
Hoje, dia 19 de Maio de 2018, diversas pessoas em todo o mundo, acompanharão de suas televisões, o casamento da ex-atriz americana, Meghan Markle, com o Príncipe Henrique – mais comumente conhecido como Príncipe Harry.
O enlace por si só, já vem acompanhado de polêmicas, uma vez que, um restrito grupo de monarquistas tradicionalistas e fundamentalmente nacionalistas – racistas por convenção -, vem declarando em diversos tabloides, não verem com ‘bons olhos’, a entrada de uma mulher mestiça e divorciada na realeza britânica – mesmo que, provavelmente, mulheres de ascendência negra já tenham feito parte deste dito ‘restrito círculo familiar’, séculos atrás. Controvérsias à parte, a data em que Meghan subirá ao altar na pequena capela de St. George, no castelo de Windsor, foi marcada, através dos séculos, por um outro evento na história inglesa: A decapitação da segunda consorte de Henrique VIII, Ana Bolena.
A fim de compreender melhor a ligação entre ambos os eventos, é preciso voltar um pouco no tempo.
Séculos atrás, no dia 19 de Maio de 1536 – há quase 50 km de distância da capela onde Meghan irá se casar – um andaime foi erigido no grande pátio da Torre de Londres. Ao lado de Sir William Kingston, Condestável da Torre, e de suas damas, a antiga rainha da Inglaterra, Ana Bolena, deixa os aposentos onde estivera confinada pelos últimos dias. Ela havia sido anteriormente acusada e condenada de incesto, adultério e de conspirar a morte do rei, e sua pena seria uma execução privada na Torre.
Ao subir no cadafalso, diante dos presentes, ela então proferiria suas últimas palavras:
”Bom povo cristão, vim aqui para morrer, de acordo com a lei e segundo a lei julgou-me para morrer, e portanto, nada direi sobre isto. Não vim aqui para acusar nenhum homem, nem para falar nada sobre isto, de que sou acusada e condenada a morrer; apenas rezo a Deus para que salve o Rei e que ele tenha um longo reinado sobre vós, pois nunca existira príncipe mais misericordioso; e para mim foi sempre um bom e gentil senhor e soberano. Se alguma pessoa interessar-se em minha causa, peço-lhes que julguem o melhor. E assim deixo este mundo e todos vocês e cordialmente peço que rezem por mim. Ó senhor, tenha misericórdia de mim, a Deus, eu entrego minha alma…A Jesus Cristo eu entrego minha alma; Senhor Jesus, receba minha alma.”
Ao contrário da ansiedade que é presumível que uma noiva sinta às vésperas de seu matrimônio, um dia antes de sua execução – transitando entre momentos de sanidade e distorções da realidade, comuns em momentos de grande stress -, Ana Bolena, ria enquanto colocava as mãos em volta de seu pescoço, dizendo ao Condestável da Torre: ”Eu ouvi dizer que o carrasco é muito bom e eu tenho um pescoço fino’’.
Segundo estudos anteriores, a consciência permanece por, pelo menos oito segundos após a decapitação, até que a falta de oxigênio provoque inconsciência e morte. No entanto, de acordo com os espectadores do evento, a morte de Ana foi rápida. Sua cabeça – cortada por uma afiada e precisa espada de um carrasco de Calais – desligou-se de seu corpo, e caiu sob a palha do andaime, enquanto seus lábios ainda se moviam em repetida oração.
Neste mesmo dia, seu corpo seria enterrado – sem qualquer cerimônia, caixão ou marcações condizentes com seu antigo status – na capela da mesma fortaleza onde, horas atrás, fora executada.

Após tomar conhecimento deste evento, ocorrido séculos atrás, o questionamento que permanece na cabeça de muitas pessoas é o de ”como em uma corte onde a discrição e etiqueta parecem prevalecer em meio à tantos protocolos reais, um casamento de tão grande importância, foi marcado no aniversário de uma data como tal?”
