Uma rainha, um governo: O reinado de Maria I

Realizar análises sobre figuras políticas e suas práticas de governo, é algo comum em pesquisas historiográficas. Entretanto, no caso de Maria, tais análises são repletas de preconceitos e alcunhas. Assim como analisamos nos artigos anteriores, o regime mariano sofreu uma ostensiva e feroz campanha para a destruição da imagem de Maria I enquanto monarca, orquestrada por exilados protestantes, que discordavam de sua postura religiosa. Após a morte de Maria I, sua irmã Elizabeth, investiu – ainda que de modo velado – em propagandas políticas por meio de panfletos veiculados no reino, com intuito de desqualificar sua governante anterior. Foi durante o reinado de Elizabeth I, que o livro de John Foxe “The book of Martyrs”, tornou-se amplamente difundido entre os ingleses. Esta obra, foi significativa para embasar a alcunha de ”Bloody Mary”, que se apregoaria séculos depois, na Inglaterra vitoriana. Em virtude deste aspecto, neste artigo, destacamos a relevância em conhecer a trajetória política de Maria I, no intuito de distinguir quem foi a mulher e governante, para além dos estereótipos e propagandas políticas em torno de sua figura.

Mary a pioneira política:

Não é equivocado mencionar que houve certo pioneirismo no regime mariano. Maria I foi uma monarca que não esqueceu suas origens: era filha e neta de reis. Tal como seu avô paterno, Henrique VII e sua avó materna, Isabel I, Maria lutou pelo trono, primeiramente negado pelo pai e depois, pelo irmão mais novo. A situação de uma mulher reinante (coroada e ungida) na Inglaterra, era de aspecto novo e totalmente instável. Na última ocasião em que o reino viu-se na perspectiva de possuir uma rainha reinante, o mesmo encontrava-se em um período de intensa guerra civil, conhecido como ‘Anarquia’. Deste modo, há de se imaginar que toda esta situação apresentava um novo contexto para os moldes monárquicos.

Além do fundo político, existia a crença de que mulheres eram intelectualmente inferiores a qualquer homem. Entretanto, Maria foi uma das princesas mais bem educadas de sua época. Sua mãe, Catarina de Aragão, teve um papel fundamental no modelo de educação feminina no inicio do período conhecido como o renascimento inglês. Antes de Catarina se tornar rainha consorte inglesa, princesas e nobres mulheres da Inglaterra, apenas conheciam o que era designado como as ‘artes femininas’ – dança, canto, costura e etc. Foi a partir de Catarina e por meio de suas ações, que a corte inglesa passou a investir na educação das mulheres.

Apenas outra consorte de Henrique VIII teve comprometimento similar em estimular a educação entre as mulheres, e este alguém foi Catarina Parr – sexta esposa do monarca. Catarina de Aragão e Catarina Parr, foram mulheres que realizaram ações que podem ser designadas como sendo de caráter protofeminista, isto é, ações que visavam beneficiar às mulheres, antes da existência dos movimentos feministas, séculos depois. Nenhuma outra esposa de Henrique, chegou tão perto de desempenhar tal papel, como estas duas mulheres.

Maria então se encontrou em meio a uma situação inédita na história inglesa, e precisava fortalecer a sua posição reinante a fim de conseguir exercer seu governo. Neste aspecto, temos a sua mais importante criação, isto é, a gynecocracia (monarquia desempenhada pelo sexo feminino) em solo inglês. Este modelo de governo, permitia não somente que uma mulher herdasse o trono e governasse, como também, exercer sua autoridade tal qual como qualquer monarca do sexo masculino antes dela. Foi graças a esta política que, Elizabeth, irmã de Maria, e outras quatro mulheres puderam sucedê-la no trono inglês.

 A política de casamento e a revolta de Wyatt:

Logo no início de seu reinado, Maria foi pressionada a exercer outros importantes papéis, o de se casar, formar alianças e fornecer ao reino, um herdeiro ao trono inglês. Algumas opções para a formação de uma aliança marital, estavam entre Edward de Counterney – um homem de sangue Plantageneta -, ou o príncipe Filipe da Espanha – herdeiro do imperador Carlos V. Ambos eram parentes da rainha. O primeiro, era uma opção doméstica e mais acessível, mas casamentos dentro do reino, nunca foram bem vistos – além de terem um histórico pouco próspero na Inglaterra – basta analisarmos o exemplo dos bisavós de Maria: Edward IV e Elizabeth Woodville e como o casamento de ambos rendeu problemas dinásticos e políticos ao reino.

