Recentemente, em especial devido ao lançamento do filme ”As Sufragistas” o interesse pela história da mulher na política cresceu. Podemos acrescentar ainda, a profusão de movimentos feministas que a cada dia amplia o debate sobre a necessidade da mulher posicionar-se ativamente. A produção citada trata do movimento sufragista inglês que se intensificou no início do século XX. Em vista disso, achamos que seria importante trazer para os nossos leitores informações sobre como se deu a participação das mulheres brasileiras na política. Isto é, neste artigo temos por objetivo responder ao questionamento: Quando e como foi realizado o movimento sufragista no Brasil?
Ainda hoje, não é difícil perceber que em termos comparativos, existe um número maior de homens do que de mulheres na política. Este panorama é nítido quando acompanhamos processos eleitorais e comprovamos que a participação feminina ainda é inferior à masculina. Mesmo partidos que se intitulam como representantes das ‘vozes’ femininas ainda possuem, em sua constituição, mais homens do que mulheres. Estranho, não? Pois bem, esta realidade já foi pior, pois durante séculos a presença da mulher na disputa por cargos políticos e no exercício do voto quando não era permitida era desestimulada.
A palavra sufrágio remete ao direito de participação nos processos eleitorais, seja por meio do acesso ao voto, seja a partir indicação enquanto candidato a um cargo público representativo. Nesse sentido, o movimento sufragista feminino refere-se às lutas realizadas a fim de conquistar o direito de participar das decisões políticas. O movimento brasileiro esteve vinculado e foi influenciado pelos vários movimentos sufragistas realizados, sobretudo, na Europa e nos Estados Unidos. Desde o século XIX reivindicações em torno da possibilidade da mulher usufruir da escolha dos seus representantes eram sentidas. Este panorama esteve associado tanto ao contato de intelectuais brasileiras e mulheres mais abastadas com líderes de ações sufragistas no exterior, quanto em virtude das alterações na estrutura sócio-econômica brasileira.
No início do século XX o Brasil passava por profundas mudanças sociais, políticas e econômicas. Com o fim do sistema monárquico e com a implantação do Regime Republicano a necessidade de rompimento com os ‘velhos’ moldes de fazer política esteve presente. Na medida em que o país passava pelo processo de urbanização, paulatinamente, a mulher era integrada ao mundo do trabalho. Apesar de ocupar majoritariamente cargos subalternos e com baixos salários, aos poucos, despontava o interesse em ter acesso a espaços apenas frequentados pelos homens, dentre eles, a política ganhou relevo.
Desta forma, podemos entender o movimento sufragista feminino como o despertar para a consciência política, isto é, a luta pelo direito de representar e serem representadas. Esta luta pela participação nas decisões políticas está atrelada a própria lutar da mulher por conduzir a sua vida e seu destino. Algumas precursoras contribuíram para a gestação de movimentos encabeçados por mulheres. Dentre elas, podemos citar a abolicionista Nilsa Floresta (1850) natural do Rio Grande do Norte e, Violante Bivar e Velasco, responsável por fundar o impresso “O Jornal das Senhoras” (1852), o primeiro jornal dirigido por mulheres no estado da Bahia. Podemos ainda fazer menção a mineira Francisca Senhorinha da Motta Diniz que, em 1873 criou o jornal “O sexo feminino”. O referido jornal reivindicava o direito ao voto e apresentava-se como feminista.

As pioneiras manifestações femininas com o fito de alcançar o direito ao voto se deram entre mulheres provenientes de famílias ricas, em maior medida, a partir volta de 1880. Mulheres cultas oriundas de famílias com boas condições financeiras e que tiveram acesso a educação e formação, inclusive no exterior. No universo masculino ter a oportunidade de graduar-se em Direito era um caminho comum para ingressar na carreira política. Todavia, as poucas mulheres que tiveram a oportunidade de terem acesso a um curso superior, quando graduadas no mesmo curso, se viam ora a mercê da dificuldade de atuar (afinal, em um contexto onde a primazia no trabalho era dos homens, quem contrataria os serviços de uma advogada?), ora sequer tinham quaisquer apoio para seguir carreira política. Neste contexto, o mundo da política não era considerado como ‘adequado’ para as mulheres.
