Aqui jaz Jane, uma fênix,
Que morreu ao dar á luz outra fênix.
Deixe que seja pranteada, pois seres como estes
São deveras raros.
Epitáfio de Jane Seymour.
A jovem Jane Seymour, vinda de Wulfhall, casa senhorial pertencente à família Seymour, na vila de Burbage, Wiltshire, havia desposado Henrique VIII no Palácio de Whitehall, onze dias após a execução de sua antecessora, Ana Bolena, acusada de incesto, adultério e de conspirar a morte do rei. Jane havia servido como dama de companhia para as duas primeiras esposas do monarca inglês, Catarina de Aragão e Ana Bolena. A jovem Seymour, descrita desde ”não muito bonita” até “uma mulher de máximo encanto em natureza e em aparência”, possuía o padrão estético almejado no período, uma tez bastante alva e olhos azuis, emoldurados por cabelos claros (provavelmente loiros).
Jane tinha por volta de 27/28 de idade, quando despertou o interesse do rei. Deste modo, para os padrões do período, ela havia passado do período casadouro. Sabemos que Eustace Chapuys, Embaixador para o Imperador Carlos V, expressou dúvidas sobre a virgindade de Jane, porém, não há nenhuma prova que confirme ou refute que ela não era virgem antes de desposar o monarca.

Quando a tão aguardada gravidez da rainha foi anunciada em Maio de 1537, o reino recebeu as boas novas com muita alegria. De acordo com Thomas Wriothesley, nobre inglês e secretário de estado durante o reinado de Henrique VIII, missas foram realizadas, seguidas de diversas festividades em todo o reino, com fogueiras acesas e tonéis de vinho para marcar tal ocasião.
No final do mesmo mês, Jane compareceu a eventos públicos vestindo uma forma de traje de maternidade do século XVI, que permitia o crescimento da barriga da mulher. Seu peso aumentou rapidamente, uma vez que ela deliciava-se com iguarias caras, como doces e codornizes – ave pequena e rechonchuda, popular na Europa continental – que tiveram de ser trazidas para ela, especialmente de Calais. Segundo registros, em apenas um dia, ela chegou a comer dezenas. Sua gestação correu de modo esperado. Não houve incidentes relatados, como por exemplo, enjôos matinais. Ela apenas ganhou peso, conforme mencionado acima. Conforme os meses foram passando, ela passou cada vez mais tempo reclusa em seus aposentos reais, desfrutando da boa comida e promessa da chegada de um herdeiro varão.
Sabemos que Henrique ansiava por um herdeiro varão. Suas duas consortes anteriores, haviam falhado em dar-lhe um herdeiro; embora seja necessário ressaltar que, em 1511, Catarina de Aragão deu à luz um menino, que foi chamado Henrique, Duque da Cornualha, porém, ele viveu pouco mais de um mês. Ele também possuiu um filho bastardo, fruto de seu relacionamento com Bessie Blount, porém, o jovem chamado Henry Fitzroy, faleceu em Julho de 1536. Deste modo, a gravidez de Jane era de suma importância, e seu sucesso ou fracasso, dependeria do sexo do bebê que carregava em seu ventre.
Segundo aponta a historiadora Elizabeth Norton, em seu livro ”Jane Seymour – Henry VIII’s True Love”, conforme sua gravidez ia avançando, Jane descobriu que Henrique tornou-se excepcionalmente solícito com ela. Foi provavelmente no verão de 1537, que o monarca presenteou-a com um rico leito dourado. Henrique também foi menos incisivo sobre o envolvimento de Jane em questões políticas, e em Junho, quando um novo Embaixador Imperial chegou ao reino para negociar um casamento entre Maria e o irmão do Rei de Portugal, Jane foi autorizada a reunir-se com ele, e discutir a proposta do enlace. Tal aspecto pode ter sido fundamental para a confiança de Jane enquanto rainha.
No dia 09 de Outubro, Jane teve contrações e o trabalho de parto teve início na tarde daquele mesmo dia. Este não seria um parto fácil. Dois dias depois, a rainha ainda encontrava-se em trabalho de parto, exausta e sofrendo bastante. Deste modo, uma procissão, liderada pelo Lord Prefeito de Londres, peregrinou da Catedral de St Paul rumo à Abadia de Westminster, a fim de rezar para a rainha e pela segura entrega do bebê. Enquanto oravam, Jane gritava e sofria em seu esplêndido leito no Palácio de Hampton Court. Ao contrário da crença comum, não foi realizada uma cesariana na rainha; isso sequer foi sugerido pelos inúmeros médicos e parteiras reais presentes no recinto.
Por fim, às duas horas da manhã de uma sexta-feira, 12 de outubro de 1537, véspera da festa de Santo Eduardo, o Confessor, as preces de todos foram atendidas, e os médicos reais anunciaram que a rainha havia dado à luz um rechonchudo e saudável menino, que foi batizado de Eduardo. O monarca imediatamente o fez Duque da Cornualha, conferindo-lhe também outros títulos tradicionais ao herdeiro do trono – os títulos de príncipe de Gales e conde de Chester, viriam a seguir.

