[Antes de iniciar o artigo, sugerimos a leitura da Parte I]
Conforme visto anteriormente, Maria, ainda em vida, já sofria tentativas de deslegitimá-la devido ao ataque de sua imagem de boa rainha católica (propagandeada por seu governo) por protestantes opositores, exilados ou dentro da própria Inglaterra.
Fraca, monstruosa, cruel, tirânica, Jezebel, estrangeira, papista, estes foram apenas alguns dos adjetivos associados à figura política de Maria por seus inimigos políticos. Neste artigo, veremos como o trabalho de John Knox e a sua cruzada contra mulheres reinantes ajudou a moldar o imaginário de “Bloody Mary”.
Já sabemos que a misoginia foi uma das outras armas utilizadas para deslegitimar e degradar a figura política da rainha Mary. Porém, com John Knox adentramos um novo nível de misoginia, abertamente odiosa e que perseguia toda e qualquer mulher que detivesse algum tipo de poder na esfera política, especialmente aquelas que fossem rainhas reinantes católicas, como Mary I da Inglaterra, sua prima Mary I da Escócia e a mãe dela, regente do trono escocês, a francesa Marie de Guise.
A obra mais famosa de Knox é “The first blast of the trumpet against the monstruous regiment of women”, de 1558. Em seu trabalho, Knox basicamente associa as perseguições marianas aos “horrores” de um governo feminino, no caso inglês, de Maria I. Se anteriormente percebemos a tendência de associar a imagem de Maria a da figura bíblica de Jezebel, Knox vai ainda mais longe, e a interpreta como a própria Jezebel, algo próximo do que hoje nós diríamos como sendo a “própria reencarnação” da mesma.

A comparação mais interessante é quando refere-se ao que pensaria o filósofo Aristóteles ao ver uma mulher governante política. Knox, afirma que teria de explicar ao filosofo grego que o mundo foi tomado por “amazonas”, estas que de acordo com a mitologia grega, eram mulheres indomáveis e que negavam-se ao casamento ou a obediência masculina. Tudo isto vem de uma imagem muito comum da rainha Maria, que locomovia-se às audiências políticas no parlamento a cavalo, vestido uma coroa e um orbe.
Se primeiramente Maria foi taxada por protestantes, de fraca, Jezebel ou estrangeira, que importava-se apenas com seu marido, ela era agora associada, ainda que indiretamente, a um mundo de mulheres selvagens que confrontava a autoridade masculina.
Como já dissemos, a diferença crucial de Knox é que, ao contrário de seus companheiros protestantes exilados e que eram oposição religiosa e política à Mary, Knox não a ataca pessoalmente, mas sim a toda a instituição da monarquia de gênero. Para Knox, o problema em si não é Mary, mas sim as diversas rainhas reinantes, e católicas, em tronos espalhados pela Europa. Devemos recordar que a Idade Moderna teve várias mulheres de enorme destaque e relevância para a política na Europa e no mundo todo: No fim do século XV temos a avó de Mary, considerada por historiadores como a primeira rainha renascentista, Isabel I de Castela. Ao longo do século XVI temos Maria I e sua prima Mary Stuart, Catarina de Médici, Maria Pacheco “ a leoa de Castela”, Isabella de Avis, Marie de Guise, Elizabeth I, Margaret de Habsburgo, Hurrem e Nurbanu Sultanas do Império Otomano, a rainha Nzinga no continente Africano, A Malinche na América colonial. Deste modo, além destas, ainda podíamos apresentar inúmeros exemplos de mulheres com grande poder político, apenas no período do século XVI. De fato, o contexto foi significativo para o poder feminino, e contrastou com as concepções de Knox.

Obviamente que, dentro de um contexto misógino e estruturalmente patriarcal, todas as ideias de Knox tiveram terreno e aceitação dentro de seu círculo de pensamento. Tanto que Elizabeth I, ainda que protestante, não permitiu que a obra de Knox se espalhasse pela Inglaterra após a morte de sua irmã e tampouco permitiu o uso desta, como instrumento de respaldo a críticas à antiga rainha. Isto não significa que Elizabeth se importasse com a irmã e com a reputação dela, muito pelo contrário…
CONTINUA…
FONTES:
Lorin Scott. The Vilification of Mary Tudor: Religion, Politics, and Propaganda in Sixteenth-Century England, 2014.