Catarina Parr foi a sexta e última consorte de Henrique VIII. Ela não apenas continuou casada com o monarca até a morte deste, como também estabeleceu um estreito vínculo com seus enteados, especialmente com Elizabeth e Maria. Atualmente, Catarina costuma ser lembrada como uma mulher velha e cansada, que serviu de enfermeira para um rei velho e moribundo. No entanto, a historiografia moderna vem tentando desmistificar tais sensos comuns, mostrando-os como equivocados.
A intenção do artigo de hoje, é fornecer o vislumbre de algumas facetas desta intrigante mulher, conhecida por ter sido a mais relutante esposa de Henrique VIII, e por possuir um senso de política, discernimento e intelecto que mostraria-se bastante aguçado.
– A Primogênita de um casal:
Catarina Parr foi a filha primogênita do casal Sir Thomas Parr e Maud Green. Eles teriam mais dois filhos, o herdeiro William Parr, e a mais nova, Anne Parr.
– Raízes do norte inglês:
Embora tenha vindo de uma família proeminente, a realidade é que, os Parr não eram membros da nobreza. Segundo aponta a historiadora Elizabeth Norton, a família Parr era oriunda de Kendal, na Cúmbria, um território ao norte da Inglaterra, fronteira com a Escócia.
– Órfã de pai:
Seu pai, Thomas Parr, faleceu em 1517, quando Catarina era ainda muito jovem, contando com aproximadamente cinco anos de idade. Portanto, coube à sua mãe, Maud, os respectivos cuidados com seu lar e educação, preparativos estes, que foram executados com extrema perspicácia pela mesma.
– Educação Esmerada:
Catarina, assim como seu irmãos, teve uma ótima e refinada educação. Ela cresceu em um lar protestante, e dominava com fluência o inglês e francês, além de saber ler e falar um pouco de italiano, grego e latim.

– Uma matriarca poderosa:
A mãe de Catarina, Maud Green, era uma mulher de negócios e foi uma das únicas pessoas – depois de Mary, irmã de Henrique VIII – a conseguir aposentos definitivos na corte do monarca inglês. Mesmo assim, ela continuou gerenciando sua casa longe da corte, assim como os gastos com a mesma e com a educação de seus filhos.
– Sangue Azul:
Catarina Parr descendia de Eduardo III através de sua avó paterna. A família Parr havia sido muito próxima dos monarcas ingleses, mas não contava com muito sangue nobre, até o casamento do avô de Catarina, o cavalheiro William Parr, com a herdeira de sangue real, Elizabeth Fitzhugh.
– Uma serva fiel:
A mãe de Catarina nunca escondeu sua admiração por Catarina de Aragão, rainha a quem serviu fielmente por muitos anos. A maioria dos historiadores apontam que, o nome de sua filha primogênita, foi uma homenagem à primeira consorte henricana.
– Enlaces maritais:
Maud recebia e gerenciava sozinha, grandes somas em dinheiro. Ela sabia cuidar de si e de seus filhos, organizando casamentos para eles desde tenra idade. Foi cogitado, por exemplo, que Catarina casaria-se com o neto de Lord Dacre, a partir de seus doze anos de idade. A mãe de Catarina também tinha pulso firme o suficiente para declinar negociações que julgava pouco vantajosas para si ou para seus filhos.
– Nenhuma beldade:
Catarina não foi considerada uma beldade. Tanto é que Ana de Cleves, no momento do sexto casamento de Henrique VIII, diria – sem ser recriminada – que ela era muito mais bonita que Catarina. No entanto, ela também tinha atributos a seu favor. Ela era uma mulher enérgica, inteligente, alta, e possuía belos olhos azuis acinzentados, seguidos de um cabelo avermelhado e tez alva – atributos apreciados na época.
– Um gosto para a moda:
Catarina amava roupas finas, e assim como sua mãe e avó, tinha uma paixão por joias, especialmente diamantes.
– Amante do bom esporte:
Ela amava montar a cavalo e caçar com a besta, e assim como o seu pai, era apaixonada por música, sendo uma excelente dançarina. Ela apreciava todos os tipos de passatempos na corte, como festas e outras diversões.

