Eleonora de Toledo – A Face por detrás dos Medici [PARTE II]

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[Para compreender melhor o artigo, sugerimos que leia primeiro a primeira parte: AQUI.]

Em uma perspectiva política, o casamento foi um completo sucesso para Cosimo: de fato, esta união concedeu-lhe o apoio permanente de uma das mais poderosas facções da Espanha, além de colocá-lo no mesmo plano dos governantes de outros estados que compunham o Império de Carlos V. Em outras palavras, o parentesco com Toledo, deixou o Medici temporariamente protegido pelo Imperador, como um membro da confederação dos estados, que Carlos tinha como ponto de referência comum. Este fato foi devidamente observado por Carlos V, em suas instruções diretas a seu filho Filipe II, em 18 de janeiro de 1548: “O Duque de Florença”, escreveu ele, “sempre foi muito dedicado… Dado seu parentesco com Toledo … deste modo… fará bem que você ajude-o em todos os assuntos”.

No entanto, conforme visto anteriormente, apesar da eminente lógica política que envolvia esta união, o casamento de Eleonora foi muito feliz. Ambos nutriram uma sólida base de profundo respeito e afeto – algo bastante incomum para casamentos arranjados no período.

La Fecundíssima:
Logo Eleonora mostraria a Cosimo, seu verdadeiro maior triunfo; sua fertilidade.

Captura de Tela 2015-12-20 às 08.49.39.pngQuando entrou em Florença pela primeira vez, ela passou por um efêmero arco do triunfo, erigido em sua homenagem. O arco exibia uma escultura da figura de Fecundia, uma mulher rodeada por não menos que cinco crianças, com um coro exortando-a a ser ”prolífica em excelente progênie”.

Pouco após as festividades que ocorreram sua chegada em Florença – dia 29 de Junho – o casamento foi consumado. Para a alegria de Cosimo – um amante caloroso – sua esposa prontamente correspondeu ao seu ardor sexual.

Eleonora viria a ultrapassar a figura da fecundidade, que parecia poder apenas gerar cinco herdeiros. Ela daria à luz 11 vezes e dos 11 bebês, 8 sobreviveriam à infância – um marco extraordinário para o período. Não surpreende portanto, que tenha tornado-se conhecida não apenas como ”la fecunda”, mas como ”la fecundissima”.

685c091f27dbf0a30f6e3d6064ed1fb71cb0891eA notória fertilidade de Eleonora, rendeu-lhe um lema escolhido por seu marido: ”de exuberante fecundidade”. Os Medici até então viviam constantemente ameaçados pelo perigo de extinção, e graças a fertilidade de Eleonora, a continuidade dinástica Toscana, foi garantida por mais dois séculos.

Além de seus muitos filhos, Eleonora também estabeleceu vínculo com a filha bastarda de seu marido, a pequenina Bia – nascida antes do casamento.

A Vida na Corte Medici:
Pouco após a noite de núpcias, Eleonora engravidou de Cosimo. No dia 03 de Abril de 1540, uma bela menininha nasceu. Ela foi chamada de Maria, nome de ambas suas avós.

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Palazzo Medici.

A entrada de Eleonora no Palácio Medici, marcou uma revolução no estilo de vida, até então bastante simples da família: em breve o antigo palácio de Via Larga, construído por Michelozzo no século anterior sob ordens de Cosimo, o Velho, revelaria-se demasiado pequeno para acomodar a multidão de damas, pagens, cavaleiros e servos, em sua maioria espanhóis, dos quais a Duquesa adorava cercar-se; Além disto, o palácio havia sido atribuído neste mesmo período, como propriedade de Margarida da Áustria, viúva de Alexandre.

Deste modo, em 1540, poucos dias após o nascimento da filha mais velha, Maria, a família mudou-se para o antigo Palácio Ducal do governo, que foi reformado a fim de atender as necessidades da família; em particular, os apartamentos de Eleonora.

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Giardino Boboli.

O local foi equipado com uma capela com afrescos de Bronzino, e um terraço com um jardim. Mais tarde, em 1549, Eleonora comprou para a família, o Palácio Pitti, e através de obras de ampliação e reestruturação que duraram vários anos – incluindo o monumental Jardim de Boboli – este foi transformado em um autêntico palácio.

Eleonora, a Regente:
Quase um ano depois, em 25 de Março de 1541, nascera o tão desejado herdeiro varão. Eleonora fizera o que nenhuma esposa Medici conseguira fazer em mais de meio século: produzir um herdeiro varão legítimo.

