Henrique VII – Parte III: Exílio e luta pelo trono

A derrota dos Lancasterianos na batalha de Tewkesbury, em 1471, seguida das mortes de Eduardo, Príncipe de Gales e do rei Henrique VI, fez a causa dos Lancaster parecer perdida. Mesmo Gales já não era mais seguro para os Tudor. Dessa forma, não restou alternativa para Jasper Tudor além de fugir para o exílio. Mas não foi apenas a vida dele que a derrota afetou. O jovem Henrique, na época com cerca de quatorze anos, também estava em perigo. Sendo sobrinho do falecido rei e tendo sangue Plantageneta nas veias, ele poderia ser um foco de rebelião e, portanto, era um possível alvo para a perseguição dos York. Sendo assim, a pedido de Margaret Beaufort, que temia pela vida do filho, Jasper embarcou com o sobrinho em um navio com destino à França, onde Jasper e Henrique, devido a sua ascendência de Catarina de Valois, eles podiam reivindicar parentesco com o rei francês, Louis XI, e solicitar sua proteção.

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Jasper e Henrique partindo para o exílio na minissérie “The White Queen (2013.)”

A viagem foi turbulenta, e eles enfrentaram enormes tempestades que tiraram o navio de seu curso. Devido a isso, os fugitivos acabaram desembarcando na costa da Bretanha, que era então governada pelo Duque Francis II. Eles então, colocaram-se sob a proteção do Duque que os acolheu de bom grado, com honra e cortesia. Francis era um homem astuto e sabia que agora tinha em suas mãos um possível meio de comprar uma aliança com Inglaterra contra sua vizinha, a ameaçadora França. Ao saber do ocorrido, Louis XI, que estava sempre ansioso por um meio de atacar Eduardo IV, exigiu que Francis II entregasse os dois Tudors a ele, declarando que Jasper e Henrique eram seus primos e, portanto, deveriam ser devolvidos à França.

Depois de vários esforços extenuantes, Louis finalmente exigiu que Francis mantivesse os dois sob sua guarda para garantir que Eduardo IV não os sequestrasse, com o que Francis concordou. Eduardo IV, por sua vez, foi forçado a se contentar com a promessa do Duque de manter os dois homens como prisioneiros e, para garantir que Francis obedecesse, ele lhe enviou presentes em dinheiro e promessas de ajuda contra qualquer agressão proveniente da França. Jasper e Henrique não foram maltratados na Bretanha, mas estavam cientes de que não tinham permissão para sair de lá. Francis também manteve ambos separados, a fim de dificultar qualquer tentativa de fuga. O status Jasper e Henrique como prisioneiros e reféns do Duque era bastante claro para todos, bem como estava claro que Francis não tinha intenção de permitir que a dupla deixasse a Bretanha. Anos depois, quando já era rei da Inglaterra, Henrique VII diria para um de seus cortesãos que “ele havia permanecido em uma prisão de quinze anos ou mais na Bretanha, sob comando do falecido Duque Francis, em cujas mãos ele caiu por causa do tempo”. Independente de seus motivos, o Duque certamente cumpriu suas promessas de proteção, e Henrique permaneceu em segurança na Bretanha, apesar dos esforços incansáveis de Eduardo IV para que ele fosse entregue a ele. É possível que ele tenha acabado por se afeiçoar ao jovem sob sua proteção. Segundo alguns registros, as “boas qualidades evidentes” de Henrique o agradaram bastante.

No entanto, apesar de todo o cuidado para se manter em segurança, houve momentos em que Henrique quase acabou caindo nas mãos do Rei Yorkista. Sabendo que suas investidas ameaçadoras não estavam funcionando, Eduardo IV lançou mão de uma estratégia diferente para convencer o Duque Francis a entregar o jovem para ele. Essa foi uma teia delicadamente traçada, que começava na própria Inglaterra, com ninguém mais, ninguém menos, do que a própria mãe de Henrique – Lady Margaret Beaufort. Margaret havia se casado com Thomas Stanley, um homem importante na corte de Eduardo IV, e dessa forma, estava frequentemente na corte. Ela usava a influência do marido para tentar convencer o rei a perdoar seu filho e restituir os bens e títulos dele como Conde de Richmond. Eduardo IV então decidiu usar isso a seu favor, e sugeriu tanto para Margaret quanto para os embaixadores e mensageiros bretões, que ele estava disposto a trazer Henrique de volta, além de dar a entender que ofereceria a mão de uma de suas filhas a ele, a fim de trazer união e estabilidade ao reino.

