Refém de um audacioso enlace conspiratório, vítima de sua própria língua afiada, ou simplesmente culpada das acusações? Neste artigo, tentamos descobrir a verdadeira razão pela qual Henrique VIII enviou sua segunda esposa, Ana Bolena, rumo ao cadafalso.
Na manhã do dia 19 de Maio de 1536, Ana Bolena subiu as escadas do andaime erguido sobre a Torre Verde, dentro do complexo da Torre de Londres. Ela proferiu um discurso elogioso sobre a bondade e misericórdia do Rei, pedindo aos presentes para que orassem por ela. Em seguida, ela retirou sua elegante capa de arminho, ajoelhou-se, e o dispendioso carrasco francês que Henrique VIII contratou, ergueu sua espada e dividiu seu longo pescoço em um único golpe.
A morte de Ana é tão familiar para nós, que torna-se difícil compreender o quão chocante isto deve ter sido na época: a rainha da Inglaterra executada sob a acusação de incesto, adultério e por conspirar a morte do rei. E não era qualquer Rainha: esta era a mulher por quem Henrique VIII havia abandonado Catarina de Aragão, sua esposa por quase 24 anos, esperando sete longos anos para contrair matrimônio e criando uma rede de intrigas e revoltas que transcenderiam seu próprio reino. No entanto, apenas três anos após oficializar tal união, o corpo de Ana jazia frio abaixo de um túmulo sem nome e o motivo de sua morte, permanece sendo um dos grandes mistérios da história inglesa.
Existe uma grande discordância entre os historiadores, sobre o real motivo pelo qual a Rainha teve que morrer. Havia por acaso a relação de Henrique e Ana, entrado em declínio terminal, o que levou o soberano a inventar acusações contra sua esposa? Teria sido Thomas Cromwell o responsável por sua morte? Ou a rainha era, de fato culpada das acusações apresentadas contra ela? Nosso leque de evidências é limitado – no entanto, existem dados o suficiente, para apoiar inúmeras conclusões diferentes.
Há uma série de fatos incontestáveis relacionados à queda de Ana. No domingo, 30 de abril de 1536, Mark Smeaton, um músico da casa da rainha, foi preso; Ele foi então interrogado na casa de Cromwell, em Stepney. Na mesma noite o rei adiou uma viagem com Ana para Calais, prevista para o dia 2 de Maio.
No dia seguinte, 01 de Maio, Smeaton foi transferido para a Torre. Henrique participou das justas de Maio em Greenwich, mas saiu abruptamente a cavalo, seguido por um grupo de pessoas íntimas. Estes incluíram Sir Henry Norris, servo pessoal e um de seus amigos mais próximos, a quem ele interrogou durante toda a viagem. Na madrugada do dia seguinte, Norris foi levado à Torre. Ana e seu irmão George, Lord Rochford, também foram presos.

Nos dias 4 e 5 de Maio, mais cortesãos da câmara privada do Rei – William Brereton, Richard Page, Francis Weston, Thomas Wyatt e Francis Bryan – foram presos. Este último foi interrogado e liberado, mas os outros foram mantidos na Torre. Em 10 de maio, um grande júri indiciou todos os acusados, além de Page e Wyatt.
Em 12 de Maio, Smeaton, Brereton, Weston e Norris foram julgados e condenados culpados de cometer adultério com a rainha, e de conspirar a morte do rei. Em 15 de maio, Ana e Rochford foram julgados dentro da Torre por uma corte de 26 nobres presidida por seu tio, o Duque de Norfolk. Ambos foram considerados culpados de alta traição. Em 17 de maio o Arcebispo Thomas Cranmer declarou o casamento de Henrique e Ana nulo, e até o dia 19 de Maio, todos os seis condenados foram executados. Mais tarde naquele dia, Cranmer emitiu uma dispensa permitindo que o monarca e Jane Seymour contraíssem matrimônio; eles ficaram noivos em 20 de Maio e 10 dias depois se casaram.
O que poderia explicar esta rápida e surpreendente virada de eventos? A primeira teoria, discutida por GW Bernard, biografo e estudioso de Ana, é que ela simplesmente era culpada das acusações feitas contra ela. No entanto, mesmo que ele estivesse equivocado, sugerindo o veredicto legal escocês de ”não provado”– ele conclui que, embora a evidência seja insuficiente para provar definitivamente que Ana e os acusados com ela fossem culpados, tampouco prova sua inocência.
A culpa de Ana foi, naturalmente, a linha oficial. Escrevendo para o bispo de Winchester, Stephen Gardiner, Cromwell afirma com certeza – antes do julgamento de Ana – que “a vida incontinente da rainha era tão luxuriante e vulgar, que as damas de sua câmara privada não podiam escondê-la.”
