Um rigoroso inverno acolhia a Áustria em seu gélido abraço, quando os primeiros sussurros de uma forte ventania, adentravam pelas janelas das câmaras onde Maria Teresa da Áustria, sem descanso, executava suas rotineiras anotações em relatórios. Ela contava com 38 anos de idade, uma grande e redonda barriga, e muitos afazeres, que nem mesmo seu avançado estado de gestação a faria abrir mão de resolver. Eis que, diante deste cotidiano cenário, surgem as primeiras pontadas em seu ventre, dores estas, que fariam a Imperatriz – que não era nenhuma imperita nas artes de dar à luz – fremir levemente.

A hora era chegada. A data era 02 de Novembro de 1755, Dia de Todos os Santos. Naquele momento, a corte em massa, ocupava-se com outro evento a ser celebrado, a missa do dia de finados. Após as orações, Francisco I, marido da imperatriz, seguiria rumo ao seu encontro. Em suas câmaras no Palácio de Hofburg, Maria Teresa repousa em uma poltrona especial, com uma fenda no meio do assento que, conforme o costume alemão, seria onde seu filho viria ao mundo. Imperatriz de seu povo e dona de sua própria vida, Maria Teresa não era mulher que submetia-se facilmente a tudo e a todos. Dar à luz sentada, ou de cócoras, fazia com que a parturiente tivesse mais autonomia no trabalho de parto. Ela conseguiria compreender melhor as contrações de seu corpo, e conduzir e participar mais ativamente do nascimento do bebê. Em suma, ela poderia ser soberana até nos momentos mais delicados de sua vida.

Em passos rápidos, Francisco chega até sua esposa. Nem o gélido clima de inverno consegue esfriar a ansiedade dos cortesãos que não mais podiam entrar para ver sua soberana dar à luz. Maria Teresa encontraria-se confinada em seus aposentos com parteiras, alguns médicos e funcionários da corte, uma vez que ela mesma havia dado fim ao ritual onde os cortesãos podiam marcar presença no parto de suas imperatrizes.
Horas se passaram, o trabalho de parto foi difícil, durando quase um dia inteiro, mas por fim, quando a lua jazia reluzindo no meio céu, por volta das 20:30 da noite, uma rechonchuda, bastante alva e bela menininha vinha ao mundo. ”Sua majestade deu à luz com muita alegria, uma pequena arquiduquesa; pequena, mas totalmente saudável”, diria o Conde de Khevenhüller, camareiro da corte. Ela era a décima quinta filha da Imperatriz, e foi chamada de Maria Antônia Josefina Joana. Todas as filhas de Maria Teresa tinham o nome começando por Maria, e a caçula de sua prole, seria a partir de então, chamada por todos, de Antônia.

A circunstância na qual esta frágil menininha veio ao mundo, tornou-se por muitos historiadores, motivo de especulação, uma vez que diziam ser o ‘Dia de Finados’, um dos presságios do destino que o futuro lhe reservara. Mas embora a data tenha sido vista na época com ressalvas, motivo pelo qual a jovem comemoraria seus aniversários sempre um dia antes de 2 de novembro, estes eram outros tempos, e nada em seu nascimento poderia, para a grande e feliz família, ter significado mais que uma alegre adição ao ninho imperial. Quando Maria Antônia deu seu primeiro suspiro, a Áustria desfrutava de um breve período de paz no cenário europeu. Porém, embora o dia de seu nascimento não tenha significado algo de desagradável para sua família, os eventos ocorridos no dia anterior, alarmariam toda a Europa. No dia 1 de Novembro, um terrível terremoto assolou três quartos da cidade de Lisboa. Embora isso não alterasse diretamente o fato do não-comparecimento do rei de Portugal no batismo de sua afilhada – uma vez que não era de praxe que monarcas frequentassem tais eventos -, tornou-se notório que ambos estivessem ligados um ao outro de algum modo, por uma coincidência tão infeliz.
Enquanto a Maria Teresa recompunha-se de seu parto, para logo depois retornar a assinar documentos ainda em leito, a pequenina Maria Antônia, que mais tarde seria conhecida como Maria Antonieta (ou Marie Antoinette, em francês), foi levada para uma ala do palácio de Hofburg, reservada aos filhos do casal imperial. O galinheiro de Maria Teresa, como a mesma às vezes se referia ao local onde seus filhos residiam, era motivo de grande orgulho para a Imperatriz, afinal, era neste recinto, repleto de belos e desenvoltos jovens, que alianças matrimoniais seriam realizadas por toda a nata da Europa.

