Muitos já devem ter assistido a animação infantil “Mulan”, de 1998. A produção norte americana da Disney, inspirada na famosa lenda chinesa de Hua Mulan, conta a história de uma jovem menina que decide se integrar ao exército chinês a fim de defender seu país da invasão de tribos periféricas. Neste ínterim, ela assume o lugar do seu pai, que em razão de estar doente e ser idoso, fica impossibilitado de cumprir com as obrigações de se alistar no exército chinês. Para isso, ela finge-se de homem. Mas, seria a história dessa jovem guerreira chinesa apenas criação da Disney?
A história não é uma invenção da Disney, embora a produção tenha sido deveras romanceada. Hua Mulan tornou-se lenda conhecida, mas não é possível afirmar se de fato a jovem guerreira existiu. A história é baseada em um poema, intitulado “A Balada de Mulan” que foi escrito no século VII, durante o governo da Dinastia Tang (618-907 d.C). O poema narra a história de uma menina que, para honrar a sua família, prova a lealdade ao seu Khan – corresponde ao líder, isto é, título atribuído ao soberanos mongóis que reinaram na China – e se alista ao exército chinês.
Mulan se integra ao exército chinês, pois além de seu pai estar doente, ele não tinha filhos homens crescidos. A versão original do poema se perdeu ao longo do tempo, mas o que restou dele foi incluído junto a outros poemas líricos que foram compilados durante o século XI e XII. Pesquisamos e identificamos o poema, que expomos a seguir a sua tradução para o português. Nele, temos a trajetória e experiências da menina Mulan narrada delicadamente:
“A Balada de Mulan”
Um suspiro e outro suspiro,
Mulan tece de fronte à porta.
Não se ouve o som da lançadeira,
Não se ouvem os suspiros da filha.
Perguntam o que está no seu coração,
Perguntam o que está no seu pensamento,
Não há nada em meu coração,
Não há nada em minha mente.
Noite passada eu vi os anúncios para o recrutamento,
O Khan está convocando muitas tropas,
A lista do exército está escrita em doze rolos,
Em todos eles aparece o nome do meu pai.Meu pai não tem nenhum filho crescido,
Mulan não tem nenhum irmão mais velho.
“(Então) eu irei comprar uma sela e um cavalo,
E servirei o exército no lugar de meu pai.”
No mercado leste ela comprou um cavalo de porte,
No mercado oeste ela comprou uma boa sela,
No mercado sul ela comprou um bom freio,
No mercado norte ela comprou um longo chicote.Ao amanhecer ela deixou seu pai e sua mãe,
Ao anoitecer ela chegou ao acampamento nos bancos do rio Amarelo.
Ela já não ouve mais o chamado de seu pai e sua mãe,
Ela ouve apenas o rumor da corrente do rio Amarelo.
Ao amanhecer ela deixa o rio Amarelo,
Ao anoitecer ela chega à montanha Hei.
Ela já não ouve o chamado de seu pai e sua mãe,
Ela ouve apenas o relinchar dos cavalos nômades do monte Yen.Ela avançou dez mil milhas por causa da guerra,
Ela passou voando por desfiladeiros e montanhas
As rajadas do vento norte traziam o rufar do metal,
As luzes frias brilhavam nas armaduras de ferro.
Generais pereceram numa centena de batalhas,
Soldados enrijecidos retornaram após dez anos.Ao retornar ela vê o imperador,
Ele estava sentado numa sala suntuosa.
O imperador concedeu promoções em doze categorias,
E premiou centenas de milhares.
O Khan perguntou o que ela desejava.
“Mulan não tem interesse em postos oficiais.
Eu desejo apenas uma montaria veloz
Que me leve de volta ao lar.”Quando o pai e a mãe ouvem que a filha está voltando
Dirigem-se para fora dos muros da casa, apoiando-se um no outro.
Quando a irmã mais velha ouve que a irmã mais nova está voltando
arruma a maquiagem e coloca-se defronte à porta.Quando o irmão mais novo ouve que a irmã mais nova está voltando
afia sua faca e prepara o leitão e o cordeiro.“Eu abro a porta do quarto leste,
E sento-me na minha cama na sala oeste,
Eu tiro minha armadura de guerra
E visto meus trajes de antigamente.”
Defronte ao espelho ela penteia seus cabelos de nuvem,
Segurando o espelho, ela enfeita-se com flores
Ela abre a porta e se apresenta diante dos seus companheiros
Eles ficam todos surpresos e perplexos.