Em 1475, Eduardo IV finalmente conseguiu fazer a paz com a França através do Tratado de Picquigny. Nele também foi acordado que sua filha mais velha, a princesa Elizabeth de York, se casaria com o Charles, Delfim da França. Dessa forma, Eduardo ficou livre para pressionar o Francis da Bretanha, ameaçando-o com possibilidade de um duplo ataque através da aliança anglo-francesa contra seu Ducado, mas antes, ele tentou agir de forma diplomática. Sabendo que Francis estava afeiçoado a Henrique, ele conseguiu convence-lo de que sua proposta de casamento era sincera, e que gostaria que Henrique – que nessa altura já era um jovem homem de dezoito anos – retornasse para a Inglaterra a fim de receber de volta seus títulos e se casar. Depois de fazer um acordo com Eduardo, Francis concordou em entregar Henrique aos embaixadores ingleses.

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Lady Margaret Beaufort

Nesse meio tempo, Margaret, através de suas conexões na corte, descobriu sobre o truque que era a oferta do matrimonio, e conseguiu enviar uma mensagem a tempo para Henrique, avisando-o para ter cuidado com qualquer promessa de casamento. Henrique também recebera advertências de outras fontes, mais especificamente, de seu tio Jasper, que jamais confiou nos York. Ciente do plano contra ele, Henrique estava pronto para aproveitar qualquer oportunidade de escapar. Sendo assim, quando ele e os embaixadores chegaram a Saint Malo, ele fingiu estar doente, e dessa forma conseguiu enganar os guardas e fugir para o santuário de uma igreja que ficava por ali. Ao notarem a fuga, os embaixadores ingleses imediatamente tentaram remover Henrique à força do santuário, mas eles não contavam com a horda de cidadãos furiosos que se voltaria contra eles, devido a tamanha violação da lei da igreja.

Enquanto os ingleses tentavam amenizar a situação com os furiosos cidadãos, Jean de Quelenec, um dos principais membros do conselho de Francis – e que era também um amigo de Henrique –, voltou a Corte, onde ele protestou com o Duque sobre o fato dele ter quebrado sua promessa. Assim que ficou ciente do que estava ocorrendo, Francis,  imediatamente enviou uma força de homens para a Igreja de Saint Malo, para resgatar Henrique e o levarem de volta à sua custódia. Henrique então, foi mais uma vez convidado para a Corte e, apesar de ainda ser prisioneiro na Bretanha, ele estava grato por estar a salvo.

Henrique permaneceria na Bretanha até a morte de Eduardo IV, mas na Inglaterra, sua mãe não desistiu de tentar fazer o rei perdoá-lo. Margaret gradualmente ganhou destaque na Corte, e voltou a tentar persuadir Eduardo sobre vantagens de trazer seu filho de volta à Inglaterra, e isso parece ter tido algum efeito. Em junho de 1482, Eduardo concordou que Henrique poderia receber uma parte das terras de Margaret, estimadas no valor de £ 400 por ano, com a condição de que ele voltasse para a Inglaterra. Ele também discutiu mais uma vez com Margaret, Thomas Stanley, o Bispo de Ely, e com o Bispo de Worcester, a possibilidade de Henrique se casar com uma de suas filhas, e parece que, dessa vez, Eduardo estava sendo verdadeiramente sincero em sua oferta de transformar Henrique em seu genro. As negociações avançaram bem, e naquela altura, Eduardo estava muito cansado quanto de todos os anos de guerra civil, e estava pronto para cruzar a última linha na paz, trazendo Henrique Tudor para o lado de Yorkista. Um rascunho do perdão que Eduardo estava disposto a oferecer a Henrique ainda existe, e isso demonstra que ele estava falando sério sobre a aliança. Infelizmente para todos os envolvidos, sua morte trouxa outra reviravolta no cenário político inglês, e todo os planos tiveram de ser refeitos.

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Rei Eduardo IV da Inglaterra

Eduardo IV morreu subitamente em 9 de abril de 1483, com apenas quarenta anos. Sua morte foi inesperada e seu filho e herdeiro, Eduardo V, tinha apenas doze anos e estava hospedado em Ludlow, no País de Gales. Essa mudança brusca instaurou um novo período de incerteza na Inglaterra. Com um rei menor de idade, ficou claro que algum tipo de Regência teria que ser declarada. A mãe do novo rei, Elizabeth Woodville, se reuniu com o conselho real logo após a morte do marido, e ficou acertado que o novo Rei iria para Londres o mais rápido possível. Dada a impopularidade dos Woodville, Elizabeth também insistiu que seu filho deveria viajar com uma comitiva pequena, uma ação da qual mais tarde ela viria a se arrepender amargamente. Mas o motivo para essa atitude era claro: Com uma comitiva pequena, a viagem do rei seria discreta, e Eduardo V poderia chegar a Londres antes que seu tio, Ricardo, Duque de Gloucester, pudesse interferir em sua ascensão.

