, Henrique VII demonstrou um grande interesse em fazer da filha dos reis católicos, sua futura segunda esposa.
Ao vê-la pessoalmente, Henrique pode notar, que a Rainha ainda mostrava traços de sua tão comentada beleza de outrora. Seus vivos olhos rasgados e esverdeados, seguidos de seios fartos e cabelos avermelhados, foram um interessante convite ao velho e solitário monarca Tudor.

Desde a morte de Elizabeth de York, em 1503, o soberano não tirava de sua cabeça, a ideia de desposar novamente. Até o nome de sua nora viúva (e irmã de Joana), Catarina de Aragão, fora cogitado. Depois, dirigiu seu olhar à Joana de Nápoles e inclusive à mãe do futuro Francis I, Luísa de Sabóia. Mais adiante, teve em mente Margarida de Angoulême, filha desta segunda.
No entanto, para suas pretendentes, Henrique VII poderia não ser uma opção tão agradável; em seus cinquenta anos, era calvo, ofegante, sem dentes e com mau hálito.
Era também de conhecimento geral, que Joana tinha tendência à profundos quadros depressivos. Porém, Henrique VII, sentia-se atraído perante a idéia de que Joana, ainda era uma jovem ardente, que levava a paixão à limites extremos e que o amor, era sua respiração de cada dia.

É claro que também haviam outros fatores, muitos mais atraentes que a notória beleza de sua pretendente: Ela deu à luz com extrema facilidade, à seis filhos sãos e robustos, e que fariam proveitosos casamentos pelos reinos da Europa. Tal aspecto, era muito apreciado em qualquer reino; por norma geral, os governantes eram constantemente perturbados pela questão sucessória.
Naquela época, Henrique havia perdido seu primogênito, o príncipe Artur. Embora Joana já mostrasse sinais de instabilidade emocional, isto na realidade, não afligia o monarca, que até chegou a duvidar de tais características. Manter um confronto emocional com sua esposa, não era o que mais lhe importava. O dever fundamental de uma rainha consorte, era prover de filhos à Inglaterra e consolidar a recém fundada Dinastia Tudor, após tantos longos anos de guerra civil.

Ao longo da maior parte de 1507 e 1508, o Rei inglês então, resolveu jogar em dois times distintos. Enquanto amadurecia propostas maritais para Joana – além de insistir no noivado de sua filha mais nova, Mary, com Carlos, filho de Joana -, ele investia na possibilidade de desposar uma antiga pretendente, Margarida da Áustria.
A explicação deste plano, deve-se em parte, ao jogo diplomático das relações do monarca Tudor, com as alianças entre reinos europeus, além da vulnerabilidade de Fernando de Aragão, diante destas questões.
Henrique já havia ficado irritado com o monarca aragonês, uma vez que este, relatou dificuldades sobre o pagamento dote de sua filha, Catarina de Aragão (viúva do falecido filho de Henrique VII, Arthur Tudor), motivo que deixou-a presa no reino inglês, impossibilitada de desposar o filho mais novo do monarca, Henrique. A jovem viúva de Gales, desamparada por seu pai, vivia infeliz e em caótico estado de abandono; carecendo de recursos para pagar suas servas, alimentar-se e vestir-se de acordo com sua posição.

Henrique contemplou no casamento com Joana, um modo de pressionar Fernando com o dote de sua filha mais nova, além de fazê-lo livrar-se do controle de Castela; pois uma vez que a desposasse, seria ele o novo Rei de Castela. O casamento de Carlos com sua filha Mary, traria uma vantagem similar ao monarca, uma vez que este também era herdeiro dos Países Baixos e futuramente, Castela. Por outro lado, se ele desposasse Margarida, ele obteria o controle dos Países Baixos (no qual ela era regente até a maioria de seu sobrinho Carlos) e ainda conseguiria o controle de Castela, através de Carlos, após descartar os dois avós do menino, colocando-os um contra o outro. Era um plano ousado.