A peça-chave das provas foi, sem dúvida, a confissão fornecida pelo primeiro homem acusado, Smeaton, de que havia mantido relações sexuais com a rainha por três vezes. Apesar de esta, ter sido provavelmente obtida sob tortura (os registros variam), ele nunca retirou sua confissão. Embora improvável de ser verdadeiro, isto catapultou o inquérito a um nível diferente e muito mais grave. Todas as evidências subsequentes foram contaminadas com uma presunção de culpa. O questionamento íntimo de Henrique VIII a Norris, seguido de sua promessa de “perdão, caso ele proferisse a verdade”, deve ser compreendida sob esta luz: o que quer que Norris disse, ou recusou-se a dizer, apenas reforçou a convicção de sua culpa para Henrique.
Outra evidência da culpa de Ana é incerta – os documentos do julgamento não sobreviveram. Sua acusação, no entanto, aponta que Ana ”falsa e traiçoeiramente buscou por conversas, beijos, toques, presentes e outras infames incitações, dirigidas aos serventes diários e familiares do rei, para ser sua adultera e concubina, de modo que vários renderam-se as suas vis provocações. Ela inclusive (isso varia) ”procurou e incitou seu próprio irmão natural à violá-la, atraindo-o com sua língua na boca de George e a dela na sua’’. No entanto, como outro biógrafo de Bolena, Eric Ives observou que, três quartos das acusações específicas de ligações adúlteras realizadas nos autos, podem ser desacreditadas mesmo hoje, 500 anos depois.
Legítima e Verdadeira Esposa:
Ana certamente manteve sua inocência. Durante sua prisão, Sir William Kingston, guarda da Torre, noticiou os comentários dela para Cromwell. Sua primeira carta detalha a ardente declaração de inocência de Ana: “Eu sou tão transparente de minha lealdade quanto do pecado… Assim como sou clara a ti e legítima esposa do Rei.”
Poucos dias depois, Ana confortou-se de que teria justiça: “Ela disse que se alguém a acusar nada pode dizer e não pode trazer nenhuma testemunha.” Fundamentalmente, a noite antes de sua execução, ela jurou “a perigo da condenação de sua alma”, antes e após receber a Eucaristia, que era inocente – um ato grave caso fosse mentira, uma vez que era fruto de um período e contexto altamente religioso.
Ana não foi a única em professar sua inocência. Como Sir Edward Baynton mencionou: “Nenhum homem vai confessar qualquer coisa contra ela, a não ser Mark.” E mesmo Eustace Chapuys, Embaixador para o Imperador Carlos de V e arqui-inimigo de Ana, concluiria que todos, inclusive Smeaton, foram: “condenados mediante presunções e certas indicações, sem prova ou confissões válidas”.
Outro grupo de historiadores têm favorecido a explicação de que Ana foi vítima de uma conspiração forjada por Thomas Cromwell e uma facção da Corte envolvendo os Seymours. Esta teoria repousa na concepção de que Henrique era um monarca flexível, cujo os cortesãos poderiam inseri-lo em uma ação e coloca-lo em uma crise a fim de rejeitar Ana. Mas por que Ana e Cromwell, antigos aliados de tendências reformistas, iriam ficar um contra o outro? Muitos acreditam que as diferenças de opinião surgiram sobre como os fundos resultantes da dissolução dos monastérios seriam geridos, bem como assuntos de política externa – motivos aparentemente delicados para destruir uma Rainha.

Tem sido sugerido que a facção de Cromwell na Corte, tinha como objetivo, substituí-la por Jane Seymour. Chapuys mencionou Jane em uma carta de 10 de Fevereiro de 1536, relatando que Henrique havia enviado à ela, uma bolsa cheia de presentes, acompanhada de uma carta. Ela não abriu a carta, que – segundo Ives especulou – continha uma intimação para o leito real. Em vez disso, ela a beijou e devolveu, pedindo que o mensageiro dissesse ao Rei que “não havia tesouro neste mundo que ela valorizava tanto quanto sua honra”, e que caso o monarca a quisesse presentear, ela implorava poder ser em ”um momento em que Deus pudesse agracia-la com algum vantajoso casamento’’.
Tal resposta calculada é uma reminiscência de Ana durante os dias de seu namoro com Henrique. Em resposta a timidez de Jane, foi dito que o amor de Henrique por ela “aumentou maravilhosamente”. No entanto, ela foi descrita como uma dama a quem o Rei “serve” – um termo do ”amor cortês” que implica que ele a procurava como amante. Há pouca evidência de que, antes de Ana ser acusada de adultério, Henrique tenha planejado tomá-la como esposa. O casamento com Jane foi, certamente, um sintoma e produto da queda de Ana, e não sua causa.