Havia também, um importante detalhe por trás da união com Counterney: tanto o conselho, como os nobres, acreditavam que, por ser mulher, Maria não seria apta ou tampouco iria governar de facto, e por isso, deixaria para o conselho a responsabilidade de seu regime. Tal ideia se mostraria um equívoco. Como sabemos, Maria reuniu um exército e esteve disposta à lutar por seu direito como rainha reinante; logo, se a intenção de seu conselho era coroar Counterney como monarca, para que este governasse – fazendo com que Maria apenas preenchesse uma lacuna social como rainha – tal ideia estaria, desde o início, fadada ao fracasso.

A questão do matrimônio era uma pauta complicada. Todas as vezes em que tal assunto era mencionado em reunião junto ao conselho, Maria afirmava que já estava casada, e que seu consorte, era o reino da Inglaterra – conhecem alguém que também disso isso? Sim. Elizabeth I, inspirou-se na irmã ao expressar esta mesma frase. No entanto, a necessidade de um herdeiro católico para assumir a responsabilidade de estabilizar as mudanças que Maria ocasionara no reino, mostrou-se um aspecto mais importante. O escolhido então, foi Filipe – seu primo espanhol.

Todos os temores de uma sucessão feminina, afloraram após a escolha de um noivo estrangeiro. Quando perguntada se dividiria o governo com Filipe, Maria foi taxativa: fazia alusão que, caso o príncipe procurasse uma boa esposa, ele a encontraria nela, mas que, caso procurasse o governo da Inglaterra, isto ela jamais aprovaria.

Para que ocorresse um casamento sem problemas políticos, um contrato foi elaborado nos moldes para maior benefício da rainha inglesa. No contrato, ficou estabelecido que Filipe não teria poder político na Inglaterra. Seria uma versão consorte de Maria; isto obviamente, não agradou Filipe, porém, era o suficiente para seu pai, Carlos. Entretanto, Maria permitiu que seu esposo reformasse toda a marinha inglesa e organizasse os planos de guerra, articulações tipicamente masculinas, que fizeram com que o príncipe espanhol conquistasse um pouco de simpatia da nobreza inglesa.

Ainda que os termos de casamento fossem favoráveis à Maria e sua autoridade, nobres protestantes não aceitaram facilmente um matrimonio com um estrangeiro e muito menos com um herdeiro de um império católico. A revolta liderada por Thomas Wyatt – que contou com a participação do pai de Jane Grey – foi um duro golpe à uma rainha que recém ascendera ao trono. Ela foi aconselhada a retirar-se e permitir que as forças da coroa lidassem com a revolta, e a resposta dela não poderia ter sido outra; Maria disse que ficaria e lidaria de frente com os rebeldes. Seu discurso inflou a todos para defendê-la, sendo caracterizado por alguns historiadores, como um dos pontos mais fortes de seu reinado. A rainha sabia que palavras poderiam fazer toda a diferença nesse momento: –

“Eu sou vossa rainha, a quem, quando casei-me com o reino e as leis do mesmo (o anel esponsal do qual eu tenho no meu dedo, que nunca foi, e nunca será futuramente, retirado), vos prometeis fidelidade e obediência a mim….e eu vos digo que, na palavra de um príncipe, não posso, naturalmente, como uma mãe, dizer que amo meu filho, pois nunca fui mãe de qualquer; mas certamente, se um Príncipe e Governador pode tão naturalmente e sinceramente amar seus súditos como uma mãe ama ao seu filho, então garanto-vos que eu, sendo a sua dama e senhora, faço como sério e terno o amor que vos favoreço. E eu, amando-v0s assim, não posso deixar de pensar no vivo e fiel amor de vos a mim; e, seguidamente eu não duvido, que vamos dar a estes rebeldes uma curta e rápida derrubada”.