Após muito ponderar, finalmente o monarca acreditou que Joana de Castela era a opção mais conveniente. Após a revolta dos nobres castelhanos contra Fernando – por temerem um monarca aragonês os governando -, a autoridade do monarca caiu bastante perante seus súditos, e Henrique viu em tal instabilidade, a possibilidade perfeita de reinar como monarca estrangeiro – uma vez que o falecido marido de Joana, o fez sem maiores problemas. Porém, como o cadáver de Felipe era um obstáculo para sua futura esposa, o monarca inglês, preferiu ser cauteloso e não descartar definitivamente a opção encontrada em uma aliança com Margarida. Sendo assim, por um lado, demonstrava forte interesse em Joana e por outro, ainda insistia em Margarida da Áustria. Após enviar um comunicado a Fernando, anunciando suas intenções a fim de formalizar definitivamente o compromisso com a infanta espanhola, Henrique resolveu também, utilizar sua nora, Catarina de Aragão, como uma importante peça neste tabuleiro.
Catarina era pragmática, ela pressentia que o casamento de sua irmã com

seu sogro, poderia ser sua libertação, caso Joana se convertesse em Rainha da Inglaterra. Deste modo, suplicou a seu pai. A única pessoa capaz de persuadir a teimosa rainha de Castela de 27 anos, sem dúvida seria seu progenitor.
”Vi que o Rei de Inglaterra falou-vos – contestaria Fernando à sua filha, em 15 de Março de 1507 – sobre seu casamento com a Rainha de Castela, minha filha, vossa irmã, e satisfaço-me especialmente, que sobre isto, de sua parte me escrevestes…”
Ou seja, aquela negociação, não desagradava o Rei Católico:
”Responda a ele, que de minha parte, eu não sei ainda se a vontade da Rainha, minha filha, está feliz de casar-se, mas caso esteja, que eu me alegrarei, que se case em questão, com este meu querido irmão, o Rei…”

Para a surpresa de Henrique, Fernando cordialmente concordou em ajudá-lo, mostrando-se favorável e disposto à tal união. Dr Rodrigo Gonzalez de Puebla, o embaixador de Fernando na Inglaterra, também mostrou-se favorável, convencido de que Henrique não iria interferir com a regência de Fernando em Castela, e sugerindo que o matrimônio seria de muito interesse a seu mestre, pois devido à insanidade de sua filha, seria de bom grado que ela vivesse na Inglaterra.
Fim dos Planos:
O primeiro passo então, seria conseguir que Joana aceitasse sepultar seu marido, Felipe o Belo. Fernando houvera tentado, mas em vão. Joana tinha convicções firmes, sua resposta repetia-se sempre: ”não tão depressa”. Joana após a morte de seu marido, Felipe o Belo, cuja alcunha sugeria tratar-se de um belo príncipe europeu, claramente pode não ter visto atrativos na figura do sogro de sua irmã mais nova. Tudo isto, foi contemplado por ela durante sua breve visita à Corte inglesa. Henrique VII não era precisamente um “Adonis”, capaz de fazê-la esquecer seu amado Felipe.
Fernando em seu regresso de Nápoles (1507), tentou então, organizar o casamento de sua infeliz filha com Henrique VII da Inglaterra. Porém, Joana estava resoluta e recusou-se a receber o embaixador com os papéis para formalizar a união.
Em todo modo, a tuberculose do monarca Tudor, pôs fim ao compromisso. Henrique VII faleceu em 21 de abril de 1509. Dois meses antes, Fernando o Católico, convencido que o projeto de casar sua filha era impossível, decidiu que Joana fosse definitivamente encarcerada em Tordesilhas. Sua irmã Catarina, casou-se com o jovem herdeiro do monarca, Henrique, que em 24 de Junho deste mesmo ano, fora coroado Rei da Inglaterra.
Podemos apenas conjeturar o que poderia ter acontecido, caso Joana houvesse concordado com a proposta de casamento de Henrique VII. Talvez, ela houvesse conseguido ir à Inglaterra, onde viveria como rainha viúva e teria livrado-se de um angustiante cárcere eterno, às custas das pessoas a quem mais amou em sua vida.
FONTES:
Los lios de la Corte (página parceira): AQUI.
Sister Queens: The Noble, Tragic Lives of Katherine of Aragon and Juana, Queen of Castile; Fox, Julia.
Galeon: AQUI.
Tudor History: AQUI.
Historion: AQUI.