Ao longo do tempo, sempre foi dada uma exagerada atenção ao relacionamento de Catarina de Medici para com sua antiga nora, Mary Stuart, rainha dos escoceses. A historiografia francesa, como sabemos, nunca fora muito gentil com Catarina, sempre retratando-a como uma viúva negra, tirana, inescrupulosa e sedenta por poder.
Histórias circulam de que, afoita em livrar-se da jovem rainha, Catarina seria capaz de envenenar seu próprio filho, a fim de que a presença e influência de sua nora na corte, fosse minimizada. No entanto, este imaginário cruel, nada mais é, que ficção vinda da criativa mente de romancistas através do tempo, pessoas estas, que ajudariam a solidificar a posição de Catarina como uma mulher impiedosa e cruel. O relacionamento de ambas as mulheres, embora marcado por acontecimentos trágicos, conflitos de poder e mudanças hierárquicas, foi muito menos turbulento do que costuma-se imaginar.
A intenção do artigo de hoje, é tentar compreender como duas mulheres tão poderosas no cenário europeu do século XVI, se conheceram, e desenvolveram um relacionamento que duraria até a morte da rainha escocesa, em 08 de Fevereiro de 1587.

Conforme ressalta o biógrafo Stefan Zweig, desde o início da vida de Mary Stuart, cumpre-se a lei de seu destino, que escrito através de linhas tortas, determina que ela receba todos os seus louros cedo demais. A pequenina, que tornou-se rainha da Escócia com apenas seis dias de idade, foi enviada por sua mãe, Marie de Guise, à França, em agosto de 1548. A intenção de Guise, era proteger sua filha de então cinco anos, da crescente investida inglesa contra o reino escocês. Era também da vontade de Henrique II da França e dos tios maternos de Mary, Francisco, Duque de Guise, e Carlos, Cardeal de Lorena, que a jovem se estabelecesse no reino. A jovem rainha chega à França um ano antes da coroação da consorte do monarca francês, Catarina de Médici.
Diferentemente do modo como até então era tratada no reino da Escócia, como uma criança adoentada e incapacitada em muitas maneiras, na França, segundo aponta a historiadora Antonia Fraser, Mary seria capaz de vivenciar uma infância dos sonhos, ao lado dos filhos de Henrique II.
Catarina de Médici mostrou-se uma pessoa dedicada para com os cuidados de seus filhos e de Mary, que futuramente desposaria o pequeno Francis, seu primogênito. Ela passava horas escrevendo aos preceptores das crianças, a fim de informar-se a respeito do bem-estar e educação dos jovens. O monarca francês também não faria diferente; ele era todo cuidados com a jovem rainha escocesa, e segundo a historiadora Leonie Frieda, em seu livro ‘Catarina de Médicis’, ”Mary não poderia ter chegado a lugar mais acolhedor”.
Anos depois, a fim de encontrar sua filha e tomar ciência de como estava sua educação, Marie de Guise segue rumo ao encontro de Mary, com então oito anos de idade. Nesta época, um homem de nome Robert Stuart – que pretendia passar-se por um espião inglês – foi acusado de tentar envenenar a jovem, antes da partida de sua mãe. Ele foi então enforcado por seu crime, deixando toda a corte afoita, e o caso sob uma nuvem de mistério. Por muitos odiada na corte, devido à sua nacionalidade e família – fatores estes, que fizeram de Catarina, vítima de preconceito na França – logo o nome da rainha seria indiretamente associado ao evento. No entanto, nesta altura dos acontecimentos, Mary Stuart era apenas uma criança, e não haveria nenhum motivo que pudesse levar Catarina a querer eliminá-la de seu caminho.
No entanto, mesmo com toda a dedicação que Catarina nutria para com o berçário real e todos os seus devidos assuntos, Mary Stuart parece não ter se entusiasmado com a rainha. Um episódio digno de nota, ocorreu quando Catarina apareceu sem avisos na creche real. Isso levaria à jovem Mary questioná-la ‘se a senhora por acaso não sabia que estava na presença da rainha da Escócia’. Catarina por sua vez, responderia perguntando-lhe se a jovem por acaso ‘sabia que estava na presença da rainha da França’. Esta antipatia demonstrada por Mary para com Catarina, foi quase imediata, embora não tenha gerado maiores desconfortos na época. Segundo Zweig, as companhias apreciadas pela jovem rainha, seriam de Elisabeth de Valois – irmã de Francis – e de sua avó materna, Antoinette de Bourbon, uma nobre francesa que seria uma de suas principais conselheiras.