Antes de morrer, Eduardo IV havia deixado um testamento no qual designava seu irmão, Ricardo, como Lorde Protetor do reino e regente de seu filho, caso o mesmo ainda não tivesse atingido a maioridade. Porém, sua esposa, a Rainha Elizabeth, era totalmente contrária a essa decisão. Ricardo não era seu amigo, e ela sabia que com ele no governo, ela e sua família teriam problemas. Então ela planejou levar o filho secretamente para a cidade, adiantar sua maioridade e coroá-lo como Rei de fato. Assim, ela e seu irmão, Anthony, que havia sido o responsável pela criação e pela educação do jovem príncipe – agora rei –, Eduardo V, poderiam manter o poder, governando através dele.  Ricardo, por sua vez, tinha plena ciência de que seu sobrinho nutria uma profunda ligação com a família materna, e que seria difícil para ele assumir o governo sem interferência dos Woodville, mas estava disposto a seguir conforme o designado pelo falecido irmão. Lorde Hastings – o melhor amigo do falecido rei Eduardo IV – ficou chocado com a atitude, e escreveu para Ricardo, avisando-lhe do plano. Ficou claro para Ricardo que os Woodvilles estavam desrespeitando a autoridade de seu sangue real, bem como os últimos desejos do rei. Ele então decidiu agir e conseguiu capturar o sobrinho antes que ele chegasse a Londres, tomando a guarda do jovem rei para si, mandando prender Anthony Woodville por sua participação nos planos da rainha.

Em Londres, ao saber do ocorrido, a rainha Elizabeth fugiu para o Santuário na Abadia de Westminster com suas filhas e seu filho mais jovem. Após entrar triunfante em Londres, Ricardo declarou que o casamento de seu irmão com Elizabeth Woodville era inválido, fazendo com que os seus filhos, fossem bastardos e, portanto, impróprios para herdar o trono. Em junho, Ricardo, Duque de Gloucester, foi coroado como Ricardo III da Inglaterra. Em sua coroação, a mãe de Henrique teve um papel de destaque, sendo a responsável por guiar o cortejo da nova rainha. Nessa altura, Margaret Beaufort já mais do que acostumada a se adaptar as reviravoltas que ocorriam ao seu redor, e dessa vez não foi diferente. Ela manteve-se em bons termos com o novo rei, ao mesmo tempo em que discretamente trocava mensagens com a antiga rainha, agora uma prisioneira no santuário da Abadia.

Com o desaparecimento dos Príncipes na Torre, Margaret decidiu apostar alto e negociou com Elizabeth que seu filho, Henrique, se casaria com a filha dela, a princesa Elizabeth, e que assim, ambas as facções lutariam contra Ricardo III. Henrique – ainda na Bretanha – estava sendo cogitado como um possível pretendente para Ana da Bretanha, no entanto, quando foi informado da negociação de sua mãe, ele se retirou das negociações e, em dezembro de 1483, jurou formalmente na Catedral de Rennes que se casaria com Elizabeth de York caso obtivesse sucesso em sua busca pelo trono da Inglaterra. A reivindicação de Henrique Tudor ao trono, era fraca, para dizer o mínimo. Naquele momento, havia uma estimativa de cerca 29 outros nobres com maior direito ao trono do que o dele, mas de alguma forma, ele tornou-se aquele que seria o responsável por reunir os que estavam em desacordo com o governo de Ricardo III. Tanto os exilados Lancasterianos quanto os Yorkistas marginalizados, voltaram-se para ele, a fim de formar uma rebelião contra o rei. No início do inverno, cerca de 400 a 500 exilados ingleses chegaram a Bretanha. Alguns eram Lancasterianos e ex-partidários de Henrique VI, outros eram antigos servos de Eduardo IV ou membros da família Woodville. Um deles era o único filho sobrevivente de Elizabeth Woodville, Thomas Gray, Marquês de Dorset. Thomas era o primogênito da Rainha Viúva com por seu primeiro marido, o Lancasteriano Sir John Gray.

Pela primeira vez em sua vida, Henrique era um jogador, em vez de um peão na mão de outras pessoas, e estava totalmente disposto a arriscar tudo pela liberdade e a coroa da Inglaterra. Henrique também teve que aceitar pessoalmente seu novo papel naquele jogo. Suas negociações anteriores para recuperar o seu lugar de direito na Inglaterra como Conde de Richmond agora foram substituídas por um objetivo maior: o de conquistar o próprio trono da Inglaterra. Seu hospedeiro, o Duque Francis, estava zangado com Ricardo devido a constante pirataria inglesa contra navios bretões e, Henrique estava determinado a usar isso a seu favor. Ele o convenceu de que ele tinha “uma esperança segura de obter o reino da Inglaterra”, e quando fosse rei, resolveria aquele infortúnio. Francis, em troca, prometeu apoiar Henrique com dinheiro e homens.