Agnolo-Bronzino-Portrait-d-Eleonore-de-Tolède-1522-huile-sur-bois-59-x-46-cm-Prague-NarodnI-Galerie-credit-National-Gallery-of-Prague-2014O menino fora batizado dia 1 de Agosto. Ele fora chamado Francisco, a fim de honrar uma promessa feita por Eleonora alguns meses antes, durante uma peregrinação ao santuário de La Verna; poucos dias depois de Cosimo ir a Gênova para atender o Imperador, deixando para sua esposa, as rédeas do Estado: “O Senhor Duque, pelo enorme carinho que dispensa, concedeu a vossa excelência o maior dos méritos, deixando em sua partida para Gênova, o fardo de governar estes súditos”, escreveria ele para o superior de um mosteiro em Pistoia, pedindo apoio moral e orações.

Circunstâncias semelhantes ocorreram em Maio/Junho de 1534, durante outra viagem de Cosimo à Gênova, a fim de discutir com o Imperador, condições para o retorno das fortalezas de Livorno e Florença, ainda ocupadas por guarnições espanholas.
Eleonora, que havia acompanhado o Duque de Pietrasanta, retornou à Florença e durante algum tempo, teve novamente – com a ajuda de secretários – de lidar com os assuntos do Estado Ducal. No outono do mesmo ano, o então Duque Cosimo, fora atingido por uma grave doença, tendo Eleanor, que assumir o comando do governo do estado por cerca de 10 meses. De acordo com Bernardo Segni, o peso de Eleonora na vida política do Estado florentino, foi relevante mesmo fora destes períodos de regência, em que a ausência ou incapacidade do Duque, tornou-a formalmente encarregada do governo do Ducado.

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Cosimo I

Reza a lenda, que o Duque Cosimo nas questões mais importantes, procurou a opinião de seus secretários, mas em seguida, reservou sua decisão final após consultar Eleonora e seu tio, Don Francisco de Toledo, que como embaixador cesáreo, quase sempre viveu em Florença na corte Medici.

No entanto, é difícil discernir o exato papel de Eleonora em tais decisões, uma vez que são escassas agendas, notas, memórias, e escritos diretamente relacionados a ela sobre estes assuntos diários.

Eleonora estava quase sempre ao lado de Cosimo e por isto, escreveu-lhe poucas cartas. Com efeito, ela receava e tinha aversão à pratica epistolar. ”Eu deveria escrever muitas outras coisas que preciso lhe contar, mas como estas coisas podem se espalhar, é melhor que eu as guarde para mim e lhe conte depois, pessoalmente…”

Captura de Tela 2015-12-20 às 08.36.39Analisando suas correspondências (em maior parte relacionadas a Cosimo), podemos ver que as atividades desempenhadas por Eleonora, desenvolveram-se principalmente através das muitas solicitações, favores, subsídios e atribuições de todos os tipos que muitos pediam ao Duque, mas que eram dirigidas a ela, com o pedido expresso ou implícito, de sua intercessão com Cosimo em favor do requerente.

Um dos melhores exemplos disto, foi o trabalho de mediação realizado por Eleonora, que visou favorecer o regresso à Florença, do Arcebispo Antonio Altoviti, eleito em 1548, porém incapaz de pôr os pés em sua diocese, devido à forte oposição de Cosimo I, que deste modo, vingou a longa militância deste contra seu pai. Riguccio Galluzzi, o historiador de maior autoridade da dinastia Medici, destacaria a importância das atividades de Eleonora, após sua morte: “Muito perderam os cortesãos, pois fora este o canal de todas as graças do usual comportamento do Duque’’.

A Nova Caçula Medici:
Ao final de 1541, ela engravidaria novamente. Segundo a própria Eleonora,

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Isabella de Medici

tratava-se da gestação de outro varão – devido a sua indisposição pouco costumeira. Ela tinha tanta certeza do sexo do bebê que carregava em seu ventre, que chegou a apostar com um mercador; caso fosse um menino, ele lhe daria um pedaço de brocado de prata – sua paixão -, caso fosse uma menina, ela então, daria-lhe 780 escudos – uma pequena fortuna.

No entanto, seu marido Cosimo duvidara da certeza de sua esposa. Para ele, tratava-se de uma menina.

O mercador e o marido não podiam estar mais certos, e em 31 de Agosto de 1542, uma belíssima e rechonchuda menina, veio ao mundo sob o nome de Isabella Romola de Medici. Romola era o feminino de Romolo, o padroeiro de Fisole.

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Bia

O nascimento de Isabella, marcara o fim de um período obscuro na vida de seu pai. Cinco meses antes, Cosimo havia perdido sua filha bastarda Bia, com então seis anos de idade. Em vida, Bia mostrou ser a luz daquela família, conquistando até mesmo o amor de Eleonora, que cuidaria dela como se fosse sua própria filha.

Isabella deu a Cosimo, a oportunidade de aquecer seu coração após tão trágica perda. Ela foi por muitos, considerada a substituta perfeita de uma perda tão inaceitável, ganhando o coração de seu pai, como nenhum filho o fizera depois.

Porém, seu tempo como filha mais nova desta família, duraria pouco. Apenas 13 meses após seu nascimento, um segundo menino, nomeado João, viera ao mundo.

