No dia 24 de novembro de 1554, Maria I enviou uma mensagem privada ao legado papal, e futuro Arcebispo de Canterbury, Reginald Pole, que havia chegado a Whitehall naquele dia. Pole foi informado por seu mensageiro que, a rainha havia sentido a criança agitar-se em seu ventre. O Arcebispo prontamente felicitou-a durante um encontro: ”Saúdo-vos, tu que és tão favorecida, o senhor está contigo; abençoada seja entre as mulheres”. Esta era uma excelente notícia; A Inglaterra já contava com um soberano católico, e agora, aguardavam ansiosamente a chegada de um herdeiro. Certamente este era um sinal das bênçãos de Deus.
No entanto, nenhuma criança veio. Nove meses depois, seu ventre perdeu o inchaço característico, seus seios pararam de produzir leite, e os movimentos fetais desapareceram. Foi um engano. Um embaraçoso e politicamente prejudicial engano. Mas, mesmo hoje, séculos após o reinado de Maria I, a dúvida ainda paira no ar: O que de fato, aconteceu com a rainha?
Uma teoria frequentemente abordada entre historiadores, é a de que Maria sofreu de Pseudociese, também conhecida como gravidez fantasma, uma condição psicológica e biológica em que uma mulher exibe diversos sintomas gestacionais, sem de fato, carregar um feto em seu ventre. Maria experimentou este suposto episódio em duas ocasiões, e, em última análise, faleceu sem herdeiros. Porque ela sofreu deste mal é uma questão considerada incerta entre médicos e especialistas da atualidade. Em sua biografia sobre Maria I, Judith Richards fornece detalhes sobre a discussão moderna a respeito da Pseudociese, a fim de ampliar nossa compreensão a respeito deste quadro. No entanto, quais foram as reações e pensamentos contemporâneos a respeito da gravidez fantasma? Como os contemporâneos de Maria compreenderam tal condição; Este era um quadro comum no período?
Para seguir adiante com nossa análise, é importante primeiramente, separar dois quadros frequentemente discutidos um ao lado do outro nos primeiros manuais médicos modernos: a ”mola hidatiforme” e a ”gravidez psicológica”, que são frequentemente analisados em conjunto, mas que possuem naturezas distintas. A mola hidatiforme é um distúrbio ou complicação gestacional, onde a placenta e o feto não se desenvolvem corretamente. A mulher aparenta estar carregando um feto, embora, de fato, esteja carregando um saco vazio, ou o crescimento de algum outro corpo em seu organismo, que pode ser prejudicial a sua saúde. A gravidez molar, como também pode ser chamada, era um assunto de muito mais ênfase que as gestações psicológicas. Houve, por exemplo, um completo estudo sobre a gravidez molar em ‘Historia Naturalis Molarum Uteri de Lamzweerde’ (1688), embora não tenha sido encontrado nenhum amplo estudo moderno sobre gestações psicológicas.
No entanto, a gravidez psicológica foi discutida em alguns manuais médicos. O principal texto médico, Aristoteles Master-piece (1684) refere-se à mulheres que poderiam ter sinais ou sintomas, coerentes com os de uma gravidez real, como a perda de apetite, vômitos, inchaços nos seios e ventre, de modo que era uma tarefa muito difícil distinguir uma gestação, deste quadro em particular. O médico William Harvey registrou casos de gravidez fantasma que havia encontrado. Uma mulher havia insistido que estava grávida, apenas para ”todas as suas esperanças desvanecerem-se em flatulência e gordura”.
O que acreditavam causar a gravidez fantasma? Naturalmente, não houve consenso, embora algumas explicações fossem endossadas com maior frequência que outras. Os sintomas experimentados, ou seja, expansão do abdomen e supostos movimentos fetais, muitas vezes foram diagnosticados como sendo produto de uma acumulação de matéria no organismo. Uma crença popular era a de que a mulher estava sofrendo de flatulência. Isto pode ser visto nas citações fornecidas por Harvey. Hipócrates também observou outrora que, “quando o útero é alimentado pelos gases na barriga, as mulheres acreditam ter concebido”. Porém, dizia-se que tal ilusão poderia ter outra causa; O médico Guillaume Mauqeust de la Motte, referiu-se ao quadro dizendo: “[mulheres] têm tanta aversão pela velhice, que preferem acreditar-se grávidas, do que confessar que estão envelhecendo”.