As notícias eram esplêndidas e o povo estava eufórico. Celebrações foram realizadas por todas as cidades e vilarejos ingleses por dias. Entusiasmado, o Bispo de Gloucester comparou o nascimento do novo príncipe ao de São João Batista – embora tal comparativo entrasse na categoria de hipérbole fraca e blasfema. No palácio, dentro de seus aposentos, a rainha Jane recuperava-se do esforço, sentada e penteada por suas damas. Ela então, começou a receber os visitantes que vieram oferecer-lhe suas felicitações. Jane então poderia descansar, tranquila no conhecimento de que sua posição enquanto rainha, era agora inabalável.
Segundo Elizabeth Norton:
“Naquela noite, fogueiras foram acesas nas ruas, com música e festas improvisadas. Tonéis de vinho foram distribuídos e armas foram disparads em celebração da notícia, com o barulho naquela noite, passando das dez horas.”
O batismo foi realizado três dias depois. Segundo o historiador David Loades, neste estágio, a saúde de Jane não estava dando motivo nenhuma preocupação, e o único temor existente, era o do predomínio da peste nas proximidades, que ocasionou na exclusão de alguns nobres da corte, e o restante, contando com séquitos severamente reduzidos. Embora Henrique e Jane não tenham participado do batismo de Eduardo – conforme ditava o costume – eles esperaram por ele na câmara especial. Jane foi vestida com veludo e peles por suas damas, para proteger-se contra o frio e levada até o local, em um tipo de sofá especial.
No entanto, a recepção após o batismo, onde quatrocentos convidados privilegiados foram convocados a participar junto do rei e rainha para comemorar o grande acontecimento, estava destinada a ser a última aparição pública de Jane Seymour. Um dia depois, ela sofreu um terrível ataque de diarreia e na manhã seguinte, fora levada para seu leito real.

A razão para o repentino declínio na saúde de Jane Seymour, é difícil de identificar. Na época, alguns culparam seus assistentes, que disseram que haviam realizado os desejos gastronômicos de sua rainha e dado a ela tudo o que pedira, mesmo após o nascimento do bebê, quando deveriam ter observado o que ela comia. Porém, mesmo que a dieta de Jane tenha sido bastante pesada e auto-indulgente para uma mulher se recuperando dos rigores do nascimento de um filho, é difícil ver como isso poderia tê-la matado. É igualmente difícil considerar como os servos poderiam recusar os pedidos de sua rainha, sem temer cair em seu desagrado ou perderem seus empregos. Outros atribuíram sua morte à febre puerperal, um termo genérico no início do período moderno, que basicamente designava todos os tipos de complicações e males pós-natais. Hoje, Jane quase certamente teria sido diagnosticada com septicemia e que, durante o trabalho de parto de três longos dias, ela havia sofrido com alguma lágrima em seu períneo, que posteriormente a infectou.
Preocupada, Jane chamou o bispo de Carlisle, com a intenção de pedir-lhe para administrar os últimos ritos. No entanto, pouco antes de o bispo iniciá-los, Jane começou a sentir-se melhor, e o bispo adiou o rito. Ela manteve-se em sua cama, a fim de recuperar-se, e Henrique continuou com as celebrações do nascimento de Eduardo, enquanto enobrecia o irmão mais velho de sua esposa, Eduardo, tornando-o o novo Conde de Hertford. No dia do triunfo de seu irmão, no entanto, a rainha teve uma recaída e o rei ordenou que o bispo de Londres celebrasse uma missa em St Paul, pedindo por sua plena recuperação.