– Mulher casadoura:
Uma vez que casar-se e ter filhos era um dos ideais femininos da época, o destino de Catarina Parr, não foi diferente. No entanto, mais do que a maioria das mulheres, ela casou-se ao todo, quatro vezes, duas a menos que Henrique VIII!
– Irmãos:
Catarina tinha dois irmãos mais novos, William e Anne Parr. Ana, a quem sempre foi muito íntima até o fim de sua vida, casou-se com William Herbert, tornando-se então, a Condessa de Pembroke. Já seu irmão, William Parr, casou-se três vezes, entre elas, com a dama de companhia sueca de Elizabeth I, Elin Ulfsdotter Snakenborg, uma mulher de grande prestígio durante o período elizabetano.
– Um casamento improvável:
Catarina casou-se com Henrique VIII, no dia 12 de julho de 1543. O casamento ocorreu com uma pequena reunião no oratório privado da câmara da rainha, no palácio de Hampton Court. A licença para o casamento havia sido emitida dois dias antes por Thomas Cramner, Arcebispo de Canterbury. O evento foi realizado pelo Bispo de Winchester, Stephen Gardiner. Quando ele perguntou ao monarca se o mesmo aceitaria Catarina como sua legítima esposa, Henrique com lágrimas nos olhos, diria em alto e bom tom ‘SIM!’. Catarina, por sua vez, disse que este também era seu desejo, mas o fez em uma voz baixa, sem força e trêmula. Ela relutou tanto quanto pôde em casar-se com o monarca henricano.
Resta-nos imaginar qual foi o sentimento de Catarina, ao encontrar-se após a cerimônia, com alguns parentes das antigas consortes de seu então marido.
– A boa rainha Catarina:
Segundo Eustace Chapuys, embaixador do Sacro imperador romano, Carlos V, Catarina era uma firme defensora da reabilitação de Lady Maria na corte. Segundo ele, parecia que ela, devagar, seguia os rumos do caminho que Jane deixou quando morreu.
Catarina também mostrou uma certa perspicácia política, o que ficou evidente em seus esforços para manter boas relações com o Sacro Imperador Romano. Chapuys confiava que Catarina faria tudo o que pudesse para preservar tal aliança.

– Um leito compartilhado:
É um consenso entre historiadores de que, a união de Henrique VIII e Catarina Parr, foi de fato, consumada. Catarina levou a sério seus votos para ser “Boa e obediente, na cama e na mesa”. Ela banhava-se com leite, para manter sua pele macia e um dia após seu casamento, ordenou que “perfumes finos” fossem trazidos para seus quartos em Hampton Court. Ela estava claramente determinada, a tornar seu corpo tão atraente quanto sua mente.
– Autora de Livros:
Ela foi a primeira rainha inglesa a escrever um livro em seu próprio nome. Durante a época em que era casada com Henrique VIII, ela lançou dois livros que são lidos e vendidos até hoje, o ‘Prayers or Meditations’ e o ‘The Lamentations of a Sinner’.
– Oração escrita por Catarina:
Abaixo você irá ler uma pequena oração escrita por Catarina Parr, retirada de seu livro ‘Prayers or Meditations’, escrito em 1545.
A Sabedoria de Deus:
”Sem ti, senhor, nenhum prazer dura por muito tempo. Se alguma coisa fizer a vida deixar de ter sabor, devem ir até ti, pois a sabedoria é o verdadeiro tempero da vida.”
– Traduções:
Por insistência de Catarina Parr, sua enteada Maria, traduziu para língua vernácula, parte do evangelho bíblico segundo João. Tal ato foi notório para Maria, uma vez que a tradução de evangelhos para língua vernácula era algo realizado pelos protestantes.
– Leonina?
Segundo a historiadora Susan James, em seu livro ”Catherine Parr: Henry VIII’s Last Love”, Catarina Parr nasceu provavelmente em meados do dia 15 de Agosto, de 1512. Ou seja, se esta informação mostrar-se correta, Catarina era leonina!
– Uma família reunida:
Catarina foi responsável por reunir os filhos de Henrique com o pai e trazê-los de volta à corte. Ela conquistou Maria pelo fato de que sua mãe, Maud, havia sido uma boa amiga e serva de Catarina de Aragão (mãe de Maria), e Eduardo, por este ser protestante e jovem o suficiente para não lembrar-se de sua própria mãe, vendo nela uma figura materna em potencial. O relacionamento de Catarina, no entanto, foi mais a fundo com Elizabeth, que foi conquistada pelo calor e inteligência da madrasta. A reunificação da família não era apenas boa para as crianças, ela também apresentaria uma frente unida contra os adversários em potencial de Henrique VIII.
– Uma Erudita:
Catarina era uma mulher muito inteligente, tendo feito parte de círculos de pensadores no período Tudor, onde debatia sobre religião e conceitos humanistas. Catarina Parr seguiria os passos de Margaret Beaufort, avó de Henrique VIII, em seus esforços para com o rei, em avançar [a boa aprendizagem] e criar uma nova oportunidade para exortar Henrique VIII a fundar o Trinity College.
– Catarina condenou o aprendizado?
Alguns historiadores apresentam uma linha de pesquisa em que afirmam que Catarina condenou o aprendizado e, como corolária, ela mesmo não sabia de muita coisa. No entanto, tal pensamento mostra-se totalmente equivocado uma vez que, Catarina era uma pessoa bastante erudita, e nos termos declarados pela universidade de Cambridge, foi uma ”mantenedora e estimadora do estudo erudito”. Seus protestos a respeito da educação, eram o de que o aprendizado secular, acima do estudo das escrituras, substituía a sabedoria das academias clássicas para a sabedoria aparente da bíblia. Para Catarina, aprender consistia na leitura de boas obras, instituída e obtida pelos esforços do homem, cumprindo uma curiosidade humana e uma necessidade humana.