O nascimento da arquiduquesa foi anunciado por Francisco I, após os costumeiros ritos católicos serem entoados, como as bênçãos e o hino litúrgico cristão, ‘Te Deum’. Na imponente sala dos espelhos, local onde futuramente Mozart faria seu primeiro concerto, todas as ansiosas damas e cavalheiros de maior proeminência, aguardavam as boas novas. E uma vez que batizados eram realizados com bastante pressa, este evento da vida de Maria Antonieta, ocorreu apenas 1 dia após seu nascimento, na igreja dos Frades Agostinianos. O batismo seria seguido por mais dois eventos, nos dias 5 e 6 de Novembro, com espetáculos sendo apresentados ao povo gratuitamente, tudo para dar boas vindas à pequena arquiduquesa austríaca.
Poucos dias depois, alguns cortesãos puderam visitar e saudar a Imperatriz, enquanto outros teriam que esperar ainda mais por tal privilégio. Conforme os dias passavam, podia-se ver que a Imperatriz se recuperara muitíssimo bem das dores do parto, já tendo retornado aos seus afazeres. E quanto à Maria Antônia, esta jazia aninhada e entregue à sua nova ama-de-leite, Constance Weber, uma doce e gentil mulher, conhecida por todos por sua grandeza de espírito.

Os anos se passaram, e a pequena Maria Antônia, aos poucos, desabrochou como um delicado botão de rosa. Ela experimentaria uma despreocupada e feliz infância ao lado de seus irmãos, sendo especialmente ligada à Maria Carolina. Estes anos dourados, seriam muito recordados por ela, durante seus amargores futuros. Sua família era grande e alegre, e a jovem era o mimo de todos, especialmente de seu pai, que lhe transmitia todos os animados costumes por ele trazidos da corte de Luneville. Ao contrário de sua esposa, Maria Teresa, herdeira dos Habsburgo, Francisco contava com tempo o bastante e menos deveres reais para cumprir, o que o permitiu que fosse mais presente na vida de seus filhos. Segundo a historia Joan Haslip, em sua biografia de Maria Antonieta:
”Mas nem o legado dos Médicis, nem, mais tarde, a coroa imperial, haviam compensado Estevão Francisco pelas perdas de suas terras em seu torrão natal, o preço exigido pela França, de acordo com a sanção pragmática, por aceitar a jovem Maria Teresa como herdeira do trono dos Habsburgo. Até mesmo como imperador Estevão Francisco nunca fora mais do que o consorte da esposa, fazendo-lhe 16 filhos, dos quais, apenas 10 cresceram até a maturidade, e dando a cada um, em troca, a afeição e a compreensão para os quais a mãe deles não tinha tempo.’’
Desde 1740, quando Maria Teresa sucedeu seu pai, o Habsburgo Carlos VI, ela se empenhava em conciliar seus deveres de mãe, com suas tarefas de chefe de estado. Mas sua agenda era apertada, e o papel que a ela era esperado como mãe, era relegado à governantas e tutores, embora a mesma, sempre que pudesse, acompanhasse seu desenvolvimento.
Maria Antônia era a caçula de 7 irmãs, que casariam-se antes dela. Seu destino, segundo o que era esperado, poderia reservar-lhe eventos pacatos, e possivelmente, um matrimônio com um de seus inúmeros primos Wittelsbach ou Habsburgo. No entanto, uma vez que o destino prega peças, e escreve certo por linhas tortas, epidemias mortais de varíola e tifo, encarregariam-se de ceifar a vida de duas das irmãs de Maria Antonia. A Terceira irmã, uma sobrevivente da varíola, foi deixada viva, mas inválida e com graves cicatrizes pelo corpo e face, o que a impediria de conseguir matrimonio em uma industria casamenteira, onde a aparência era uma moeda de troca tão valiosa, quanto o sangue que corria em suas veias. Foi com estes acontecimentos tortos e incertos, que a jovem, com então 12 anos de idade, loira e de bochechas rosadas, que outrora era apenas mais uma das muitas filhas de Maria Teresa, alcançou com graça, um dos destinos mais almejados pelas princesas européias: o trono como futura rainha consorte da França. Ela deveria desposar o delfim da França, Luis, neto do então monarca francês, Luis XV.