Mulheres cultas frequentavam os espaços onde a política era discutida na maioria das vezes acompanhadas do pai ou do marido. A partir da Proclamação da República, sob os auspícios da democracia recém instaurada despontou o interesse em dar voz a reivindicações de cunho liberal e democrático. A mulher desejava alcançar a sua emancipação. Todavia, conquistar esse objetivo não era uma tarefa fácil. Não podemos deixar de considerar que, mesmo ao adentrar ao sistema republicano, o universo do lar era a principal opção para as mulheres. Vivíamos em uma sociedade patriarcal.
No entanto, ao contrário do que ocorreu em vários países da Europa, como Inglaterra e Portugal, no Brasil, as primeiras ações voltadas à reivindicação pelo acesso voto por mulheres foram encabeçadas por homens. Uma primeira discussão foi realizada no Congresso Nacional em 1891, ocasião em que alguns deputados demonstraram interesse em estender o direito ao voto às mulheres que tivessem diploma de curso superior e não fossem tuteladas pelos pais. Mas, a atitude foi taxada de anarquista sob os argumentos de que a mulher além de ser um sexo inferior, esta ação poderia resultar no fim da família.
Ainda em 1891 o constituinte Almeida Nogueira argumentou sobre a necessidade de a vindoura Constituição garantir claramente o sufrágio universal as mulheres. Isto porque, a legislação existente não restringia o acesso ao voto as mulheres, todavia, também não expressava claramente o direito de exercê-lo. Podemos apresentar várias hipóteses que explicariam os motivos pelos quais a mulher não exercia o direito ao voto, apesar de não haver indicações que proibiam. Podemos elencar a ordem social vigente, pois o papel da mulher brasileira no século XIX era voltado para a vida doméstica, para o cuidado com a família e para as tarefas do lar.
Poucas eram as mulheres que exerciam atividades profissionais fora do espaço doméstico. As principais profissões estavam ligadas ao cuidado de outras residências, como empregadas, ajudantes no comércio e outras atividades relacionadas. Mesmo aquelas que eram oriundas de famílias de posses, muitas vezes não lhes eram permitido o direito ao trabalho, pois não conduziam suas próprias vidas, sendo vigiadas e controladas pelas suas famílias, pais e maridos. As que tiveram a permissão para trabalhar ocupavam cargos que eram considerados como respeitáveis, como por exemplo, secretárias e professoras. A vida da mulher era controlada e seu universo era restrito. Apesar de não haver indicação quanto à restrição do direito ao voto, as mulheres simplesmente não eram estimuladas e, provavelmente desconheciam os ditames do que estava impresso na Constituição… afinal, este não era um mundo considerado o ‘ideal’ para as mulheres. Em uma sociedade cuja misoginia se fazia presente como elemento das relações entre homens e mulheres, o direito ao voto era considerado por si só somente uma prerrogativa exclusiva aos homens.
No decurso do ano de 1891 outros homens atuaram diretamente na discussão sobre a necessidade de inclusão da mulher na seara política. O republicano José Lopes Trovão foi defensor do sufrágio feminino. Entretanto, suas ações no sentido de fomentar a discussão foram contestadas pela maioria no Congresso. O deputado Saldanha Marinho no decurso da elaboração da Constituição de 1891 elaborou uma ementa no qual conferia o direito ao voto a todas as mulheres brasileiras. Apesar de conseguir que trinta e um constituintes assinassem a emenda, a mesma foi reprovada. A pesquisadora Sônia Maria D’Alckimin faz referência aos seguintes nomes que foram favoráveis a emenda: Nilo Peçanha, Érico Coelho, Índio do Brasil, César Zama, Godofredo Lamounier e Hermes da Fonseca. Destes nomes, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca se tornaram posteriormente presidentes da República. Outros nomes importantes da política brasileira apoiaram o movimento, dentre eles Rui Barbosa e Barão do Rio Branco. D’Alckimin explica que foi tensa a reação daqueles que apoiavam o sufrágio diante da reprovação da emenda. Em meio a situação, houve deputados que reforçavam argumentos contrários e a favor:

Na sessão de 27 de janeiro de 1891, o deputado Pedro Américo denunciou: “A maioria do Congresso Constituinte, apesar da brilhante e vigorosa dialética exibida em prol da mulher-votante, não quis a responsabilidade de arrastar para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano”.