Felizmente, temos um estudo de caso bastante próximo ao de Maria, que nos fornece mais algumas informações. Em 1536-37, Honor Plantagenet, Lady Lisle, percebeu que estava grávida. Esta seria a sua oitava gravidez, e, por este motivo, ninguém duvidou de suas afirmações, nem mostraram-se céticos. Amigos enviaram presentes para o bebê e para as câmaras de confinamento, garantindo que Lady Lisle pudesse experimentar um parto mais agradável. Porém, meses se passaram e nenhum bebê veio. Finalmente, ao notar seu engano, Lisle procurou tratamento. Seu médico francês informou-lhe que estava sofrendo de algum tipo de mistura de ”muitos ou diversos humores frios e quentes dentro de seu corpo”, e, portanto, exigiu que o tratamento fosse realizado através de purgantes.
A crença de que uma mulher poderia estar carregando algo – de natureza que deveria ser expulsa de seu corpo – era comum. Podemos argumentar que, parte da idéia popular de que Maria sofreu de um tumor tem sido propagada por esta noção de que o inchaço em seu ventre foi desfeito por algum fator (embora devemos lembrar que, o ventre retorna ao estado normal após a gestação, e durante seu embalsamamento, pouco após sua morte, não foi encontrado nenhum material estranho no local). Havia até o boato contemporâneo de que a rainha havia dado à luz uma massa de carne, embora esse boato tenha sido difundido a fim de desacreditá-la, e não possui embasamento de outras fontes. A visão de que havia algum desequilíbrio, alguma acumulação de substâncias indesejáveis, naturalmente levam a tratamentos envolvendo purgantes. A dieta era importante. Foi recomendado que Lady Lisle não comesse alimentos crus e particularmente ‘carnes frias, como carne desfiada que é fria, ou vitela fria’. Com certeza, argumentava-se que, isso faria com que essas comidas frias, criassem humores frios que se misturariam com os quentes. Por sua vez, sopas e caldos quentes eram recomendados. O açúcar também era importante. O médico Nicholas Culpeper, aconselhou que o paciente deveria beber uma mistura de ”vinho, adoçado com açúcar”, juntamente com caldos, para que limpassem o corpo de humores estranhos. Igualmente, misturas adoçadas com açúcar também foram recomendadas para induzir o abortou ou para fortalecer o feto e enfraquecer qualquer ”germe falso”. Curiosamente, um artigo no tabloide The Independent:
”Mary Tudor usou uma marmelada feita de marmelos, cascas de laranja, açúcar, amêndoas, água de rosas, almíscar, âmbar, canela, cravo, gengibre e maçã, para ajudá-la a engravidar.”
Maria foi a única pessoa do período a experimentar uma gravidez falsa? Seria fácil apontar para o caso de Lady Lisle e dizer não. Afinal, o secretário dela, John Husee, lembrou-lhe que: ”a senhora não é a primeira mulher de honra que, equivocou-se ou ultrapassou seu tempo e cálculo”. Em 1541, Marguerite de Navarra acreditava estar grávida e relatou as novas ao irmão, François I da França. Porém, diversos meses mais tarde, relatou não ser o caso, e o assunto foi silenciado. Curiosamente, Justine Siegemund, parteira da corte do Eleitorado de Bradenburg no século XVII, também teve uma gravidez falsa. Como Husee lembrou a Lady Lisle, “[Deus] não poupou nem Imperatriz, Rainha, Princesa e Duquesa, mas sua obra deve ser suportada e sua misericórdia aceita”.