Conforme os anos foram passando, Mary Stuart cresceria para tornar-se uma sábia, culta e bela jovem, que seria muito popular na corte francesa. Embora Catarina visse pouco a ganhar na união de seu filho Francis com a jovem rainha escocesa – uma vez que acreditava que o enlace apenas conferiria mais poder à facção dos Guise -, ela aceitou a mesma sem reclamar. Desde cedo, o jovem Francis mostraria grande afeto por Mary. Embora o amor de ambos seja sempre destacado como sendo de natureza apenas fraternal, é certo que ela desenvolveria uma crescente influência sobre sua figura, que refletiria tempos depois.
No dia 28 de Abril de 1558, Mary Stuart se casa com Francis, na catedral de Notre-Dame. O evento é celebrado diante do povo, com milhares de pessoas admirando a noiva ao lado do franzino rapaz que tornaria-se seu marido. Ela trajava um belo e suntuoso vestido branco, sua cor favorita, mas que, curiosamente, também representava a cor do luto no reino francês.

Pouco tempo após o casamento real, Henrique II sofre um acidente após um torneio onde travaria uma disputa com o capitão da guarda escocesa, um jovem de nome Montgomery. Uma lança ultrapassa seu elmo, alcançando seu olho, e o perfurando, até que uma de suas lascas alcancem seu cérebro. Catarina, em grande angústia, estaria ao seu lado enquanto o monarca lutava por sua vida. Ele agonizaria por dez dias, em grande agonia, falecendo no dia 10 de Julho de 1559.
Com a morte de Henrique II, Catarina não mais era rainha da França, assim como não mais possuía um direito de precedência diante de Mary Stuart. A partir deste momento, a jovem escocesa de 16 anos de idade, a quem Catarina chamava de nora, foi elevada à categoria de rainha, ao lado de seu novo e inexperiente marido.
Uma vez que Francis era jovem e contava com pouca experiência, assim que assumiu ao trono, ele conferiu à mãe, amplos poderes para governar ao seu lado, e todos os seus atos oficiais passaram a iniciar com as seguintes palavras:
”Sendo este o desejo da rainha, a senhora minha mãe, e aprovando eu também todas as suas opiniões, ordeno de boa vontade que…’’
A respeito da influência de Catarina sobre Francis, Mary Stuart já havia comentado em uma carta para sua mãe, Marie de Guise, que:
”Creio que, se o rei, seu filho, não fosse tão obediente aos seus desejos, ela morreria em breve, o que seria o maior infortúnio que poderia acontecer a este pobre país e a todos nós…’’
No entanto, ao contrário do que muitos acreditam, era Mary quem exercia real influência sobre o jovem monarca. A rainha escocesa, por sua vez, era orientada por seus tios Guise, que enviavam-lhe cartas alertando-a do que deveria ser dito ou feito no reino – fator que acabava por reduzir ainda mais a influência de Catarina na França.
Catarina no entanto, foi diplomática o suficiente para não deixar os dissabores de sua relação com sua nora, afetar a política de estado. Ela não dirigia-se a ela de modo abrupto ou lhe fazia desfeitas. Sempre tratou Mary enquanto rainha, com todo o respeito condizente à sua posição. Ela entregou-lhe todas as joias da coroa sem pestanejar, inclusive acrescentando gemas preciosas, que lhe pertenciam pessoalmente por direito.
Mary Stuart por sua vez, parece ter sido menos agradável e cortês para com a sogra. Segundo aponta Stefan Zweig e Leonie Frieda, partiu dela – e de outros cortesãos – os indelicados comentários sarcásticos a respeito da ascendência menos nobre de Catarina, a partir de comerciantes italianos. Ao que parecia, para Mary, a rainha-viúva nada mais era que uma simples filha de um comerciante florentino.

Conforme aponta Frieda, não temos como saber se Catarina estava ciente de tais comentários, e mesmo se estivesse, tratou de ignorá-los (embora não os esquecesse). Ao que tudo indica, a mulher recém-viúva, com suas pesadas vestes negras e luto que duraria até o final de sua vida, tinha assuntos mais importantes para resolver, do que dar atenção a comentários vindos de sua nora.