No século XVIII, a Áustria e a França eram potências longe de serem amistosas uma para com a outra. No entanto, suas alianças políticas mostrariam-se valiosas contra o contínuo crescimento marítimo e econômico da inimiga em comum, a Inglaterra. Enquanto todos decidiam o destino de seus reinos na ponta de suas penas, com cartas e negociações maritais, a pequena Maria Antônia jazia com seu futuro incerto, girando como a afiada ponta de um peão, apenas esperando desgastar-se o suficiente para, por fim, terminar sua dança.
Os verdejantes campos e floridos jardins do Palácio de Schonbrunn, onde diversas flores se abriam e suntuosas paredes escondiam curiosas salas com porcelanas e tecidos coloridos, apreciados por diversos visitantes e diplomatas imperiais, era o refúgio de Maria Antônia. Até então, seu mundo era um contemplativo mar calmo, enquanto, uma a uma, as irmãs mais velhas restantes, Carolina e Amália, casavam-se com infantes e monarcas.
Sempre preocupada em manter as aparências, Maria Teresa havia conseguido sustentar a pacata vida de sua jovem filha, o máximo que pôde. Embora o currículo escolar de Maria Antonieta pudesse, no papel, parecer impressionante, na prática, ele era sumariamente decepcionante. Nem as aulas de italiano com Metastásio, ou as de música com o grande compositor Gluck, seriam o suficiente para que os muitos anos de ócio e diversões, pudessem ser recuperados a tempo da arquiduquesa seguir rumo à França. Sua ortografia era ruim, seu francês, assim como o de toda a corte, carregava um forte sotaque alemão e haviam muitos dotes para serem inseridos em seu vistoso, porém vazio currículo. Ela não era burra, mas era um diamante bruto, pronto para ser esculpido pelo cinzel de bons e rápidos eruditos.

Na educação de Maria Antônia, outro nome também podia ser mencionado, o da Condessa de Brandeiss, responsável por introduzir os deveres mais clássicos à jovem, onde lhe ensinava valores morais e religiosos. Seu relacionamento com a arquiduquesa era muito bom, embora lhe faltasse pulso firme para ensiná-la de modo mais eficaz, uma vez que, para agradar a menina, a mesma encurtava suas horas de aulas e leituras, a fim de prover à Antônia, tempo para outras atividades. Segundo a historiadora, Eveline Lever:
”Antônia preferia as correrias no parque, ou os passeios de trenó no inverno, com a irmã mais velha, Carolina, e as princesas de Hesse e Mecklenburg. Preocupava-se unicamente com seus divertimentos. A mãe não seguia de perto sua educação, e o pai, embora muito atento a instrução dos filhos homens, era muito menos exigente quanto às filhas. Bastavam-lhes competência e capacidade nas artes femininas, como a música a tapeçaria e a aquarela, para que [na opinião dele] viessem a ser esposas completas…’’
No entanto, se sua educação pareceu ser um assunto de pouco interesse para os pais, sua saúde e alimentação, assim como a de todos os outros herdeiros, era de suma importância para a Imperatriz. Maria Antonieta cresceu tendo uma alimentação e cuidados médicos altamente regrados. Assim como seus irmãos, ela se alimentava com comidas leves, e consideradas muito saudáveis, como sopas, legumes, ovos e frutas, comendo pouca carne de caça, considerada pesada para a digestão. Se tais cuidados eram ou não efetivos, o que pode-se dizer é que, em um século onde a alta mortalidade infantil assolava as casas, tanto dos ricos quanto dos pobres, Maria Teresa contava com um lar completo, com poucos herdeiros mortos na infância.

Porém, assim como os ventos sopram para deixar boas novas, seus sussurros podem vir como um presságio para um triste acontecimento. Após assistir uma ópera em Innsbruck, atividade que adorava, no final do verão, em 18 de agosto de 1765, Francisco, o pai de Maria Antônia, dá seu último suspiro, vindo a falecer, vítima de um derrame cerebral. A notícia espalha-se como uma pesada nuvem negra pairando pela corte de Viena. O vazio que a falta de Francisco traria à vida da Imperatriz, seria incalculável. Ele deixaria uma família quebrada ao meio, onde seus filhos e esposa chorariam sua morte e lamentariam sua constante falta. A vida, por sua vez, tinha que fluir, e era o trabalho e deveres de estado, que alienavam a enlutada imperatriz, de sua triste realidade.
O ano de 1768 iniciou-se com muitas missivas trocadas entre a França e Áustria, a respeito de um novo matrimonio europeu. Esta aliança por fim, passaria a tomar forma, tornando-se algo concreto. A Graciosa e jovem Maria Antônia, desposaria então, o tímido e desajeitado Luis Augusto, e ainda haviam muitos preparativos e planos a se traçar.
E foi assim, que uma menininha que veio ao mundo em um dia pouco auspicioso, filha de uma Imperatriz em seu próprio nome, e que teria a coroa de rainha consorte de um dos maiores reinos europeus pousando em sua cabeça, começou a viver. A vida ainda traria à jovem Antônia, muitas dádivas e lágrimas, e havia ainda um vasto palco e tempo, para que esta exímia jovem bailarina pudesse continuar seu baile à beira do precipício.
Bibliografia:
LEVER; Eveline. Maria Antonieta – A Última Rainha da França. Editora Objetiva, 2004.
HASLIP; Joan. Maria Antonieta. Editora Zahar, 1989.
FRASER; Antonia. Maria Antonieta. Editora Record, 2006.
Como sempre a TB, nos brindando com esse excelente texto sobre uma das rainhas que indiquei na enquete, da minha página preferida do facebook.