A espanhola Eleonora de Toledo, é conhecida como a bela face por detrás de uma das maiores famílias do renascimento italiano, os Medici. Uma mulher altamente instruída, patrona das artes e uma das percursoras da alta costura utilizada em prol político para retratos de estado. Muitos devem conhecer tais retratos, onde além de sua bela face em questão, podemos vislumbrar toda a opulência gerada pela grande dinastia de origem toscana. O recado era simples, direto e a quem quisesse ver; eles alcançariam um novo apogeu na política italiana, como nunca antes visto. No entanto, a pergunta que não quer calar, é: eles conseguiram?
A vida de Eleonora fora cercada de mitos e lendas de violência, ódio, assassinatos e jogos de poder, que demorariam séculos para serem compreendidos ou desmitificados. Muito do que descobrimos a respeito desta nova compreensão dos fatos e de seus últimos e turbulentos anos, deve-se a recente exumação dos restos mortais de sua família, na Cripta dos Medici, localizada na Basílica di San Lorenzo em Florença.
Neste série de artigos, descobriremos um pouco mais sobre a mulher e ícone do renascimento italiano, sua família e o período em que vivera.
História:

Eleonora nasceu em 1522 em Alba de Tormes, Salamanca – Espanha. Ela foi a segunda filha de Don Pedro Alvarez de Toledo, Marquês de Villafranca – que fora o vice-rei de Nápoles, em nome do Imperador Carlos V (ou Carlos I de Espanha) – e sua esposa Maria Osório Pimentel, Marquesa de Villafranca.
Sua mãe era a última herdeira de sua casa, de modo que o matrimônio com seu marido Pedro, outorgou-lhe o título de Marquês de Villafranca. Seu pai foi filho de Fadrique Álvarez de Toledo, Segundo Duque de Alba e primo de Fernando o católico.

O pai de Eleonora distinguiu-se especialmente na rebelião de Navarra e em mostrar obediência ao legítimo Imperador Carlos V. A bravura e lealdade demonstrada ao Imperador, fez com que Don Pedro ganhasse a oportunidade de ser nomeado vice-rei de Nápoles, do qual tomara posse em 4 de Setembro de 1532.
A jovem Eleonora passou sua adolescência em Nápoles, cercada de magnificência, festas suntuosas, vestuário soberbo e a rígida etiqueta da Corte vice-real espanhola de seu pai. Ela desfrutou da vida e pompa no seio da Itália renascentista, que o posto de sua família outorgava-lhe, embora tivesse consciência de viver em um ambiente hostil para os espanhóis, em especial para seu pai. Isto deixaria uma indelével marca sobre a personalidade de Eleonora, cujo algumas atitudes arrogantes e hostis, tornariam-se conhecidas e repreendidas por seus súditos florentinos no futuro.
Pouco sabemos de seus primeiros anos e educação; podemos apenas deduzir a partir dos acontecimentos posteriores de sua vida, que ela possuiu instrução adequada para o papel social de sua família: a educação que, embora fortemente baseada nos preceitos católicos, tinha de permanecer completamente alheia à qualquer forma de fanatismo e intolerância. É interessante notar que, Eleonora tinha como amiga e professora, uma senhora judia sefardita de nome Benvenida Abravanel, que junto de seu marido Samuel, constituiu talvez a família mais influente e prestigiada da comunidade judaico-napolitana e com a qual as relações não pararam nem mesmo após sua mudança à Toscana.
Tal mudança ocorrera em 1539, logo após seu casamento com Cosimo I de Medici, que assumira recentemente o ducado de Florença.
A Ascensão de Cosimo I:

Em 1527, aos 28 anos de idade, Giovanni de Medici faleceu devido a uma infecção generalizada, causada por uma perna recém-amputada. Cosimo recebera a notícia de modo bastante brusco e desalentador, alegando que ”já o esperava” – pois raramente via seu pai.
Em 6 de Janeiro de 1537, a trágica morte de seu primo Alessandro de Medici, fez com que o jovem Cosimo ascendesse inesperadamente ao poder, uma vez que o único filho do Duque de Florença, era ilegítimo.
Ninguém havia preparado Cosimo para seu novo posto, mas a pouca importância que dava a títulos contaria-lhe a favor. Os Medicis de cinquenta anos atrás, pouco produziram para seu tempo, uma vez que o comodismo deu-lhes o respaldo necessário para sua tranquilidade e estagnação. O jovem Cosimo por sua vez, pouco detinha de segurança ou comodismo no qual pudesse dispor, tendo por este modo, que jogar com todas as suas armas.