No primeiro inverno após o falecimento de Henrique, as duas rainhas eram frequentemente vistas juntas uma da outra em Blois, seja assistindo o sermão, marcando presença na capela ou ceando sala de jantar. E quando Francis partia para a caça – atividade que tornaria-se cada vez mais constante – as duas usufruíam de horas, uma ao lado da outra. Segundo aponta Frieda, é provável que, com a sogra italiana, Mary tenha adquirido sua inclinação pela intriga, embora nesta carreira, ‘tenha revelado-se uma aluna obediente e atenta, porém fraca’.
O relacionamento de Catarina com Mary, também era muito moldado de acordo com o bem-estar de Francis. Enquanto a mesma fizesse o monarca feliz, Catarina nada teria que recriminá-la, uma vez que a jovem teria servido aos seus interesses.
Conforme passavam-se os meses, Catarina, de acordo com o que vimos acima, tentava desviar a dor da perda de seu marido, resolvendo alguns assuntos de estado. Ela encarregou-se de responder as cartas de monarcas e diplomatas estrangeiros, que davam-lhe os pêsames pela morte de Henrique. Nos meses que seguiram-se após a morte do rei, Mary escreveria à sua mãe, alertando-a sobre a situação em que encontrava-se a sogra:
”Ela ainda está tão angustiada e sofreu tanto durante a doença do rei, que graças à grande aflição que lhe causou, temo uma grave doença”.
Desde a morte de Henrique, Catarina deixou de lado muitos assuntos políticos, legando-os para os irmãos Guise. Neste meio tempo, ela ocupou-se de sustentar o papel de esposa viúva, mãe de jovens filhos órfãos. Porém, este ato aparentemente inocente, mostrou-se bastante calculado, uma vez que, após a morte do monarca, os cofres estavam em débito, o que gerou uma revolta entre o povo, que claramente, voltaria-se contra os Guise.
Diante de um cenário potencialmente conturbado, com as tropas francesas e escocesas organizando-se para clamar o trono inglês através dos direitos de Mary Stuart e de Francis (por matrimônio), a saúde do jovem monarca pareceu dar os primeiros sinais de declínio. No outono de 1559, Francis carregava em seu corpo indícios de uma grave doença. Suas frequentes crises de desmaios, tonturas e pústulas vermelhas nascendo em sua face, aumentavam consideravelmente. Foi também notado um abcesso em um de seus ouvidos, algo que o desnorteava de tamanha dor. Neste meio tempo, Mary também não era alheia à tonturas e dores, que muitas vezes, a levava a ter que retirar-se a fim de convalescer.

Em 11 de Junho de 1560, Marie de Guise, mãe de Mary, falece vítima de Hidropsia. Ao receber de seu tio a notícia, a rainha da Escócia, inconsolável, desmaia de pesar. Coube à Catarina, ainda de luto pela morte do marido, o papel de prestar-lhe às devidas condolências e confortá-la da terrível perda.
Em 09 de Novembro de 1560, o rei cai novamente enfermo. Desta vez, as perspectivas são desalentadoras. Mary e Catarina ficaram na cabeceira da cama, quase incansavelmente na companhia do rei, mas isto seria em vão. No dia 05 de dezembro de 1560, após 16 meses de reinado, Francis II da França, falece em seus aposentos reais, deixando uma mãe duplamente pesarosa, e uma esposa desolada.
Conforme destaca Zweig, não há porque duvidarmos do profundo lamento de Mary para com a perda do marido, pois, segundo o biógrafo ”ela não perdeu somente um amigo amável e benevolente, mas também sua posição na Europa, o seu poderio e sua segurança’’. Com a morte de Francis, Mary Stuart é obrigada a recuar perante Catarina, uma vez que a mesma, era a viúva mais velha. Ela não mais seria a primeira mulher do reino, como outrora foi com a morte de Henrique II. Ela agora passaria seu lugar de primeira mulher na corte, novamente para Catarina, situação esta, que agravaria o desconforto entre as duas, devido as demonstrações de inimizade que a jovem mostrou para com a sogra.
Rápida como sempre fora, Catarina tratou de requisitar à nova e chorosa viúva, a devolução das joias da coroa. Tal atitude pode ter parecido um tanto drástica, mas Catarina era uma mulher muito ciente de seu papel político, e sabia que, a partir de então, teria de trabalhar duro para consolidar a posição de seu segundo filho de dez anos, como o novo monarca francês, e esforços não seriam poupados para tal. No dia 21 de Dezembro, Catarina neutralizou a posição dos Guise e Bourbon, se auto-proclamando governante do reino, e por conseguinte, usufruindo dos poderes de um legítimo monarca.

