Uma mulher intrigante, de temperamento forte e que movimentou a corte francesa de Luís XIV. Estas foram as principais impressões que obtive ao iniciar minhas pesquisas sobre Françoise de Rochechouart Athenais de Montespan, que ficou comumente conhecida em sua fase adulta como Madame de Montespan. Nascida em 05 de outubro de 1640 em Lussac-les-Châteaux, na França, seus pais pertenciam as duas das mais antigas famílias de nobres franceses do século XVII. Seu pai, Gabriel de Rochechouart de Mortemart e sua mãe, Diane de Grandseigne detinham excelente posição social, o que garantiu a Françoise uma vida de conforto e luxo. Devido a sua posição social ela passou boa parte da infância vivendo nas várias propriedades que a família detinha e, também na corte, que no período estava situada no Louvre. Aos doze anos Françoise foi enviada pela família para o convento de Santa Maria para que ela pudesse receber educação apropriada ao seu status social. Apenas viria a deixar o convento quando tinha em torno de 12 a 13 anos para cumprir com uma função deveras sonhada pelas jovens que frequentavam a corte: ser uma dama de companhia. Françoise tornou-se dama de companhia de Henrietta da Inglaterra, esposa do irmão de Luís XIV, Filipe de França, o segundo filho do rei Luís XIII com sua esposa Ana da Áustria.

Diane de Grandseigne, mãe de Françoise era próxima de Ana da Áustria e com o tempo pôde cultivar sua amizade e tecer boas relações entre os nobres, aspecto que facilitou na indicação da sua filha para ocupar um cargo de boa visibilidade na corte. Alguns anos depois, ela passaria a ser a dama de companhia da rainha Maria Teresa de Áustria da esposa do então rei da França, Luís XIV.
No dia 8 de janeiro ano de 1663, aos 23 anos, Françoise casou-se com Louis Henri de Pardaillan de Gondrin, o Marquês de Montespan, somente a partir de então que ela passou a ser conhecida como a Marquesa de Montespan. A união do casal resultou em dois filhos, Luís Antônio de Pardaillan de Godrin (1665-1736) e Maria Cristina de Pardaillan de Gondrin (1663-1675). A tranquilidade na vida do casal duraria apenas três anos. Em 1666 – o rei, que já detinha várias amantes na corte dentre as quais Louise de La Vallière que era reconhecida como a sua favorita – passou a demonstrar interesse por Françoise.
Madame Montespan era conhecida neste período como uma das mais belas mulheres da corte francesa. Participava ativamente dos inúmeros bailes e jantares na corte, sendo uma figura destacada pela sua afável conversa e primor nas danças. Descrita ainda como uma mulher bonita, elegante e inteligente, os relatos do período indicam que ela não escondeu seu interesse em angariar uma nova posição de destaque na corte, mesmo que para isso precisasse trair a confiança da rainha. Encantado por Françoise, Luís XIV a tomou como amante em 1667. No momento em que o Marquês de Montespan descobriu o adultério da sua esposa o mesmo protestou junto ao rei, fator que resultou em sua prisão para For-l’Évêque. Dias depois, o Marquês foi exilado para suas terras, e Françoise permaneceu na corte.

A vida na corte não foi uma tarefa fácil, cercada de intrigas, disputas tanto poder e quanto pela atenção do rei, Montespan teve que articular diariamente estratégias com a finalidade de manter a sua posição adquirida e, ao mesmo tempo e evitar problemas que pudessem comprometer a sua reputação. Todavia, mais tarde ela vivenciou o que temia, tornar-se o centro de boatos e acusações. Para uma mulher do século XVII manter um status elevado na corte não era uma tarefa fácil, sobretudo, porque esta mulher se tratava da amante do rei. Assim, ela sofreu algumas humilhações, como por exemplo, nas ocasiões em que ia à missa, os padres recusavam-se a conceder a ela a comunhão. Apesar de casada ela mantinha relações com o rei e sua figura não era bem vinda entre os religiosos. Apesar das tentativas de manter o relacionamento discreto, em um espaço de constante confabulações, o relacionamento entre o rei e Madame Montespan era conhecido por toda corte.
De acordo com as fontes consultadas para redigir este artigo, Montespan exercia forte influência junto ao rei, não apenas no que se refere ao fato deste ter se apaixonado por ela, mas em razão de em várias ocasiões o rei procurá-la para conversar sobre os assuntos do reino. Aspecto que causava desagravo entre os ministros e membros da corte. Em algumas ocasiões diziam que Luís XIV “comportava-se como uma criança pedindo conselhos para sua amante.” Sobre este aspecto, podemos observar dois incômodos. O primeiro relacionado a possível influência pessoal e política de uma mulher junto ao rei e, o segundo, o fato de ser uma mulher que não era a rainha a ter destaque na vida de Luís XIV.
No início o rei estava completamente encantado, há relatos de que ele de fato havia se apaixonado por Madame de Montespan. Tão logo declarou que ela havia se tornado sua amante oficial, mandou instalar os aposentos da sua nova amante próximos aos seus, com a inclusão de uma porta pessoal que pudesse dar acesso a ambos os quartos.
Françoise foi amante oficial do rei durante treze anos, e tiveram sete filhos, seis deles legitimados, a exceção foi Luísa Francisca. Nos documentos de registro dos filhos constavam o sobrenome Bourbon, no entanto, sem menção a filiação materna em razão desta ainda ser casada com o Marquês de Montespan, vindo a divorciar-se de fato apenas no ano de 1674. Além do sobrenome, o rei cuidou de conceder aos filhos propriedades e títulos de nobreza a fim de garantir um futuro com conforto.
Filhos de Madame de Montespan e Luis XIV:
- Louis-Auguste (1670-1736) Duque de Maine
- Louis-Cesar (1672-1683) Conde de Vexin
- Louise-Françoise (1673-1743) Duquesa de Bourbon
- Louise-Marie-Anne (1674-1681)
- Françoise-Marie (1677-1749) Duquesa de Orleans
Louis-Alexandre (1678-1737) Conde de Toulouse