Maria viveu em uma sociedade onde não havia maneiras eficazes de determinar uma gravidez. Pode parecer estranho para nós atualmente, que uma mulher possa passar nove meses acreditando estar grávida, e só poder ter certeza quando estiver com a criança em seus braços. No entanto, a gravidez permanecia, de certo modo, misteriosa. Os contemporâneos entenderam que era muito possível para uma mulher e, de fato, para sua parteira ou médico – se ela fosse rica -, acreditar estar grávida por meses (até mesmo onze, ao invés de nove), antes de descobrir não estar. O médico escocês do século XVIII, Alexander Hamilton, observou que a gravidez falsa era algo que “impunha ao médico habilidoso”, a implicação de que mesmo a perícia não significa que essa condição poderia ser facilmente determinada. Outro médico do mesmo século, Gerard van Swieten, observou, “não há circunstância em que a reputação de um médico corre tanto risco, como quando este é empregado para determinar uma gravidez”. Sem meios de ver a criança dentro do útero, e a capacidade de atribuir os sintomas da gravidez a outras doenças, não havia nada certo sobre a gestação.
Compreendendo as primeiras crenças modernas sobre a gravidez fantasma, podemos tentar entender como Maria poderia vir a acreditar que estava grávida duas vezes, e em ambas as ocasiões, contar com o apoio de seus médicos. No entanto, apesar dos contemporâneos compreenderem que a gravidez não era algo que poderia ser determinado com absoluta precisão antes da chegada da criança, isso não significa que Maria estava imune ao ridículo ou a condenação. Naturalmente, seus inimigos exploraram a situação. Quando a gravidez de Maria foi anunciada, as autoridades fizeram uso desta, a fim de promover a noção que Deus havia mostrado favor a rainha e a crença católica. As palavras de Pole à Maria são importantes aqui; Como a Virgem – a quem Maria foi comparada repetidamente durante seu reinado – ela foi abençoada. A criança seria o salvador do país. Porém, com essas esperanças dissipadas, os inimigos puderam responder eficazmente.
O episódio provou não ser útil apenas aos inimigos contemporâneos. Em 1688, outra rainha Maria – Maria de Modena, consorte de James II – deu à luz um menino saudável. No entanto, apesar de experimentar uma gravidez real e bem sucedida, os rumores rapidamente se espalharam de que a criança não era seu filho, e sim, que havia sido contrabandeado em seu quarto, através de um aquecedor de cama. Assim como Maria Tudor, sua gravidez foi posta em cheque. Curiosamente, o exemplo da gravidez fantasma de Maria Tudor, foi resgatado por opositores, a fim de enfraquecer a posição de Maria de Modena, e, portanto, de James II. No mesmo ano, um panfleto surgiu em Londres, intitulado “Idem Iterum: Ou A História da Barrigona da Rainha Maria”. O leitor foi informado:
“Alguns disseram que este Rumor da concepção da Rainha, foi espalhado por fins políticos; Alguns outros afirmaram que ela foi enganada por timpanismo ou alguma outra doença, que a fez acreditar estar grávida, e não estar; Alguns acreditavam que ela estava grávida, e que ocorreu algum aborto involuntário, ou então que ela estava enfeitiçada; Mas a verdade, o Senhor conhece, pois nada a ele é segredo. Uma coisa de minha própria audição e vista, não poderia passar sem ser testemunhada.
Chegou a mim, que vi e ouvi, uma Isabel Malt, mulher que morava em Aldersgate-street em Horn-Ally, não muito longe da Casa onde este livro foi impresso, que antes testemunhou e nos fez esta declaração, que ela recebeu um homem em Whitsunday na manhã, que era o décimo primeiro dia de Junho de 1555. Chegou a ela o Senhor do Norte, e outro Senhor que ela desconhecia, morando então na Old-Fishstreet, exigindo que ela se separasse de seu filho, e jurasse depois não ter tido qualquer criança. Que seu filho (eles disseram) seria bem assistido, e ela não precisaria se preocupar com isso, e com as muitas ofertas justas caso ela se separasse da criança.

Depois vieram outras mulheres também, de quem, uma delas, disseram, seria a embaladeira; Mas de modo algum ela deixaria levarem seu filho, que, ao escrever isso, estava vivo e se chamava Timothy Malt, contando com treze anos de idade ou mais.”
A implicação era clara. Se uma rainha pudesse tentar colocar o filho de outra como herdeiro, então, o que poderia deter as outras? Em um mundo sem exames de DNA, todo e qualquer assunto deste porte, era crível.
FONTES:
>>http://mary-tudor.blogspot.com.br/2010/05/queen-marys-big-belly-phantom-pregnancy.html <<