Pouco tempo após a páscoa do ano seguinte, surgem aos ouvidos de Catarina, rumores de um planejado enlace entre Mary Stuart e o herdeiro de Filipe da Espanha, Don Carlos. Isso a deixou consternada, seguido das demasiadas atenções que Chantonnay, o embaixador espanhol, prestava à rainha da Escócia. Na cabeça de Catarina, sua enlutada nora, agora estava interferindo em suas questões, uma vez que a mesma planejava estreitar os laços de sua família com a Espanha. Ela escreveria missivas em código para Elisabeth – sua filha que estava na Espanha – alertando-a sobre Mary, a quem chamava de ‘aquele gentil homem’, e fazendo-a impedir tal união. Segundo acreditava Catarina, caso o monarca espanhol viesse a falecer de modo prematuro, a posição de sua filha no reino da Espanha, estaria ameaçada pela jovem que tornaria-se rainha novamente. Além disso, tal união representaria um forte apoio para a facção Guise, podendo influir diretamente no futuro dela e de seus filhos no trono francês. No entanto, para alívio de Catarina, Filipe, temendo a represália internacional dos muitos que se opunham à tal união, abandonou os planos no ano seguinte.
Tempos depois, Catarina foi informada de uma nova intenção dos Guise em formar uma aliança através de Mary, desta vez, com o Arquiduque Carlos, filho do Imperador Fernando da Áustria. Ela então escreveria ao seu embaixador na Áustria:
”O Rei desejas que uses de todo o vosso engenho para descobrirdes o que puderes sobre o que se estas a dizer e a fazer a respeito do suposto casamento da rainha da Escócia, minha filha, com o príncipe Carlos. Use de todos os meios ao vosso alcance para descobrir o verdadeiro estado das coisas.’’
Catarina tinha em mente que deveria livrar-se o quanto antes de sua nora, uma vez que à esta altura dos acontecimentos, a mesma representava grande ameaça à posição da França no cenário europeu, além de, segundo aponta Frieda, ser ”um estorvo político e uma despesa para a França’’.
No dia 14 de Agosto de 1561, com grande pesar, Mary Stuart despede-se de seu dourado passado na França, seguindo rumo à Escócia. Sua situação no continente, há muito era insustentável. Por vezes a jovem pensou em retirar-se para um convento, alienando-se da vida de prazeres da corte, agora que estava completamente distante de seu alegre passado no reino. Ela nunca mais voltaria à França, e sabia disto, uma vez que, enquanto seu navio navegava, afastando-se cada vez mais do solo firme, ela manteve seus olhos fixos na costa francesa, até que estivesse totalmente fora de vista, e repetiria: “Adieu France, adieu alors ma chère France … je pense ne vous revoir jamais plus” (Adeus França, Adeus minha querida França… Acredito que nunca mais irei vê-la novamente).
Na Escócia, quase cinco anos após sua partida da França, Mary Stuart casa-se com Henry Stuart, Lord Darnley, um primo católico que, assim como ela, também possuía reivindicação à coroa inglesa. Desta união, a rainha escocesa teria seu único filho, James (que mais tarde ascenderia ao trono inglês como James I da Inglaterra e VI da Escócia). O casamento logo mostrou-se um fracasso, uma vez que o jovem tornou-se conhecido por polêmicas envolvendo seu vício em bebidas e sua sede de poder, inclusive envolvendo-se no assassinato do secretário particular de sua esposa, David Rizzio.

Após o escândalo do assassinato, Darnley ameaça deixar a rainha escocesa e o reino, o que faz com que Mary tema que ele espalhe histórias falsas a seu respeito na corte de Catarina de Médici. Mary então convoca seu conselho e envia uma missiva à Catarina, onde explica a situação referente ao assassinato de Rizzio, ressaltando o envolvimento de seu marido no caso. No entanto, as ameaças de Darnley foram em vão, e ele continua no reino. Darnley foi descrito como um homem arrogante e petulante, e seu matrimônio com Mary duraria pouco, uma vez que o mesmo foi assassinado oito meses após sua esposa dar à luz.