As crianças receberam em farta parcela do tempo os cuidados de Françoise d’Aubigné, viúva do Marquês Maintenon, pois Montespan dedicava boa parte do tempo a socialização na corte e a atenção ao rei. Luís XIV visitava os filhos com certa regularidade, assim, paulatinamente aproximou-se da Marquesa de Maintenon constituindo amizade. Essa constante aproximação entre o rei e a Marquesa de Maintenon, governanta dos seus filhos, que gerará uma trama de intrigas e conflitos entre ambas durante vários anos. De comportamento frívolo no que se refere ao trato com as mulheres, com o passar dos anos Luís XIV passou a distanciar da sua amante favorita. Ao perceber que a relação entre ambos estava desgastada a Marquesa de Maintenon aproveitou a oportunidade para tentar obter uma melhor posição na corte e, por ventura, ocupar o lugar de favorita do rei. Sempre que o rei visitava as crianças ambos passavam boa parte do tempo em conversas, dos quais o rei não escondia seu contentamento. Esta amizade causou desagravo entre Maitenon e Montespan, resultando em brigas e desavenças. Conhecida como uma mulher de temperamento forte, Montespan não aceitava o interesse do rei por outras mulheres na corte, muito menos a perda de interesse de Luís XIV ao longo dos anos.
Paralelamente, a radiante beleza de Montespan deu lugar a uma mulher com excesso de peso, fator que contribuiu para o distanciamento do rei. Além disso, ao perceber também perdia a atenção de Luís XIV para a jovem Marie Angélique de Scorailles de 17 anos, Montespan também demonstrou forte descontentamento.
Marie Angélique de Scorailles foi descrita como muito bela, uma jovem ruiva, alta e de olhos azuis, que foi introduzida na corte no ano de 1678 como dama de companhia da princesa Palatine, cunhada do rei. Marie Angélique era filha de Jean Rigal Scorraille, o Tenente do Rei, e este permitiu que a sua filha viesse a se tornar amante do rei a fim de obter favores reais. Novamente encantado por uma jovem o rei transformou Marie Angélique em sua favorita. A relação com Montespan já não era mais como antes e, neste contexto, várias intrigas e boatos contribuíram para a sua progressiva queda.
O Caso dos Venenos:

Entre os anos de 1679 a 1682 indivíduos de destaque da aristocracia francesa estiveram envolvidos em acusações de envenenamento, tais acusações abalaram a corte. Em 1675 durante o julgamento de Madame de Brinvillers, acusada de conspirar com o capitão do exercito francês, Cdin de Sainte Croix foi descoberto que a acusada estava envolvida na trama que objetivava realizar o envenenamento do seu pai e dos seus irmãos com o objetivo de herdar todas as propriedades da família. No decurso dos dias em que se processou o julgamento várias mortes por envenenamento ocorreram na capital francesa e deu origem a uma ‘caça as bruxas’.
Abalados, o rei e a nobreza passaram a temer a possiblidade iminente de serem assassinados, aspecto que gerou profunda tensão na corte. Madame de Brinvillers foi condenada a morte. Dois anos depois, em 1677 a senhora Magdelaine de La Grange foi presa acusada de falsificação e assassinato. Ela então recorreu ao Marquês de Louvois para auxiliar em sua defesa, pois este era influente na corte e talvez poderia ajuda-la. Temendo pela sua vida ela ameaçou revelar nomes de pessoas envolvidas em casos de mortes por envenenamento e que frequentavam a corte. Após conversar com o Marquês de Louvois e ouvir a então proposta de La Grange, Luís XIV ordenou que o chefe da polícia de Paris, Gabriel Nicolas de la Reynie, conduzisse uma profunda investigação a fim de identificar quais eram os membros da corte que estavam envolvidos nos casos de envenenamento.