Ele desenvolveu um senso político e comercial aguçado, uma vez que sabia que os republicanos desejavam conduzir a cidade de Florença, de volta ao período em que não existia ”Ducado de Medici”, sendo o governo chefiado pela oligarquia mercantil.
Este fora um momento obscuro e caótico sob todos os pontos de vista e com o passar do tempo, um futuro matrimônio constituiria uma oportunidade única para estabelecer alianças políticas úteis que permitiriam consolidar sua posição no mercado interno e internacional. Na realidade, Cosimo visava em primeiro lugar, estabelecer uma ligação mais estreita e direta com o Imperador, no qual dependia tanto sua permanência no topo do Estado florentino (feita precária pelas revoltas do exilados, que eram benevolentes com a Corte francesa), como a própria existência do Ducado de Florença como um Estado independente, constantemente ameaçado pela longa luta entre o imperador e o rei da França e pelo nepotismo mascarado por trás de repetidas declarações de neutralidade do Papa Paulo III.

Após algumas investidas maritais, Cosimo vira frustrado seus planos de casamento com Maddalena Cibo e depois, com Elizabeth Guicciardini.
Sem muitas opções que pudesse tomar, ele chegou a aspirar um casamento principesco até mesmo com a filha ilegítima de Carlos V, Margarida de Parma – viúva de Alessandro de Medici. No entanto, os avanços realizados nesta questão por seu enviado na Corte imperial, Giovanni Bandini, desde os primeiros dias de sua sucessão ao ducado, não haviam recebido uma resposta favorável do Imperador. Descartada tal possibilidade e também rejeitada a proposta de Vittoria Farnese, sobrinha do papa, Cosimo teve de pedir ao imperador através de seus emissários, que lhe escolhesse uma noiva “bela, nobre e rica”, do lado espanhol. Enquanto aguardava a decisão imperial, Don Pedro de Toledo, surgira oferecendo uma de suas nobres filhas.

O primeiro nome citado, fora de Isabel de Toledo, para a qual um dote de 80.000 coroas fora requisitado. Cosimo no entanto, alertado por seu agente em Roma, Agnolo Niccolini, que sua pretendente era ”feia e com cérebro de Nápoles”, reivindicara uma segunda escolha. De acordo com A. Mannucci (Vita di Cosimo I, Pisa 1823, p. 97), ele finalmente conseguiu a jovem a quem já havia conhecido três anos antes, quando fora à Nápoles na comitiva do Duque Alessandro il Moro.
A fim de negociar as condições do matrimônio, Cosimo enviou à Corte de Nápoles dois emissários, Luigi Ridolfi e Jacopo de Medici, acompanhados pelo notário Bernard Gambarelli, que deixaram Florença em fevereiro de 1539. O acordo seria concluído apenas em 29 de Março, dia em que ocorrera o casamento por procuração.
A Boa Filha Deixa seu Lar:
Eleonora – com então aos 17 anos de idade – desposou Cosimo I de Medici, Duque

de Florença, que em 1569, tornaria-se o primeiro grão-duque da Toscana. A união arquitetada por seu pai, tinha como intuito que a jovem obtivesse alguma riqueza Medici (que era mais aparente do que real) e pelo Medici, na esperança de obter algum status e segurança ao casar-se com alguém altamente posicionado na aristocracia espanhola e relacionado com os Habsburgo, via Sacro Imperador Romano. Com a Espanha dominando Florença e grande parte da área circundante na Itália, estar naquele momento em bons termos com a Casa de Habsburgo era uma necessidade. Parte do acordo para o casamento, era que este seria uma demonstração de lealdade ao imperador Habsburgo, suficiente para permitir a remoção da guarnição espanhola do local.
O pacto matrimonial, previa o pagamento de Toledo de um dote de 20.000 coroas; Cosimo de sua parte, prometera à noiva através de seus procuradores, duas doações, totalizando 30.000 escudos.

