Filmes e Séries Históricas: Existe verdade nas produções cinematográficas?

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Volta e meia, nos deparamos em nossa página, sobretudo, quando desconstruímos imagens e representações de importantes personagens históricos, com comentários do tipo: “Eu vi na série tal, que fulano amava sua rainha”, “Isso não é verdade, eu acredito que as coisas não aconteceram assim”, “apesar dele ter feito o que fez, eles se amavam”, ou, ainda, “tenho certeza de que essa produção reflete a realidade, pois ela é baseada em uma história real”.

Não é difícil imaginar que tais frases estão relacionadas, por exemplo, ao casal Henrique VIII e Ana Bolena, e a produções como The Tudors. Podemos ainda fazer menção a outro casal famoso, como Césare e Lucrezia Bórgia, que ganhou significativa visibilidade na série The Bórgias. Por meio destas séries, fãs dos respectivos casais, influenciados pela perspectiva romântica adotada pelos produtores de tais produções, passaram a idolatrar o ‘pseudo’ amor que ‘unia’ estes jovens.

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Henrique VIII e Ana Bolena na série The Tudors.

Ao acompanhar estas séries – que são baseadas em contextos históricos que de fato existiram-não é difícil para qualquer um de nós torcermos por eles e nos emocionarmos com a atuação dos atores que deram vida a indivíduos que marcaram a história política da Europa. Em “The Tudors”, Henrique VIII expõe um amor tempestivo pela jovem Ana Bolena e fica deslumbrado com a possibilidade de, através de tal união, finalmente conseguir um herdeiro varão. Muitos telespectadores, encantados com as juras de amor e a paixão interpretada pelos atores, esquecem, quase que completamente, das cenas que mostram a execução da rainha, os abusos a que foi exposta e, inclusive, de todos os motivos pelos quais impulsionaram o rei a consolidar o rompimento com a Igreja de Roma. Dentre os interesses do rei, podemos citar a necessidade de maior controle sobre o Clero, que, na ocasião da reforma teve terras e bens confiscados em prol do cofre do reino. Em relação ao casal Césare e Lucrezia Bórgia, em primeiro lugar, não houve relacionamento de qualquer natureza entre eles, que não fosse o fraternal. Não podemos também, deixar de mencionar que eram irmãos, e por si só, isto já causa certo estranhamento. Mas, ainda assim, nós acompanhamos o amor deles na série e, simplesmente nos apaixonamos pelo casal, certo? No entanto, por trás da representação romântica, é preciso lembrar que Césare foi um homem violento, que submeteu sua irmã à diversos relacionamentos abusivos. As mulheres na Idade Média tinham uma vida limitada, sobretudo, nas circunstâncias de Lucrezia. Filha de um Papa, a jovem foi utilizada como um peão político em casamentos, no seio da tradicional Itália do renascimento, onde todos os nobres desejavam a todo custo, a manutenção do poder e prestígio político. Abordamos a trajetória de Lucrezia Borgia em uma série de artigos (AQUI).

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Lucrezia e Césare Bórgia em The Borgias.

Selecionamos estes casais a título de exemplo, pois eles remetem a nós, moderadoras da página, identificarmos o quanto é difícil transmitir conhecimento histórico, baseado em obras e pesquisas científicas, e termos como antagonistas, séries que estão envoltas em romance e fantasias. Pois bem, neste artigo propomos uma reflexão importante, isto é, iremos transitar destas percepções que, estão envoltas tanto em senso comum, quanto em concepções de cunho pessoal. Antes, faremos os seguintes questionamentos: “Por que é tão difícil aceitar a desconstrução de fantasias românticas apresentadas em filmes e séries? Por que as pessoas preferem fantasia à realidade?”

Em primeiro lugar, não estamos aqui para julgar quem gosta de assistir séries e filmes e que torcem pelos casais. Muito pelo contrário, não há mal nenhum em acompanhar séries que são baseadas em fatos históricos e, no decurso, também apaixonar-se por estas representações. Até aí, tudo bem. Não é nenhum pecado chegar em casa após um exaustivo dia de trabalho e acompanhar a sua série favorita. Ambas as séries, citadas como exemplo neste artigo, fizeram muito sucesso, tem qualidade e foram importantes para que muitos de nós, pudéssemos ampliar o interesse pela história inglesa e italiana. O que consideramos primordial é compreender que estas produções são resultado de interesses comerciais e voltadas ao entretenimento. Muito embora, sejam baseadas em contextos históricos que, de fato existiram, não devemos compreendê-las como verdade absoluta, por três motivos.

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Execução de Ana Bolena na série The Tudors.