O fragmento acima exposto, revela parte do discurso de Maria em Guildhall, na ocasião da Revolta de Wyatt. A rainha mostrou seu anel de coroação – o mesmo que ela mostrara ao conselho antes de seu casamento. Desta forma, ela fazia novamente, uma clara alusão ao seu casamento com o reino da Inglaterra. Tal tática foi, posteriormente, muito utilizada por sua sucessora, Elizabeth I.

Era a primeira vez que Maria recebia uma resposta negativa à alguma de suas decisões políticas. Como detentora de um corpo político que não tinha sexo, a resposta dela deveria ser dura e dar exemplo – ainda que, pessoalmente ela não concordasse. É dito que Maria pensava em perdoar alguns dos rebeldes, mas foi fortemente criticada por seu conselho. A partir da revolta de Wyatt, não houve leniência ou misericórdia, como aconteceu na luta pelo trono. Deste modo, os líderes e figuras políticas foram executados, instaurando-se o que seria o começo da perseguição religiosa em seu regime.

Política religiosa: O retorno às políticas de Henrique VIII e as perseguições marianas:

É um tanto limitado compreender perseguições religiosas e o próprio processo da inquisição, como uma questão de caráter meramente religioso. Na Espanha dos avós de Maria, a inquisição foi utilizada como arma política para retirar a riqueza e bens das mãos dos judeus. O reino de Castela e Aragão, estava envolto em corrupção e monopólio de riquezas por habitantes locais. Coube aos reis católicos, constituir uma única religião, haja vista que, na região da Espanha, havia a presença de várias culturas, sobretudo, judeus e muçulmanos.

Na Inglaterra de Maria – pós-revolta de Wyatt -, era necessário mostrar que, a rainha, igualmente investida na autoridade de um rei, possuía coragem e não toleraria qualquer tipo de insurreição contra sua figura política. Sendo a maioria de seus líderes protestantes, era necessário, no entendimento do governo de Maria, que se instaurasse um tribunal com o intuito de investigar possíveis conexões religiosas com a política. Maria então (a contra-gosto), mantém o título de suprema chefe da Igreja da Inglaterra.

No início do reinado de Maria, a mesma reverte os atos de uniformidade promulgados durante o regime eduardiano, voltando-os para o molde do regime henricano pós-reforma. Com a suspensão do segundo ato de uniformidade de Eduardo VI, as missas foram restauradas na Inglaterra. Ademais, a rainha estimulou a educação dos jovens sacerdotes, a fim de fortalecer a pregação nas igrejas e torná-los preparados para servir a Deus e ao reino. Isto porque, uma das principais críticas de Maria, era o despreparo do sacerdócio católico. A música eclesiástica também teve grande importância em sua Corte, que “amadrinhou” diversos músicos religiosos. Maria era uma exímia musicista e como uma princesa educada segundo o humanismo do período, investiu muito nas artes.

O objetivo de Maria era claro, a reorganização do clero inglês, e para tal tarefa, ela possuía o apoio de seu primo plantageneta, Cardial Pole. Entretanto, não possuía o apoio do Papa Paulo IV, que era contrário ao poder Habsburgo. Não era incomum que a rainha inglesa entrasse em conflito com o Papa, desavenças estas, que eram mediadas por Pole. Na época da morte de Maria, é dito que o papa comemorou, acreditando que sua sucessora, Elizabeth, seria uma monarca ”mais fácil de lidar”.

As perseguições marianas, ainda que terríveis aos olhos atuais, eram relativamente comuns na Europa naquele período doutrinariamente dividido. Em realidade, Maria compartilhou a visão da maioria dos grupos cristãos que – munidos do ensino e pregação de tal doutrina – acreditava que a heresia quando cometida, deveria ser suprimida e seus hereges mais obstinados, punidos na fogueira. Anteriormente ao seu reinado, seu pai, Henrique VIII, executou cerca de 72.000 pessoas, protestantes e católicos. Eduardo VI tornou-se um ferrenho protestante (com ideais que beiravam o calvinismo) e proibiu tudo que fosse relacionado ao catolicismo em seu reino. Há de se recordar também que, a concepção da punição na fogueira, como um castigo apropriado para hereges, era uma visão compartilhada por tantas das mais eminentes vítimas de Maria I (incluindo Thomas Cranmer, outrora Arcebispo de Canterbury), que morreram por sua fé, durante seu reinado. Em outras palavras, era menos a punição per se, e mais a definição de heresia, a grande questão contestada no período.