Mary seria culpabilizada pela trama que findaria com a vida de seu jovem marido, mas a mesma alegaria que o incidente que matara Darnley, tinha como principal intenção tirar sua própria vida. Poucos acreditaram na rainha, uma vez que ela estava cada vez mais próxima do 4.º Conde de Bothwell, responsável por ocasionar uma grande onda de ódio popular, ao estar envolvido no assassinato de Darnley. No continente, Catarina de Médici, mostraria-se chocada com o assassinato de lord Darnley, dizendo ser ‘uma horrível, pérfida, e estranha empresa e execução perpetradas contra a majestade do rei’, exigindo à Mary que provasse a todos sua inocência, caso contrário ‘a considerariam desonrada, mais do que isso, [a França] tornaria-se sua inimiga’.
Em suma, Catarina informa de modo claro, que considera sua antiga nora como uma pessoa desonrada, e que a Escócia não deveria esperar nenhum tipo de aliança com a França, até que a morte de Darnley fosse esclarecida diante de um julgamento digno e honesto. Pouco tempo depois, Mary Stuart desposa Bothwell, atitude esta, que selaria seu destino como rainha da Escócia. Nas ruas escocesas, Mary era chamada de todos os tipos de nomes e panfletos pouco elogiosos a seu respeito, circulavam pelo reino. Ela tentaria lutar diante do povo que pedia sua abdicação enquanto soberana, mas ao ver a magnitude da oposição, rende-se antes de iniciar combate. Após ser feita prisioneira, ela é obrigada a assinar papéis para sua abdicação ao trono. Ela levantaria outro exército, mas seria derrotada em batalha e obrigada a deixar seu reino. Conforme mencionaria na época, Catarina desprezou as ações de Mary no momento em que esta retornou à Escócia, e diante deste contexto, a relação entre ambas ficou enfraquecida.
Com o final de seu curto reinado efetivo na Escócia, após ser perseguida, surge na mente de Mary, um dilema no qual a rainha não poderia escapar: Para onde ela fugiria?
As opções eram a França, Espanha ou Inglaterra. Na França, ela recorda-se de seus anos dourados, onde viveu grande parte de sua vida. Porém, por temer as sarcásticas boas-vindas da descontente Catarina de Médici, esta não lhe parecia uma opção viável. A Espanha também não lhe parecia um bom lugar, uma vez que a corte católica de Filipe II, não via com bons olhos seu casamento com Bothwell, realizado por um clérigo protestante. Deste modo, seu destino e atenções, voltam-se então para o reino de sua prima, Elizabeth I da Inglaterra.

Elizabeth I tomou Mary sob sua proteção, embora lhe recusasse a ajuda necessária contra seus inimigos na Escócia, utilizando a desculpa do assassinato de Darnley. Para o resto de sua vida, Mary seria em verdade, uma prisioneira.
Desde o início, Catarina de Medici reprovou amargamente as atitudes de Elizabeth I no momento em que a mesma tomou Mary Stuart em exílio, e intercederia a favor de sua antiga nora diversas vezes.
Após 19 anos de cárcere na Inglaterra, a última linha do destino de Mary foi por fim traçada. Em Outubro de 1586, ela passou por um julgamento no castelo de Fotheringay, onde foi condenada por traição, devido à sua suposta participação no Complô de Babington, que visava matar a rainha Elizabeth I, colocando a antiga rainha da Escócia no trono inglês.
Ao saber do veredicto de sua antiga nora, Catarina de Médici ficou chocada, imediatamente enviando o estadista e chanceler, Pomponne de Bellièvre para o reino inglês, em novembro de 1586, a fim de implorar por clemência. Ele faria o possível para conseguir que a monarca inglesa voltasse atrás e prometesse-lhe misericórdia. Por fim, ele conseguiu que a execução de Mary fosse adiada por 12 dias. O então monarca francês, Henrique III, filho de Catarina, escreveria à Elizabeth, onde insinuaria que a execução de sua antiga cunhada representava uma ‘afronta pessoal’, mas de nada adiantou, uma vez que a monarca responderia dizendo ser ‘o meio mais rápido de eliminar tamanha maldade’.

Conforme visto anteriormente, Catarina nunca concordou com as ações de sua nora durante o período em que reinou na Escócia. No entanto, a ideia de um soberano executar o outro, era contrária à todas as suas crenças. Ela escreveria a Bellièvre: ‘Sinto-me extremamente agravada por não terdes podido fazer mais pela pobre rainha da Escócia. Nunca aconteceu que uma rainha tivesse jurisdição sobre a outra, que buscando segurança, se entregou em suas mãos, como ela fez quando fugiu da Escócia’.