– Último casamento:
Após a morte de Henrique VIII, Catarina casou-se com Thomas Seymour – irmão de Jane Seymour – no ano de 1547. Isso fez dela, cunhada de Jane, a terceira consorte henricana.
– Escândalo da Chemise:
Quando Elizabeth foi morar em Chelsea com Catarina Parr e Thomas Seymour, este último envolveu-se em um escândalo com ela. O escândalo foi tão grande, que Catarina teve que afastar Elizabeth de seu lar e tentar abafar o caso. No entanto, após a morte de Catarina, Kat Ashley, governanta de Elizabeth, foi presa e torturada a fim de contar o que realmente houve entre Elizabeth e Thomas. Ela por sua vez, disse – em outras palavras – que Thomas assediou Elizabeth e que Catarina foi sua cúmplice.
É bem provável que Thomas Seymour, que sempre foi conhecido por sua conduta um tanto inadequada – não só com Elizabeth, como também com Mary – possa ter passado dos limites com a jovem. Devido a sua sede de poder, este não teria sido o primeiro escândalo – e nem o último – de sua vida. No entanto, segundo apontam os historiadores, é deveras improvável que Catarina estivesse diretamente envolvida neste evento. A própria natureza do depoimento de Kat Ashley deve ser questionada, uma vez que, sob tortura, uma pessoa pode falar qualquer coisa.
Outro fator a ser considerado, é que a postura de Catarina, foi questionada e denunciada por apenas uma pessoa: Kat Ashley. Deste modo, é no mínimo curioso, que uma mulher que sempre esteve acompanhada de um enorme séquito em Chelsea, testemunhas em potencial, só tenha tido uma pessoa a depor contra ela, e essa pessoa em questão, o fez sob tortura.
– Gravidez:
Pouco tempo depois, ela deu à luz uma menina de nome Maria Seymour, que, ao que tudo indica, faleceu durante a infância. Catarina morreu de febre puerperal, pouco tempo após o nascimento da criança.
– Um funeral protestante:
Na procissão de seu funeral, a jovem e 11 anos, Lady Jane Grey (futura rainha dos nove dias), que morava com ela na época de sua morte, foi a responsável por desempenhar o papel de dama enlutada. Este seria o primeiro funeral protestante realizado em solo inglês, deste modo, possuindo menos pompa que os funerais habituais (católicos) do período.
– Cadáver Incorrupto:
Por séculos, seu cadáver permaneceu incorrupto, como se a rainha viúva estivesse apenas dormindo em um sono eterno. Seu corpo foi profanado e inclusive violentado na igreja onde fora enterrado.
– Os descendentes Parr:
Os descendentes da irmã mais nova de Catarina, ficaram conhecidos por terem recebido propostas de irem à América e por assaltarem e matarem pessoas (vide Philip Herbert, 7 Conde de Pembroke). Devido a um dos descendentes desta família, que acabou indo para a América, alguns norte-americanos clamam atualmente, descenderem desta famosa família inglesa.

– Encerramento:
Um real vislumbre de Catarina Parr enquanto rainha inglesa, vem apenas com uma compreensão e avaliação da família de onde ela surgiu e que durante toda a sua vida, manteve um permanente vínculo afetivo. Conforme ressalta a historiadora Susan James:
”No xadrez, um jogo que Catarina gostava de jogar, o gambito da rainha (ou dama) é um movimento que coloca a rainha que está em perigo, ou mesmo a sacrifica, a fim de ganhar vantagem tática para o seu lado. Em maior ou menor grau, todas as famílias que forneceram rainhas para Henrique VIII, participaram deste movimento. O próprio rei, sacrificou quatro rainhas por anulação ou execução para obter uma vantagem percebida. Para Catarina Parr, o gambito da rainha não só forneceu lugar e patrocínio para sua família, como acelerou o ritmo da religião reformada, assegurou sua integridade contínua no próximo reinado e garantiu a sobrevivência e a preparação de sua enteada Elizabeth”.
Bibliografia:
JAMES, Susan; Catherine Parr: Henry VIII’s Last Love; The History Press; Reprint edition (September 1, 2009).
NORTON, Elizabeth; Catherine Parr: Wife, Widow, Mother, Survivor, The Story of the Last Queen of Henry VIII; Amberley Publishing; Reprint edition (May 12, 2011).
FRASER, Antonia; As Seis Mulheres de Henrique VIII; Best Seller (27 de fevereiro de 2009).
PORTER, Linda. Katherine the Queen: The Remarkable Life of Katherine Parr, the Last Wife of Henry VIII; St. Martin’s Griffin; Reprint edition (December 20, 2011).
Olá, excelente texto! Poderia me dizer de que maneira o corpo da Rainha foi profanado quando encontrado?
Temos um artigo que detalha mais o modo como os restos mortais de Catarina foram tratados:
https://tudorbrasil.com/2013/09/21/a-morte-de-catarina-parr-e-seu-cadaver-incorrupto/
Muito obrigada! Irei ler. Parabéns pelo blog!