Durante três dias, Jane ficou em sua cama com febre alta, delírios e encharcada de suor. Henrique permaneceu indeciso sobre se deveria ou não retornar a sua residência em Esher para o início da temporada de caça, mas eventualmente, decidiu que a condição de sua esposa era séria demais para que ele deixasse o local. Em um momento de abnegação, o monarca permaneceu com ela em Hampton Court. Na segunda-feira, dia 22 de outubro, o bispo de Carlisle visitou a rainha novamente, com grande certeza de que ela iria falecer. Os físicos reais, no entanto, discordaram e disseram que havia uma grande esperança de que Jane se recuperasse completamente. No entanto, às oito horas da manhã seguinte, eles mudaram de ideia, e disseram ao rei que ele deveria preparar-se para dizer adeus à sua rainha.
O Duque de Norfolk, escreveu então para Thomas Cromwell pedindo-lhe: ”para estar aqui de manhã, para confortar nosso bom mestre, pois quanto a nossa senhora não há esperança de vida […] e eu temo que ela não estará viva no momento em que você ler esta carta”.
Nas primeiras horas do dia seguinte, 24 de outubro de 1537, após angustiantes dias de sofrimento, conforme seus sintomas nos mostram, Jane Seymour finalmente recebeu os últimos ritos do bispo de Carlisle e faleceu pouco antes do amanhecer. Ela havia sido rainha da Inglaterra por pouco menos de dezoito meses.
Henrique, que era bastante hipocondríaco, chegando a tomar vinhos com especiarias medicinais em várias refeições rotineiras temendo adoecer, imediatamente deixou Hampton Court, seguindo rumo a Windsor, onde trancou-se em seus aposentos, retirando-se em luto por sua esposa.
Funeral:

Ao retirar-se para lamentar em privado, Henrique VIII ordenou ao Duque de Norfolk e Lord Paulet, que organizassem os ritos funerários de sua rainha. O trabalho seria realizado de modo minucioso e esplêndido, conforme designado para um funeral da realeza. Jane foi a única das seis consortes de Henrique VIII, a receber um funeral de rainha.
Segundo o costume da época, o encarregado da cera removeria as entranhas da rainha, e despejaria nas cavidades corporais, diversos líquidos desinfetantes. Em seguida, ele cobriria o corpo com ervas e especiarias aromáticas, que podiam incluir tomilho, alecrim ou lavanda. Após finalizar o processo, o corpo seria envolto em camadas de tecido encerado, sendo selado com cera de abelha e vedado em um caixão de chumbo, ”hermeticamente soldado”.
O corpo envolvido em um caixão de chumbo, seria então colocado dentro de um caixão de madeira, forrado com folhas aromáticas. Em cima do caixão, seria colocada uma efígie de madeira com o rosto da rainha e trajando suas roupas. A intenção é que Jane parecesse viva. Sua sogra, Elizabeth de York, recebeu o mesmo tratamento em sua morte.
Logo depois, o corpo de Jane foi removido para a capela, onde todos os membros de sua câmara, damas e cavalheiros, despiram-se de seus ricos pertences, vestindo trajes de luto e ajoelhando-se sobre sua falecida rainha, durante a missa e sermão que se seguiriam. Uma vigília foi posta na capela toda a noite, por cavalheiros-porteiros, e no dia 1 de Novembro, a chefe enlutada, a Lady Mary, apareceu pela primeira vez ao ofertório. Uma missa foi realizada todos os dias por um prelado diferente, até que o corpo fosse removido do local.