No início de seu reinado, Maria pregou a paz e não indicava nenhum tipo de perseguição à fé protestante. A ideia de que a rainha era intolerante religiosamente, é uma leitura posterior à sua morte. Maria dava-se muito bem com algumas pessoas protestantes, o maior exemplo disso, foi sua relação com Catarina Parr, ultima esposa de Henrique e organizadora de diversos salões protestantes na Inglaterra. O credo religioso de Catarina Parr, não impediu que ambas fossem amigas e que, Catarina homenageasse sua enteada mais velha, nomeando sua filha, Maria Seymour.

A rainha Elizabeth I, também perseguiu católicos após a revolta dos Condes, em 1569. Além disso, tudo que fosse relacionado ao catolicismo, era compreendido como espionagem e traição. Durante o reinado de Elizabeth I, a leitura do que compreendia-se como heresia, foi alterada, recebendo o nome de traição (mas ainda mantendo os mesmos autos acusatórios), e as execuções na fogueira, foram alteradas para a forca. Isso pode ter ocorrido, em parte, devido ao impacto da obra de John Knox  (1514 – 1572), reformador escocês, que no início do reinado de Elizabeth I, escreveu uma obra de grande impacto na Europa, intitulada ”The Actes and Monuments of These Latter and Perilous Dayes”. Foxe era um conhecido defensor da (minoritária) visão de que, até mesmo os hereges obstinados não deveriam ser queimados, além de questionar o caráter de heresia como fator acusatório. O termo heresia, alterado para traição durante o reinado de Elizabeth I, também ajudou a firmar a crença de que os acusados católicos eram, de amplo modo, antipatrióticos, se não, os verdadeiros traidores. Por conseguinte, o vínculo entre catolicismo e traição, era obtido através de uma mensagem realizada de modo mais explícito, muitas vezes por proclamação. Mesmo diante deste contexto acima levantado, as perseguições de outros monarcas ingleses (menos as de Maria), são relativizadas por serem associadas com questões políticas; um grande equívoco de leitura política.

Políticas dos anos de reinado:

Durante os cinco anos que reinou na Inglaterra, coube a Maria o trabalho de abrir precedentes para alguns eventos ocorridos no reino. Dentre eles, podemos destacar as seguintes ações políticas:

  • A criação da gynecocracia na Inglaterra, que permitia a sucessão de mulheres ao trono inglês, com o mesmo status e autoridade que a de um monarca do sexo masculino; 
  • A aliança com os Habsburgos, no qual existia a crença de que a Inglaterra lideraria diante de uma união ao império.

Ainda assim, ao contrário do que se imagina, houve outras políticas de grande abrangência no período de Maria, que quase sempre, são “ocultadas” pela historiografia protestante inglesa, que visa desqualificar a imagem desta monarca:

  • Extensão do poder real a outras localidades do reino;
  • Bom trabalho e direcionamento com o Parlamento inglês;
  • Reorganização e investimento na marinha e no exercito;
  • Reformas monetárias de 1558, reestruturando a economia inglesa;
  • Abertura ou fretamento de comércio com os mercados e companhias da Guinea, Báltico e Rússia, fortalecendo a Muscovy Company, em 1558;
  • Investimento na produção de manufaturas do mercado inglês;
  • Criação de 5 novos hospitais;
  • Doações generosas que salvaram a Oxford College;
  • Alto investimento nas artes e na cultura.