A questão, embora não seja tão simples de se responder, mostra-se, em premissa, mais prática do que parece. A história inglesa – assim como a de qualquer outro local no mundo – é marcada por datas e eventos que envolvem derramamentos de sangue. Por exemplo, no dia 26 de Maio, do ano de 946 d.c., o monarca Edmund, foi assassinado durante uma festividade ocorrida no vilarejo de Pucklechurch; Já, no dia 1 de Julho de 1916, ocorreu a Batalha de Somme, conhecida como um dos eventos com maior número de baixas da história militar já registrada. Esses dois eventos distintos, ladeiam, por dias, a data do casamento de Meghan.
Deste modo, encontrar uma data que não possua qualquer ligação com algum evento considerado por nossa sociedade como sendo de caráter ”sangrento”, seria um tanto complicado. O mais provável é que – tendo em vista outros casamentos reais ocorridos nas últimas décadas no Reino Unido – o fator avaliado, foi a disponibilidade nas agendas dos envolvidos no evento. É provável que, de fato, a família real estivesse ciente do evento histórico ocorrido nesta data, mas é igualmente presumível que tenha decidido ignorá-lo, a fim de seguir adiante com os planos.
Segundo assevera a historiadora inglesa, Elizabeth Norton, é também necessário salientar que, o dia 19 de Maio não é uma data amplamente conhecida pelos ingleses. Eles, é claro, em sua maioria, estudaram ou tiveram algum contato com a história e trajetória de Ana Bolena em algum momento de suas vidas, porém, a data de sua execução, não tornou-se um dia memorável para a população. De acordo com Norton: ”[A data] Não está marcada em nenhum calendário, como acontece com a ‘Noite de Guy Fawkes’ [dia em que o soldado inglês, de nome Guy Fawkes – representando a fé católica – tentou matar o então monarca inglês, James I, e destruir o parlamento. Este evento ficaria conhecido como a ‘Conspiração da Pólvora’ na historiografia inglesa].
O dia 19 de Maio, por conseguinte, não é uma data lembrada e presente no imaginário do povo inglês, embora seja um evento digno de nota para inúmeros historiadores e pesquisadores acerca do período Tudor. Entretanto, segundo assinala Norton, a data continua não sendo auspiciosa – dentro da crença popular – para um plebeu desposar um membro da família real. Isto deve-se ao fato de que, Ana Bolena, foi a segunda plebeia que desposou um rei da Inglaterra (a primeira foi Elizabeth Woodville, esposa do monarca yorkista, Eduardo IV). Meghan, por sua vez, é outra plebeia, que desposará outro membro da família real, e esta ligação entre ambas as mulheres, de acordo com a historiadora, pode vir a gerar certos comentários futuramente.
Torna-se ainda mais irônico que, o príncipe Henrique (Harry), tenha o mesmo nome que Henrique VIII, o monarca e antigo marido que ordenou a execução de Ana Bolena, no dia 19 de Maio de 1536, e que este último, esteja enterrado exatamente na mesma capela onde o príncipe de Meghan irão se casar. Alguns historiadores vão mais além nas comparações, citando a influência de Ana Bolena na corte Tudor, e até sua aparência em relação à Markle.
Controvérsias e teorias à parte, é natural que um casamento tão midiático quanto o de um príncipe da Inglaterra com uma antiga atriz americana, atraia comentários diversos, desde positivos, até os mais negativos – conforme vistos no início do artigo. O que espera-se para o matrimônio de ambos, segundo enfatiza Norton, é que ”Meghan tenha consideravelmente mais sorte que sua antecessora como noiva real”.
Bibliografia:
WARNICKE, Retha M. The Rise and Fall of Anne Boleyn: Family Politics at the Court of Henry VIII (Canto); Cambridge University Press. July 26, 1991.
HUME, Martin A. S. ‘Chronicle of King Henry VIII of England: Being a Contemporary Record of Some of the Principal …’
IVES, Eric. The Life and Death of Anne Boleyn: ‘The Most Happy’. Wiley-Blackwell; Edição: 1 (9 de junho de 2008).
A royal wedding and beheading: The date that links Meghan Markle and Anne Boleyn. The Washington Post. Disponível em:
[https://www.washingtonpost.com/news/retropolis/wp/2018/05/17/meghan-markle-prince-harry-and-the-brutal-anniversary-of-a-royal-beheading/?utm_term=.b763e6b738a9]. Acesso em 19 de Maio de 2018.