A peça central da evidência de uma conspiração, é uma observação feita por Cromwell a Chapuys após a morte de Ana. Em uma carta a Carlos V, Chapuys escreveu que ele havia lhe dito que “Ele pôs-se a conspirar e conceber o suposto affair’’, o que sugere que Cromwell conspirou contra Ana.
Fundamentalmente, no entanto, esta frase é frequentemente utilizada fora do contexto. A frase anterior afirma que “ele próprio [Cromwell] havia sido autorizado e comissionado pelo rei para prosseguir e finalizar o tribunal de sua senhora, uma vez que ele já havia criado problemas consideráveis.’’ Se aceitarmos este registro, é impossível retirar Henrique deste contexto – Cromwell alegou não estar agindo sozinho.
Foi proposto, portanto, que Henrique pediu a Cromwell para livrar-se de Ana. David Starkey sugeriu que “o caráter orgulhoso e abrasivo de Ana, logo tornou-se intolerável para seu marido”. JJ Scarisbrick, autor do competente volume ”Henry VIII”, concordou: “O que outrora havia sido uma paixão devastadora, transformou-se em ódio sanguinário, por razões que nunca compreenderemos completamente.”
Brigas de Amantes:
A evidência para este ponto de vista é tomada a partir dos escritos sempre esperançosos de Chapuys. Como um católico e apoiante de Catarina de Aragão, ele referia-se à Ana como “concubina” ou “a diaba”, tendo feito amargas afirmações sobre o condenado estado de seu relacionamento com Henrique, mesmo no auge de sua felicidade – no final do verão de 1533. No entanto, o próprio Chapuys reconheceu que Henrique e Ana haviam sido sempre propensos a ”brigas de amantes’’, e que o caráter do rei era deveras “mutável”.
É verdade, Henrique e Ana foram diretos um com o outro: eles ficavam irritados, gritavam e tornavam-se ciumentos. Mas foram também frequentemente descritos como ”alegres’’ em conjunto; era um epíteto ainda sendo aplicado a eles durante o Outono de 1535 – e que foi anexado ao seu casamento com mais frequência do que qualquer um dos outros enlaces de Henrique. O pesquisador Tudor, Bernard, descreveu o envolvimento como uma “relação tumultuada de sol e tempestades”.
Alguns propuseram que o aborto de um feto do sexo masculino sofrido por Ana em janeiro 1536, conduziu-a inexoravelmente à sua queda. Será que este evento fez Henrique acreditar que Ana nunca seria capaz de proporcionar-lhe um herdeiro e, portanto, considerou o casamento condenado? Certamente, foi relatado que o Rei demonstrou “grande decepção e tristeza”. Chapuys escreveu que Henrique, durante sua visita ao quarto de Ana após a tragédia, falou muito pouco, exceto: “Eu vejo que Deus não vai me dar filhos do sexo masculino.”
Henrique, em seguida, deixou Ana em Greenwich para convalescer, enquanto partiu rumo à Whitehall para marcar o dia da festa de São Mateus. Chapuys, de forma maliciosa, interpretou isto como um sinal de que Henrique havia abandonado Ana, ”enquanto que em tempos passados, ele dificilmente poderia passar uma hora sem ela.” Claramente, o aborto foi um grande golpe para ambos Henrique e Ana – embora quatro meses ainda passassem antes de sua morte, demonstrando que uma ligação direta entre tais eventos, seria problemática.
Outra história, relatada em terceira mão por Chapuys, cita Henrique dizendo a um cortesão não identificado, que havia casado-se com Ana “seduzido e forçado por sortilégios”. Esta última palavra, pode ser traduzida como ‘bruxaria, feitiçaria ou encantos’, e deu origem à sugestão de que Ana Bolena havia se envolvido em bruxaria. Embora isto seja regularmente citado como um dos encargos do qual ela foi considerada culpada, não é mencionado nos autos da acusação.
Ives, no entanto, ressaltou que o significado inglês primário de sortilégios neste período, era ‘adivinhação’, uma tradução que muda completamente o significado do comentário de Henrique. Ele poderia implicar que foi induzido a se casar com Ana pelas profecias pré-matrimoniais que ela daria à luz filhos, ou pode referir-se simplesmente a paixão anterior de Henrique ou “encantamento” por ela.
A ideia de que Henrique havia sido “seduzido por bruxaria” tornou-se ligada a uma outra teoria, que sustenta que a verdadeira razão para a ruína de Ana, foi a de que o feto abortado em janeiro 1536, era deformado. De acordo com a especialista Tudor, Retha Warnicke, a entrega de uma “massa informe de carne” provou na mente de Henrique, que Ana era ao mesmo tempo uma bruxa e adulteramente promíscua. Mas esta descrição vem de uma propaganda católica de Nicholas Sander, escrita 50 anos depois; não há nenhuma evidência contemporânea para sustentar esta salaz teoria.