Primeiro, conforme mencionado, são produções voltadas ao lucro de empresas e audiência, por isto, precisam ser compreendidas como entretenimento. Segundo, são obras baseadas em fatos históricos, isto não quer dizer que sejam a representação tal como foi no passado. Não é possível que um produtor alcance a relação de similaridade entre o que aconteceu há 500 anos e consiga reproduzir atualmente de modo idêntico. Isto é, vivemos em outro contexto, outras dinâmicas culturais, sociais, além de termos acesso a recursos distintos. Por mais que seja feito todo um trabalho de pesquisa, filmes e séries são adaptações, representações do que fora outrora. Não é possível fazer uma ‘viagem no túnel do tempo’ ou algo parecido, a fim de reproduzir de modo idêntico a realidade de tal período histórico. Terceiro, temos que ressaltar o ponto de vista histórico, ou seja, são produções baseadas na história. Ao consultarmos qualquer dicionário da língua portuguesa atestaremos que, a palavra baseado, é um adjetivo, cujo significado remete à: “Que assenta numa base, fundamentado.” Deste modo, por mais que filmes e séries nos apresentem como pano de fundo, contextos históricos que foram reais, o que precisamos ter em mente é que teremos um alicerce histórico ali, fragmentos, impressões do que aconteceu no passado, que foram adaptados para a perspectiva dos produtores de séries e filmes.

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Lucrezia, de jovem inocente à peão no altar das ambições familiares.

Deste modo, retomamos ao questionamento que apresentamos no título deste artigo: “Existe verdade nas produções cinematográficas?” O que existe é uma base de fundamentação. Lógico que, esta base será maior ou menor de acordo com o tema e público a que é direcionada. Umas terão maior fundamentação, outras apenas utilizarão o contexto histórico como mero ‘pano de fundo’. Outros, infelizmente, irão deturpar o contexto histórico, quase que totalmente no intuito de garantir audiência. Em The Tudors podemos acompanhar o processo que coadunou na criação do Anglicanismo, temos ainda, as cenas em que o Primeiro Ministro Inglês, Thomas Crowmell impetra ações como: tomada dos monastérios, confisco das terras e propriedades da Igreja, além de, acompanharmos alguns elementos que denotaram no anglicanismo, como a discussão sobre consubstanciação ou transubstanciação. Em The Bórgias vislumbramos os jogos de poder no Vaticano, as disputas políticas na Itália e, como eram elaboradas as estratégias para se manter no poder. Estes aspectos são exemplos dos fatos históricos.

Captura de Tela 2016-02-16 às 20.22.09No entanto, neste artigo nosso objetivo é refletir sobre a necessidade de, devido ao fato de tais produções serem entretenimento, elas precisam ser vistas e analisadas como tal. O amor e as relações romantizadas entre os casais são meras fantasias com o fito de proporcionar ao telespectador uma maior vivacidade. Esta afirmação nos remete a outra reflexão, não podemos jamais naturalizar o abuso em qualquer contexto histórico. Por mais que seja cativante os casais Ana Bolena e Henrique, bem como Lucrezia e Césare, não podemos deixar de mencionar que estas mulheres viveram relações conflituosas e abusivas. Ana Bolena encerrou sua vida decapitada, Lucrézia se tornou um ‘peão’, instrumento dos homens de sua família para articular relações de poder. Estas não foram, de fato, relações em que o amor prevaleceu. Contudo, vemos este ‘amor’ nas telas porque ele é comercial. Mas, não foi real.

maxresdefaultA fantasia é mais atrativa, é feliz, é a representação dos contos de fadas… A ilusão nos acalma, nos dá esperança de que na Idade Média e no Renascimento, lindos cavaleiros conquistavam as damas, e após um longa luta para ficarem juntos, eles viviam felizes para sempre… Nos dá a esperança de que em um passado remoto, a realidade do abuso e violência, fosse diferente da atual. Talvez, seja por isto que é tão difícil aceitar que estas representações não são reais, pois ao compreender desta forma, podemos chegar à conclusão de que somos, de certo modo, manipulados ou suscetíveis a manipulação. Mas será que somos? Sim e não. Sim, pois como dissemos, as produções são comerciais e vivem de audiência. Mostrar uma moça sendo abusada ou apenas o ladro negro da realeza iria causar mais desconforto do que diversão para o telespectador, pelo menos para a maioria. Não, pois se tivermos em mente que são apenas representações e buscarmos informações para além do que é mostrado, estaremos não somente ampliando o nosso conhecimento, mas também adquirindo na formação do nosso senso crítico.

Neste sentido, o compromisso do Tudor Brasil não está relacionado à desconstrução pela desconstrução. Mas, problematizar por meio de argumentos historicamente embasados. Assim, trazemos para os nossos leitores conhecimento histórico acessível. O nosso foco não é depreciar filmes e séries, mas ir além do que nos é mostrado pela cultura pop. Deste modo, o nosso compromisso é com a História e, claro, com os nossos leitores.

1 comentário Adicione o seu

  1. Helena Gouveia disse:

    fazem isso para poder atrair a atenção da mulherada, fazer o que? xD

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