Apesar do favorável resultado das negociações maritais, a partida de Eleonora para Toscana, fora adiada em quase dois meses. Enquanto isto, a jovem demonstrou, segundo os agentes de Medici, estar deveras ansiosa para encontrar seu noivo e iniciar sua nova vida, praticando e aprimorando a língua italiana e tentando ler às cartas enviadas por Cosimo sem ajuda – entretanto, respondendo-as em espanhol.
Finalmente, em 11 de junho, Eleonora partiu de Nápoles acompanhada por seu irmão, Don Garzia e um grande séquito de cavaleiros e damas – em sua maioria espanhóis – que exigiam junto da bagagem, sete galés. Na manhã de 22 de Junho, ela chegou à Livorno.
Segundo a tradição, o noivo deveria aguardar por sua prometida, mas Cosimo não conseguira cumprir com tal requisito, embora tenha apressado-se para encontrá-la em Pisa. Ela foi então recebida pelo representante de seu marido, Onofrio de Bartolini, arcebispo de Pisa.

Cosimo gostou muito do que vira. A jovem e bela Eleonora encantou-o com seus modos requintados, instrução e beleza. Ele não poderia estar mais feliz com sua prometida, conforme alegaria em uma carta a Don Pedro pouco depois.
No dia seguinte, o casal ducal acompanhado por um numeroso séquito (os nobres espanhóis que chegaram à Nápoles com Eleonora, juntaram-se aos aristocratas Florentinos que haviam acompanhado Cosimo em Pisa), seguiu rumo à casa de campo Medici em Poggio a Caiano, onde permanecera durante alguns dias e em seguida, no domingo, dia 29 de Junho, fiz sua entrada solene em Florença.
Preparativos e Entrosamento:

Enquanto isto, no Palácio Medici na Via Larga – antiga residência do Duque Alexandre -, houve uma intensa preparação para as celebrações do casamento, que consistiam em banquetes, músicas e teatro, que seriam iniciados após a solene cerimônia religiosa na Basílica de San Lorenzo – continuando por algum dias. O registro destas festividades, foi descrito em uma carta do escritor Pier Francesco Giambullari, embaixador florentino na Corte imperial, entregue posteriormente à imprensa por Giovanni Bandini.

Com tais luxuosas festividades, coroadas com a distribuição de esmolas, Cosimo prometeu a si, dar impulso às atividades artísticas e culturais da cidade, a fim de ganhar a simpatia do povo florentino, ainda vinculado aos ideais “democratas” que haviam fundamentados a pregação de G. Savonarola. No entanto, o objetivo fora alcançado apenas minimamente, uma vez que o povo demorou a aceitar o fato de que o Duque havia casado-se com “uma bárbara espanhola, inimiga da casa de seu marido”.
Entretanto, para Cosimo acabou por pouco importar. É bastante curioso que diante de um matrimonio especificamente político, ele tenha visto em sua esposa, não apenas uma peça essencial neste jogo de vantagens, como também uma mulher na qual poderia apaixonar-se. Tal paixão perduraria pelo resto da vida de Eleonora.
A notável devoção que nutriam um pelo outro era tão impressionante, que não poderia passar despercebida: ”Ele a ama tanto, que jamais sai sem ela (a menos quando vai à igreja), e goza da reputação de homem deveras casto”. – conforme observara o viajante inglês William Thomas.
Uma prima de Cosimo, Catarina Cibò, disse à Duquesa de Urbino: ”O Duque e a Duquesa estão tão apaixonados, que nunca vê-se um sem o outro…”
Cosimo naturalmente, ficara encantado com a beleza de sua consorte, porém, o que mais encantara-lhe em sua figura, era pouco perceptível àqueles que não faziam parte de seu círculo imediato. Ao contrário de seus retratos, a aparência formal de Eleonora, era apenas voltada ao corpo político.
Ela sabia separar a vida pública da privada, além de não ser uma mera consorte ilustrativa, ajudando seu marido em questões mais amplas, como a agrícola, econômica e política. Em sua intimidade, ela demonstrava um peculiar apreço a seu marido (um fator interessante, uma vez que era pouco entusiasmada com qualquer um que não fosse espanhol), além de mostrar ser uma mulher de riscos; sua paixão por esportes e jogos arriscados, como a caça e jogatina, encantaram Cosimo.
Eleonora era também uma intelectual e viajante dedicada, movendo-se sempre de um Palácio para outro.
CONTINUA…