De 1553 a 1558, o reinado de Maria possuiu uma extensa e próspera agenda política, em todas as áreas acima citadas. Porém, com seu falecimento precoce – com apenas cinco anos de reinado – e a falta de um herdeiro, o regime mariano sofreu desqualificação de sua imagem em período posterior. O que chega ao leitor atualmente, acerca do reinado de Maria I, são as perseguições promovidas durante seu regime. Deste modo, é preciso ressaltar que, para compreender melhor o caráter do regime mariano inglês, é necessário sair do senso comum apregoado, tanto pela historiografia inglesa posterior (de caráter protestante), quanto pelas produções cinematográficas e livros didáticos com metodologias e análises ultrapassadas. Ademais, também é necessário aprofundar as pesquisas para além da propaganda política realizada após o reinado de Elizabeth I.

  • A guerra com a França e a morte:

    Não era desejo de Maria e seu conselho, entrar em guerra ao lado da Espanha, contra a França. É de conhecimento comum que a França e Espanha eram inimigos antigos – afinal, ter a França como inimiga política, era uma prática comum entre os reinos europeus.  No entanto, a Inglaterra passava por um contexto desfavorável. Maria ainda não havia concebido um herdeiro, contando apenas com um histórico de gestações psicossomáticas. Filipe, por sua vez, estava ficando cansado de seu papel figurativo de monarca, pressionando sua esposa a coroá-lo e a participar da guerra contra a França.A rainha usava de todo seu poder para lembrá-lo que o parlamento jamais aceitaria que o mesmo fosse coroado, tampouco entraria em uma guerra sem um motivo plausível. No entanto, após os ingleses receberem provas de que, aparentemente, o monarca francês conversara e demonstrara apoio a Sttaford – um nobre inglês -, para que o mesmo reivindicasse o trono da Inglaterra como legítimo herdeiro, a coroa inglesa mudou de ideia e entrou na guerra ao lado da Espanha. O resultado disso – além de algumas pequenas vitórias – foi uma derrota que tirou da posse da coroa inglesa, o território de Calais.

    Sobre a perda de Calais, é necessário salientar alguns importantes aspectos:

    – O território onde compreende-se Calais, era um porto dispendioso para a Inglaterra, desde a Guerra dos Cem Anos. Deste modo, com o desfecho do conflito, em 1453, o então monarca francês, Carlos VII, sequer tentou obter o porto novamente – tendo em vista que o mesmo tentou recuperar província por província da posse inglesa.

    – A perda de Calais, no entanto, foi um forte golpe ao orgulho inglês, especialmente no que tange o poder monárquico – uma vez que, com tal posse, os monarcas ingleses poderiam se intitular reis da França.

    – Um aspecto inicial importante relativo à perda de Calais do território inglês, era o trajeto da lã inglesa, que ia de Dover, seguindo pelo porto local para ser exportada. No entanto, o comércio da lã logo foi restaurado, seguindo outro trajeto de exportação.

    – Devido ao seu dispendioso custo para com a coroa, ao ascender ao trono inglês, Elizabeth I, sequer fez menção de tentar recuperar o território perdido.

No entanto, a perda de Calais foi constantemente utilizada – junto de outros fatores – para desfavorecer a última etapa do reinado de Maria I. Junto com o surto de gripe que assolou o reino, às más condições climáticas que impediam que colheitas prosperassem, os gastos com a guerra e a não gestação de Maria – além das mudanças religiosas e anti-propagandas de protestantes exilados – temos um panorama da situação que a penúltima monarca Tudor se encontrava.

Morte e o legado a Elizabeth:

O governo da Rainha Maria I foi breve. Sua morte em 1558, coibiu a conclusão de muitas de suas políticas iniciadas durante seu regime (algumas delas, foram incorporadas por Elizabeth I).
De acordo com a historiadora inglesa, Anna Whitelock, todas as situações acima citadas, eram de fácil revés; no entanto, Maria faleceu no ápice de todo esse desfavorável cenário, o que dificultou sua memória política. Durante o regime elizabetano, a irmã de Maria também ajudou a incentivar panfletos e anti-propagandas acerca do reinado ou reputação de sua irmã enquanto monarca católica. Elizabeth também fazia alusão à figura de sua irmã, como sendo o oposto da sua – dispositivo político que ajudaria a reforçar o ideal protestante propagado durante seu regime. Porém, de acordo com Whitelock, na coletânea de ensaios, intitulada ‘Tudor Queenship: The Reigns of Mary and Elizabeth (Queenship and Power)’, os reinados destas duas mulheres, tem de ser vistos e pensados, menos sobre binarismos e mais sobre continuidades, uma vez que Elizabeth, em muito, copiou as estratégias políticas de sua irmã. Dentre elas, podemos destacar:

  • Em sua cerimônia de coroação, Elizabeth adotou vários aspectos inspirados em sua irmã mais velha, como por exemplo, o lema: “ Veritas Temporis Filia”, utilizando também as mesmas vestimentas que a irmã havia utilizado em sua coroação em 1553; 
  • Elizabeth em muito espelhou-se nos discursos de Maria, que eram cheios de paixão e palavras de efeito; 
  • Elizabeth utilizou a mesma linguagem de reinado que Maria havia criado como estratégia política: mãe de seu povo, a mulher forte, a boa rainha; 
  • “O casamento com a Inglaterra” foi um termo primeiro utilizado por Maria, e depois copiado por Elizabeth; 
  • O investimento nas artes. Essa área havia ficado um pouco carente no período de Eduardo VI e foi Maria I que restabeleceu o investimento nas artes, no qual, Elizabeth deu continuidade; 
  • A continuidade da política monetária de 1558 que ajudaria a economia inglesa.

A imagem de Maria foi desqualificada, desgastada e associada a tudo que tivesse caráter negativo, inicialmente pela ostensiva campanha política no reinado sua irmã, Elizabeth I, e depois, pela historiografia inglesa de caráter protestante, como por exemplo, pelo historiador escocês, Gilbert Burnet, em sua amplamente difundida obra, intitulada ‘The History of the Reformation’. De acordo com Whitelock, enquanto Elizabeth foi vista como a mãe de sua nação, o farol que guiou o povo ao protestantismo, Maria foi vista como uma católica fanática e perseguidora religiosa – este último aspecto, foi intensificado nos governos posteriores, após o final da dinastia Tudor.

A construção da imagem de Maria I como uma monarca sanguinária, não deveu-se ao fato de a mesma perseguir protestantes, em um período onde divergências religiosas eram comuns no continente europeu; sua imagem como rainha sanguinária, foi habilmente construída e utilizada através do tempo, porque a mesma era uma figura oportuna (e também de mulher, católica e filha de mãe espanhola), para servir de exemplo histórico, a fim de que jamais outro monarca católico, ousasse sentar-se no trono da Inglaterra novamente.

Fontes:
SCOTT, Lorin. The Vilification of Mary Tudor: Religion, Politics, and Propaganda in Sixteenth-Century England, 2014.

RICHARDS, Judith. Mary Tudor as ‘Sole Quene? Gendering Tudor Monarchy, 1997.

RICHARDS, Judit. Examples and admonitions: What mary demonstrated for Wlizabeth in Tudor Queenship: the reigns of Mary and Elizabeth. 2010.

WHITELOCK, Anna. Princess, Bastard and Queen. 2009.

HISTORY BBC. How bloody is Mary?. 2006.

WHITELOCK, Anna. Tudor Queenship: The Reigns of Mary and Elizabeth (Queenship and Power). 2010.

DORAN. Susan. Mary Tudor: Old and New Perspectives. 2011.

 

5 comentários Adicione o seu

  1. roberta fernanda disse:

    grande rainha. A minha preferida… texto excelente!!!

    1. Tudor Brasil disse:

      Fico feliz que tenha gostado Roberta. Seja bem-vinda! 🙂

      1. roberta fernanda disse:

        eu acompanho sempre o Tudor Brasil e amo os textos,principalmente sobre Maria I,minha predileta,ate me identifico com ela…

      2. Tudor Brasil disse:

        Que bom Roberta, fico muito feliz! ❤

  2. Rochelly Petrola disse:

    Mano não sabia que o reinado da Mary tinha sido assim. A imagem que passam é que ela era uma sociopata que gostava de ver gente queimar e odiava a irmã. Acredito que ela e a Elizabeth tinham muitas coisas parecidas e possuiam uma relação complicada. Porém, que não se odiavam fervorosamente. Amei ver que a Mary não é essa pessoa terrível.

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