Pois viajaram juntos por doze anos
E não sabiam que Mulan era uma menina
“As patas do coelho pulam mais,
Os olhos da coelha são mais estreitos,
Mas dois coelhos correndo lado a lado junto ao chão, não se pode distinguir
E assim quem poderia dizer se eu era um rapaz ou uma garota.”
Na China do século VII não era permitido as mulheres participarem do exército, apenas homens tornavam-se guerreiros. Por isso, Mulan teve que se passar por homem para conseguir integrar o exército chinês. E foi assim por 12 anos. Não é possível afirmar com certeza qual foi o contexto em que Mulan atuou. Mas, de acordo com as informações contidas no poema, muitos acreditam que Mulan tenha supostamente vivido durante a vigência da Dinastia Weir do Norte (386-534 d.C). A referida Dinastia integrava os três grandes reinos da China na época, que contava ainda com os “Shu” e os “Wu”. Nesse período, tribos periféricas invadiram as planícies centrais da China, dessa forma, o governo imperial ordenou que todas as famílias enviassem homens para proteger a China. Diante desse contexto, Mulan decide se alistar no exército disfarçada de homem.
De acordo com o poema, Mulan permaneceu 12 anos disfarçada de homem, atuando como exímia guerreira pelo exército chinês e contribuiu com significativas vitórias. Ao término das batalhas ela foi recebida pelo Imperador com honrarias – na ocasião ela ainda mantinha o disfarce de homem – o então chefe de estado perguntou o que ela deseja pelos seus heróicos feitos. Para a sua surpresa, a jovem guerreira não queria riqueza e nem cargos ou honrarias, apenas desejava voltar para o seio da sua família. É então que, ao regressar para a sua terra natal ela retira o seu disfarce e surpreende a todos os demais guerreiros. Eles finalmente descobrem que não se tratava de um guerreiro, mas sim de uma guerreira.
Devido a necessidade de adequar ao perfil do público, a animação da Disney “Mulan” não aborda todas as contradições e dores de atuar em meio a inúmeras batalhas. Como, por exemplo, ter que lidar com a morte constantemente, matar, lutar… Enfim, as dificuldades cotidianas, as dores e a tristeza que envolve a vida de um guerreiro em batalhas. A produção também não realiza uma análise mais aprofundada ou mesmo parcial da condição da mulher na sociedade chinesa do período, ou seja, suas limitações sociais e as normas rígidas a que as mulheres estavam submetidas. Isto porque, como dissemos, não era permitido as mulheres se alistarem no exército. Era uma sociedade patriarcal em que a condição da mulher era voltada para a família e para o cuidado com o lar. Na animação infantil foram incluídas personagens ‘mágicos’, como animais que falam e a presença dos ancestrais da família de Mulan. Apesar da ausência dessa abordagem mais crítica e analítica da condição feminina na sociedade chinesa do século VII, a essência da história apresentada no poema foi mantida, sobretudo, no que se refere as concepções de honra e fidelidade que são explícitas ao longo da trama.
Imagens do pergaminho contendo a “Balada de Mulan”:
Pergaminho 1:
Pergaminho 2:
Leia também:
A Verdadeira História da Bela e a Fera
A Verdadeira História da Branca de Neve
A Verdadeira História de Pocahontas
Referências:
The Real Story of Mulan. Disponível em: < http://www.ancient-origins.net/history-famous-people/ballad-hua-mulan-legendary-warrior-woman-who-brought-hope-china-005084 > acesso em agosto de 2016.
Poema: The ballad of Mulan (ODE OF MULAN). Disponível em: < http://afe.easia.columbia.edu/ps/china/mulan.pdf > acesso em 31 de julho de 2016.
Mulan. Disponível em: < http://www.shenyun.com/learn/article/read/item/v7oZoV5fuog/mulan-chinese-stories-history.html > acesso em 31 de julho de 2016
The Story Behind the Animation: Disney, and the Ballad of Mulan. Disponível em: < https://reelrundown.com/animation/The-Story-Behind-the-Animation-Disney-and-the-Ballad-of-Mulan > acesso em julho de 2016.
Olá! Amei o post! Mas sobre o filme ele começa com ela tentando arrumar um casamento e essa é a maior vergonha pra ele, por que ela não consegue, muitas vezes a diminuem por ser mulher, fora que quem mais mata na guerra é a mulan hahahaha claro que é bem mais romantizado… também li outro poema com um final triste em que ela acabava virando concubina. Mas o que você postou é meu preferido