Mary Stuart, a mulher que Catarina viu crescer e florescer diante de seus olhos, em uma jovem culta e encantadora, foi executada no castelo de Fotheringay, no dia 18 de fevereiro de 1587. Catarina reagiria inconformada, com mágoa e raiva, ao receber uma missiva de seu chanceler a respeito da ‘cruel morte da rainha da Escócia’.
Em Paris, soaram os mais profundos sofrimentos e cânticos dos sacerdotes na Catedral de Notre Dame e sulfurosas ameaças de Henrique III, uma vez que ele recusou a audiência com o embaixador inglês e confiscou as encomendas e despachos de Elizabeth em Dieppe, além de ordenar um embargo sobre todos os navios ingleses em portos franceses. Mais tarde, a população francesa católica, enfurecida, culparia o monarca Henrique pela morte de Maria, atribuindo sua execução à religião e a ataques heréticos vindos da Inglaterra. Foi decretado luto na corte da França e rezada uma missa fúnebre em Notre-Dame, no dia 13 de março.
O lema de Mary Stuart, ‘E ma fin est mon commencement’ (em meu fim está meu começo), que ela outrora, tão cuidadosamente havia bordado em um de seus trabalhos manuais, provou-se, uma dolorosamente cruel brincadeira do destino. Catarina de Médici não viveria muito mais, falecendo em 5 de janeiro de 1589, aos 69 anos de idade, vítima de pleurisia.
Catarina e Mary eram duas mulheres distintas, porém muito semelhantes em essência. Ambas eram exiladas (Catarina era uma italiana vivendo na França, e Mary, uma escocesa que viveu na França e Inglaterra), ambas eram mulheres fervorosamente católicas e com crenças pessoais sólidas e inabaláveis, ambas ficaram viúvas, ambas tiveram um destino carregado de perdas e pesares. Por fim, as duas também seriam constantemente superadas por rivais mais cuidadosos, ou até mais talentosos. O destino, que outrora encarregou-se de juntar duas mulheres tão fortes, uma enaltecida como mártir, vítima de suas crenças, e outra como víbora cruel e fanática, trataria de não esquecê-las. Elas foram mulheres poderosas na Europa do século XVI, e fizeram o possível para jogar o jogo do poder. Ganhando ou perdendo, ambas deixaram suas marcas no tempo.
Bibliografia:
FRIEDA; Leonie. Catarina de Médicis. Editora Civilização, Portugal, 2016.
FRASER; Antonia. Mary Queen of Scots. Delta; Reprint (30 de abril de 2014).
GUY; John. Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart. Mariner Books; Reprint (17 de junho de 2014).
ZWEIG; Stefan. Maria Stuart. Guanabara, Rio de Janeiro (1942).
MACCUNN; Florence Anne S. Mary Stuart. Palala Press (18 de maio de 2016).
ASTUTO; Bruno. Catarina de Médicis. Ed. Lacerda (2001).
Post Perfeito! Qual livro seria indicado para leitura na integra sobre a Mary, rainha dos escoceses?
Recomendamos as obras citadas sobre ela, acima, na bibliografia, Jessica. São todas maravilhosas!:)
a rainha mary tem parentesco com a hoje rainha isabel II?
Elizabeth II descende de Mary Stuart, através de seu único filho, James VI da Escócia e I da Inglaterra.
Eu li algumas coisas sobre Mary Stuart, sempre achei que a morte dela teria sido em 8 de Fevereiro. Amei o post, você viaja em seus pensamentos e sua imaginação te faz ir até o século XVI é como se vc tivesse vivenciado toda a história.
Olá, Andressa. Tudo bem? Mary foi executada em fevereiro mesmo, conforme assinalamos no final do artigo!
Obrigada pelo gentil comentário! 🙂
Me identifico muito com esse século ( XVI) ❤
Que texto lindo e bem escrito, apenas reforçou minha crença de que Mary sempre foi francesa ❤
Amei o texto ! Meus parabéns !
Amei!! Sou fascinada por história mundial. Assistindo agora a série Reinado, despertou-me o interesse por estas duas rainhas maravilhosas!! Parabéns pelo texto!!