Coelho Campos foi mais radical em seu pronunciamento: “É assunto de que não cogito; o que afirmo é que minha mulher não irá votar”.
O Constituinte e defensor da Cidadania para a mulher brasileira, César Zama, em discurso afirmou: “Bastará que qualquer país importante da Europa confira-lhes direitos políticos e nós o imitaremos. Temos o nosso fraco pela imitação”. (D’ALCKIMIN, p.04)
Mediante a análise da Constituição de 1891, do qual apresentaremos um fragmento adiante, não identificamos qualquer termo que permite a participação feminina. Paradoxalmente, no texto da Constituição não há referência quanto à proibição da participação da mulher nos processos eleitorais:
1º) Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados:
1º) os mendigos;
2º) os analfabetos;
3º) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior;
4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade Individual.”
Mesmo sem estar expressa claramente a impossibilidade de participar dos pleitos eleitorais, a mulher ainda não exercia o direito político. Outras iniciativas foram realizadas, ainda que por homens, durante o começo da Primeira República. O deputado Maurício de Lacerda, no ano de 1917, elaborou uma emenda com a finalidade de anexar junto aos ditames da Lei Eleitoral. Esta emenda tinha como objetivo permitir a participação feminina ao voto a partir dos 21 anos. A iniciativa não foi aprovada pela Comissão da Justiça, cujo relator Afrânio de Mello Franco, ao comunicar a decisão reforçou a contrariedade quanto a extensão direito as mulheres: “As próprias mulheres brasileiras, em sua grande maioria, recusariam o exercício do direito de voto político, se este lhes fosse concedido”. (D’ALCKIMIN, p.05)
Em 1919 o senador do estado do Pará, Justo Leite Chermont elaborou um projeto de lei com o fito de conceder o direto ao voto às mulheres. A discussão deste projeto apenas se deu em 1921, e, apesar de ter sido aprovado, posteriormente, acabou por cair no esquecimento.

As duas primeiras décadas do século XX, conforme expressamos no início deste artigo podem ser caracterizadas por constantes transformações na sociedade brasileira. Intelectuais e a classe média influenciados pelos movimentos políticos no exterior ampliavam o desejo pela representação política e pelo rompimento com o pensamento tradicional. Nesse ínterim intelectuais brasileiras passaram a organizar o movimento sufragista.O protagonismo feminino despontou em meio a essa profusão de iniciativas masculinas. A bióloga paulista Bertha Maria Júlia Luz (1894-1976), que realizou seus estudos na França, ao regressar para o Brasil em 1919 trouxe consigo os ideais do movimento sufragista que circundava na sociedade parisiense e na Europa. Em contato com a militante anarquista Maria Lacerda de Moura ambas criaram a “Liga de Emancipação Intelectual da Mulher” que, em 1922 passou a ser conhecida como Federação pelo Progresso Feminino. Bertha hoje é conhecida como uma das pioneiras organizar e participar ativamente de movimentos feministas no Brasil.
Continua…
Qual é o link para a segunda parte? Estava tão bom… Queria continuar lendo…
Gostaria de sugerir a produção de um texto sobre o papel da mulher na arte cinematográfica. Segundo já li muitos filmes são taxados de machistas etc e são de épocas onde o mesmo era praticamente normal. Fico confusa com relação ao anacronismo numa determinada obra antiga. Filmes antigos refletem os valores de uma época passada? Não é mais preocupante obras do século XXI serem de cunho machista? Acho o tema polêmico e interessante num mundo cada vez mais globalizado onde a mulher possui inúmeras conquistas e também muitas outras a realizar.