No dia 11 de novembro, o corpo foi levado para um enterro em Windsor. A procissão iniciou-se antes do amanhecer, às cinco horas da manhã. Segundo Loades, o cortejo fez seu trajeto de modo fácil, sendo devidamente acolhido pelo clero e dignitários cívicos em cada parada, e acompanhado por cinco carruagens que levavam todas as senhoras e damas da casa real da rainha, em torno de 45 pessoas. O cortejo foi escoltado por nobres, incluindo o Duque de Hertford, Eduardo Seymour, e os oficiais de armas. Ele chegou a Windsor pouco antes das 11 da manhã e o enterro foi finalizado às 11 horas, quando as pessoas deixaram o castelo rumo a outro local.
O funeral de Jane, conforme mencionado acima, foi uma ocasião real, um evento de estado, com grande ênfase do status de Jane como rainha. Deste modo, sua família não envolveu-se muito. Como sabemos, sua mãe, Margaret, não esteve presente na ocasião, e tampouco foi dado aos seus irmãos, um lugar de destaque.
O Coração:
Segundo nos informa o site da Capela Real de Hampton Court, logo após a morte de Jane, Henrique VIII ordenou que seu coração fosse enterrado sob o altar de pedra no santuário da Capela Real do palácio, pouco tempos antes de seu corpo ser translado para a Capela de St George, em Windsor.
Devido a escassez de registros sobre o tema, não temos como saber se a informação procede. Uma vez que não foi realizada uma escavação no local, tudo o que podemos fazer é conjecturar.
A Vida Continua:
Após a morte de Jane, Henrique usou preto durante três meses, conforme conotava o costume do período. Porém, apesar de uma tradição romântica afirmar que Henrique VIII manteve-se sempre de coração partido pela perda de seu grande amor e que nunca mais se recuperaria de sua morte, as coisas ocorreram de modo mais prático.
É claro que Henrique ficou inegavelmente triste e abatido com a morte de sua esposa e lembraria dela pelo resto de sua vida (conforme citaremos no encerramento do artigo) porém, ele era um monarca pragmático, e reuniu-se pouco tempo depois com seus ministros, a fim de discutir a realização de inquéritos para um quarto casamento. Seus dois matrimônios anteriores com duas consortes locais, foram vistas como algo quase inédito na Europa, e era necessário que este novo enlace, ocorresse com uma princesa Européia.
Legado:

Jane havia conseguido tudo o que se propôs a fazer: havia dado ao Rei o filho que tanto desejou, havia ajudado a restaurar a sucessão de Lady Mary e o afeto de seu pai, e usado sua influência para promover sua família. Seus dois irmãos, Thomas e Eduardo, usaram sua memória por benefícios e fortuna. Ela não ficou conhecida como o ”escândalo da cristandade”, mas soube jogar de acordo com as regras do ambiente no qual foi inserida.
Atualmente, muitos historiadores desprezam o conceito de que Jane Seymour foi uma mulher sem pulso firme e personalidade, que apenas deu sorte por estar no lugar certo, na hora certa. Mesmo com uma educação mais humilde que suas antecessoras, Jane mostrou que não precisava de uma requintada erudição humanista no continente, para saber que tinha poder, e ela usou-o de modo pragmático e comedido. Os historiadores vem resgatando através de registros históricos, o curto período em que ela foi rainha consorte inglesa, desfazendo mitos e senso comum, há muito difundidos no imaginário popular.
Segundo Elizabeth Norton: “Durante a última década de sua vida, Henrique frequentemente lembrou de seu casamento com Jane, e embora ele não tivesse sempre a tratado gentilmente quando ela estava viva, após a sua morte, ela tornou-se seu único e verdadeiro amor. É Jane que aparece como a esposa de Henrique, no grande retrato da dinastia, pintado em 1545, que mostra o rei com seus três filhos, e Jane também aparece em outras representações da dinastia Tudor. Foi com Jane que Henrique pediu para ser enterrado quando estava em seu leito de morte e foi com ela que ele queria passar a eternidade. Jane morreu ao dar a Henrique, exatamente o que ele queria e faleceu em toda a sua glória “

FONTES:
LOADES, David. Jane Seymour: Henry VIII’s Favourite Wife. England: Amberley Press, February 19, 2015.
NORTON, Elizabeth. Jane Seymour: Henry VIII’s True Love. England: Amberley Press, May 18, 2010.
FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII: Best Seller, 27 de fevereiro de 2009.
Garreth Russell Cidevant: AQUI – [The Death of Jane Seymour]. Acesso em 2016.
Anne Boleyn: AQUI – [24 October, Death of Queen Jane Seymour].
ótimo texto!!! Jane cresceu no meu conceito!!! Ela provou que nem sempre precisa ter uma fina educação para ter boa visão estratégica.. Jane foi uma grande jogadora!!!