Vivaio:
Com a prole aumentando consideravelmente com o passar dos anos, medidas seriam tomadas para assegurar suas vidas. O mundo destas

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Maria Salviati

crianças, funcionaria de modo diferente do mundo de seus pais, com suas próprias regras, despesas e problemas.

As crianças passaram boa parte de sua infância em Castello, local que ficara famoso pelo vivaio empreendido pelo Medici aos seus filhos. A palavra vivaio era o equivalente a creche e era deste modo que tal residência funcionava, como uma creche real para os filhos de Cosimo e Eleonora.

Este mundo seria especialmente regido por Maria Salviati, mãe de Cosimo. Ela foi figura ativa na criação dos primeiros filhos de Eleonora, assistindo todas suas necessidades, desde doenças até compras de itens de primeira necessidade.

Sua presença referente a questões primordiais de seus cuidados, fora sentida mesmo após sua morte, em 12 de Dezembro de 1543. Especialmente após uma crise de verminose de Isabella, onde o remédio fora fabricado segundo suas ordens outrora deixadas em vida.

Eleonora – A Mãe:
A não tão presente participação de Eleonora no dia-a-dia de seus filhos, não significa que esta, fora negligente com eles.
4e3a1a5e296f830cd9338a7b35070d5f.jpgEm novembro de 1542, ela informou à sua sogra, sentir um ”desprazer não insignificante em relação ao fato de Sua Senhoria Maria e seus filhos estarem em Florença, onde ela sabe que o ar é muito ruim para eles, e que não foi satisfeita que tomara a resolução de enviá-los à Abadia em Fisole, alegrando-se de que lá encontrariam um ambiente deveras favorável à sua saúde”.

Eleonora preocupava-se bastante com os cuidados empreendidos aos seus filhos, embora acreditasse que sua sogra fosse demasiadamente protetora com eles.

Bronzino_-_Eleonora_di_Toledo_col_figlio_Giovanni_-_Google_Art_ProjectAs pessoas costumam utilizar os retratos de Eleonora com seus filhos, como base para descrever um relacionamento frio e distante entre eles. Nas pinturas, ela parece olhar para baixo, com um semblante frio e distante, exercendo pouca interação com seus herdeiros. É ressaltado que tal porte é muito diferente de outros retratos de Bronzino, onde a Virgem Maria aparece interagindo com o menino Jesus. No entanto, tal concepção é bastante equivocada, uma vez que há uma grande diferença na forma que pinturas religiosas e políticas eram retratadas. A frieza notada nos retratos de Eleonora, era meramente política, típica de pinturas de estado, não podendo ser utilizada como prova de sua relação enquanto mãe, uma vez que a mesma era conhecida por separar vida política da pessoal.

Mulher de Negócios e Patrona das Artes:

Eleonora era conhecida por cuidar do lado financeiro de sua família. Foi ela quem pediu empréstimos de enormes somas de dinheiro aos banqueiros

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Capela de Eleonora, pintada por Bronzino

florentinos e genoveses. O dinheiro obtido, era revertido em compras de imóveis, fornecimento de ração para a família, patrocínio cultural e artístico e instituições de caridade. Eleonora também comercializava as colheitas ducais excedentes. Foi graças à sua prudente gestão, que a situação econômica da família Medici, muito modesta antes de seu casamento, melhorou dramaticamente.

As atividades implantadas por Eleonora no domínio da cultura, também foram muito importantes: ela trabalhou para a reabertura da Universidade de Pisa e para facilitar a procura de alojamentos na cidade para estudantes e professores; sob seus auspícios, foi construída em Florença, a Academia Degli Elevati, para incentivar o estudo da poesia, cujas reuniões foram realizadas na residência ducal, contando muitas vezes com sua presença. Seu patrocínio também voltou-se as artes: Bronzino fora um de seus pintores favoritos e autor de inúmeros retratos de Eleonora e outros membros de sua família. Para esculturas e joalharias, ela encomendou muitas obras de Benvenuto Cellini, antes do caráter mal-humorado do artista e a interessada calúnia de Baccio Bandinelli – outro escultor querido de Eleonora -, o fizesse cair em desgraça.

No entanto, não deve-se crer que o patrocínio artístico de Eleonora fora limitado à atender necessidades mais banais, como adornar as paredes de seus ricos palácios ou seu guarda-roupa. Ao contrário, seus patrocínios às artes fora muito pragmático politicamente. A ostentação fazia parte de uma vasta política de riqueza e favores Reais. A intenção era mostrar possuir muito mais que de fato possuíam, a fim de obterem cada vez mais favores, empréstimos e negociações. Afinal, quanto mais rico é um credor, mais vantagens financeiras ele terá. Este era o lema de Eleonor e ela o seguiu a risca.


CONTINUA…

 

 

 

 

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