Inúmeros indivíduos considerados suspeitos pelas autoridades foram investigados e interrogados, dentre eles, podemos destacar cartomantes e alquimistas. Estas pessoas foram consideradas suspeitas por serem conhecidas pela habilidade em ‘elaborar e vender porções’ e, pela prática de necromancia, isto é, pessoas que diziam ter o dom de prever o futuro por meio do contato com pessoas falecidas. Acusadas de bruxaria e alquimistas, sejam eles homens ou mulheres foram presos, torturados e ameaçados de morte. Dessa forma, a fim de se livrarem das acusações muitos indicaram nomes de pessoas ligadas à aristocracia e que supostamente haviam comprado venenos no intuito de livrar-se dos seus opositores na corte. Dentre as acusadas que fizeram delações podemos fazer menção a La Voisin, uma parteira que também era conhecida na corte por realizar abortos e comercializar venenos. La Voisin foi presa em 1679 e incriminou nomes importantes da corte francesa, dentre as quais Madame Montespan. Segundo La Voisin, Montespan havia adquirido inúmeras porções afrodisíacas a fim de garantir o amor do rei e causar intrigas entre as suas amantes rivais.
Ademais, La Voisin acusou Montespan de tê-la consultado para prever o futuro em cartas, e solicitado a realização de feitiços para que o rei não a deixasse. Nesse ínterim foi instalado o Tribunal denominado “Corte da Fogueira” no qual foram julgados mais de 30 casos envolvendo membros da corte acusados de bruxaria e necromancia. La Voisin foi condenada à morte e queimada na fogueira em 22 de fevereiro de 1680 sob as acusações de bruxaria e envenenamento.

Madame Montespan foi acusada ainda de ter participado de Missas Negras, cerimônias envolvendo sacrifícios de crianças, prática de feitiçaria, além de ter sido considerada suspeita de ter assassinado por envenenamento Marie Angélique de Scorailles, que faleceu em 1681. Marie, que no período havia se tornado a favorita do rei, deu à luz um natimorto, e provavelmente faleceu em decorrência das complicações no parto. Todavia, Montespan já estava com a imagem desgastada, considerada por muitos como uma perigosa bruxa, e boatos em torno da possibilidade de ter envenenado a jovem, circularam pela corte.
No entanto, ao analisarem o caso, historiadores não encontraram quaisquer evidências que pudessem comprovar de fato que Montespan estivesse envolvida em quaisquer das acusações mencionadas. Sejam elas relacionadas ao uso de veneno ou prática de necromancia. Sendo assim, existe a possibilidade das acusações terem apenas sido fruto de intrigas e disputas pelo poder na corte. Ou ainda, uma tentativa desesperada em incriminar indivíduos de destaque na corte para fugir da pena máxima, isto é, a execução. A execução na fogueira, por exemplo, era uma das penas mais comuns em se tratando de pessoas acusadas de prática de bruxaria.
No ano de 1682 o Tribunal foi encerrado em função das inúmeras acusações sofridas por Madame Montespan. Luís XIV temia que seu nome também acabasse sendo envolvido, o que certamente prejudicaria a sua imagem. O rei ordenou que todas as acusações contra ela fossem arquivadas e seu nome não fosse mais mencionado em qualquer documento. Ao todo, os trabalhos no Tribunal resultaram na investigação de 442 suspeitos e 218 prisões, dos quais 36 pessoas foram executadas. Montespan havia escapado da fogueira, todavia, de favorita do rei a sua fama na corte passaria a ser de ‘bruxa’. Negligenciada, perdeu por completo a confiança de Luís XIV e, meramente prosseguiu com a criação dos seus filhos.
Após a morte da sua Rainha Consorte, Maria Tereza da Áustria, em julho de 1683, Luís XIV casou-se secretamente em outubro do mesmo ano com Madame de Maintenon, a antiga governanta dos seus filhos. Estava decretada de fato a queda de status junto ao rei de Madame Montespan. Em 1691 ela foi enviada para o mosteiro de Saint-Joseph, em Paris e faleceu no ano de 1707.
Semana das Bruxas – Acompanhe nossa série de artigos sobre o tema:
Mulheres, Rainhas, Bruxas – Um estudo sobre poder, misoginia e política na história
Os Julgamentos das ‘Bruxas’ de Salem
Referências:
This is Versailles Madame: AQUI – [Françoise-Athénaïs, Marquise de Montespan]. Acesso em 2016.
Chateau Versailles: AQUI – [Madame de Montespan – AN INFLUENTIAL FAVOURITE (1640-1707). Acesso em 2016.
L’envers de l’Histoire: AQUI – [FRANÇOISE-ATHÉNAÏS DE MONTESPAN, FAVORITE PASSIONNÉE DE LOUIS XIV]. Acesso em 2016.
HILTON, Lisa. The Real Queen of France: Athenais and Louis XIV; Little, Brown. 2002.
RILEY, Philip F. A Lust for Virtue: Louis XIV’s Attack on Sin in Seventeenth-century France; Praeger; June 30, 2001.