Golpe Diplomático:

Um evento em abril de 1536 sugere que, poucas semanas antes de Ana ser executada, Henrique ainda estava comprometido com o seu casamento. Nos primeiros meses de 1536, Henrique aumentou a pressão para que Carlos V reconhecesse Ana como sua esposa. Em 18 de abril, ele convidou Chapuys à Corte. Os eventos neste dia, foram muito deliberadamente encenados: o embaixador participou da missa e, enquanto Henrique e Ana desciam do banco real para a capela, ela parou e curvou-se para ele.
Foi uma atitude sagaz; a etiqueta ditava que ele devolvesse o gesto – um golpe diplomático significativo, pois este, implicava o reconhecimento pelo embaixador e por extensão, de seu Imperador. Seria, como Bernard argumentou, extraordinariamente caprichoso por parte de Henrique tentar ter Ana reconhecida como sua esposa, se ele já abrigava intenções de livrar-se dela logo depois.
Então não foi culpa, nem golpe da corte ou ódio de Henrique por Ana que a levaram à sua queda, mas sim, uma terrível combinação de fofocas maliciosas e suas próprios indiscrições? A verdade é que nunca saberemos ao certo…
Um relato poético, escrito em Junho de 1536 por Lancelot de Carles, secretário do embaixador francês, relata que uma das damas de companhia de Ana, Elizabeth Browne, foi acusada de promiscuidade. Ela fez à luz de sua própria culpa, declarando que “pouco era esta em seu caso, em comparação com a da rainha”. Estas palavras atingiram Cromwell que, de acordo com de Carles, relatou-as para Henrique; o rei empalideceu e com muita relutância, ordenou-lhe que investigasse.
Isto certamente se alinha com a própria re-leitura de Cromwell dos eventos. De Carles acrescenta uma crucial – embora sem fundamento – cláusula, de Henrique dizendo a Cromwell que “caso verifique-se que o seu relatório – no qual eu não quero acreditar – não é verdadeiro, você irá receber a pena de morte no lugar [do acusado]”. Então Cromwell pode ter tido razão para encontrar provas da culpa de Ana.
Dado que Ana foi acusada de conspirar a morte do rei (a única acusação de que, na verdade constituía traição – adultério consensual não era abrangido pela lei de traição de 1352), parece provável que a evidência utilizada para demonstrar a sua culpa, tenha sido uma conversa que ela recordou – e William Kingston relatou – com Norris.
Ana havia pedido a Norris para não seguir adiante com seu casamento. No que ele respondeu que “levaria um tempo”, levando-a então a ameaçá-lo com as palavras fatídicas “Você deseja a morte do Rei para beneficiar-se, mas você deveria desejar a mim”, no que Norris nervosamente respondeu – que: “se ele tivesse tal tipo de pensamento, ele teria (e desejaria ter) sua cabeça arrancada’’ – provocando-lhe a replicar que ”ela poderia livrar-se dele caso assim desejasse’’ e então eles foram embora.
Esta conversa ultrapassou os limites normais do “amor cortês”. E segundo a Lei de traição de 1534, até mesmo imaginar a morte do rei, faria de você um traidor, ou seja, a conversa de Ana com Norris era criminosa, imprudente e, sem dúvida, fatal – munição útil se Cromwell estivesse procurando por sujeira. Foi, como Greg Walker (autor do livro ‘Writing Under Tyranny’) sugeriu: ‘não o que Ana fez, mas o que ela disse que a fazia parecer culpada?’
Quando se trata de queda de Ana Bolena, historiadores dão como respostas, o seu: “melhor palpite”, com base nas provas disponíveis – que são demasiadamente escassas para serem conclusivas. De minha parte, acredito que Ana era inocente, mas foi pega por sua personalidade audaz e palavras descuidadas. Na altura dos acontecimentos, era interessante que Henrique se livrasse dela, mas ele também estava convencido das acusações contra ela. O trágico final da segunda esposa de Henrique VIII, afetaria muitas pessoas à sua volta que nunca se recuperariam completamente. Mas para Ana Bolena, é claro, as consequências foram muito piores.
FONTES:
History Extra: AQUI.
Bom, mediante aos fatos apresentados e na minha humilde opinião me parece que o Rei queria se livrar de Ana e se aproveitou de seu temperamento e sua conduta um tanto quanto questionável para fazer isso.
Também acreditamos nisso Fabi. Ana tinha uma língua afiada, mas declarou sua inocência antes de morrer…
Creio que tenha sido uma junção de todos os fatores, a alta impopularidade dela, o fato de não ter tido um filho, os conspiradores…
É provável, Bruna!
Plantou. Colheu.