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Ricardo III da Inglaterra

Na Inglaterra, foram feitos planos para os levantes que aconteceriam em todo o sudeste em outubro. Ao mesmo tempo, haveria um ataque simulado a Londres. Isso, esperava-se, manteria o rei distraído enquanto o Duque de Buckingham levava suas forças para o País de Gales, onde ele se encontraria com Henrique e os soldados que o duque Francis havia fornecido. Mas em 8 de outubro, Ricardo III, viajando para o sul de Lincolnshire, já sabia que algo estava acontecendo e convocou Buckingham para se apresentar diante dele. Buckingham alegou estar com problemas estomacais e não compareceu. Ricardo insistiu. Buckingham o ignorou.

Infelizmente para Buckingham, levantar homens para sua causa se mostrou mais difícil do que ele esperava. Ricardo III era, apesar de tudo, um bom governante para o povo. Buckingham, por sua vez, era um senhorio impopular. Buckingham e seus homens foram desafortunados desde o começo, e uma chuva torrencial encharcou seu exército durante dez dias. Os homens que ele havia recrutado perderam a coragem, e começaram a abandoná-lo. Naquele momento, Henrique já estava a caminho da Inglaterra, mas não sabia que o exército de Buckingham estava se desintegrando. Ele permaneceu ignorante disso enquanto lutava por sua própria sobrevivência, enquanto os quinze navios que havia conseguido eram atacados pelas tempestades enquanto navegavam em direção à Inglaterra.

O navio de Henrique e alguns outros finalmente ancoraram em Plymouth. Um grupo de soldados foi avistado na costa acenando em saudação à frota ancorada, e Henrique enviou um barco para fazer contato. Os soldados aconselharam os homens de Henrique a desembarcar imediatamente, alegando que eram homens do duque de Buckingham, mas Henrique preferiu esperar que os outros navios de sua frota chegassem. Depois de uma vida inteira como observador, com sua vida tendo estado muitas vezes em risco, Henrique era um bom observador e reconhecia uma emboscada quando via uma. E enquanto esperava, chegou até ele a notícia de que Buckingham havia sido traído por um de seus próprios criados, e que acabou sendo capturado e executado. As revoltas haviam sido sufocadas e os soldados na costa estavam trabalhando para Ricardo III. O rei preparara uma armadilha para Henrique, mas seu rival já havia se dado conta disso e estava navegando de volta à Bretanha para se preparar para uma outra invasão, em um momento mais propício.

Apesar do fracasso dessa primeira rebelião, Henrique conseguiu chegar a França, onde obteve apoio do jovem rei Charles VIII, que também lhe forneceu dinheiro. Ele permaneceu por um curto período na Normandia, mas acabou retornando para a Bretanha. Lá ele encontrou outros refugiados que haviam tomado parte na revolta, entre os quais estavam o Marquês de Dorset, os Bispos de Salisbury e Exeter, John, Lord Wells, Sir Edward Courtenay. Sir Giles Daubeney, Sir John Bourchier, Sir Richard Edgecombe, Sir Edward Poynings e muitos outros.

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Elizabeth de York

Na Inglaterra, o fracasso da insurreição tinha gerado punições para os rebeldes. A mãe de Henrique, Lady Margaret, foi enviada para uma prisão domiciliar, e Ricardo aumentou a pressão sobre Elizabeth Woodville, que ainda estava no santuário. Ela, que esstava sozinha, sem fundos para se manter e sem esperanças, não teve alternativa senão se render. Mas antes disso, ela fez com que o rei jurasse publicamente que não iria ferir nem a ela e nenhuma de suas filhas. Ele também jurou que não enviaria nenhuma delas para a Torre. Feito o acordo, Elizabeth entrou em contato com seu filho Thomas Gray, Marquês de Dorset, dizendo que ele poderia retornar para casa, pois ela tinha conseguido que Ricardo garantisse a segurança dele também em sua negociação. Thomas Grey não retornou a Inglaterra naquele ano, e nem no seguinte. Ele só voltaria ao solo inglês após a ascensão de Henrique VII como rei, mas não por vontade própria. Ele tentou retornar, mas foi capturado pelos outros exilados, que passaram a vigiá-lo de perto a fim de evitar sua fuga. Antes, Thomas e Henrique estavam em bons termos, mas depois do incidente, Henrique jamais confiaria plenamente em Thomas Grey outra vez.

O custo de manter a ordem na parte Sul do reino aumentou impopularidade do rei Ricardo lá. Mais preocupante ainda era a ausência das “bênçãos” de Deus sobre o rei. Quando seu jovem filho morreu em abril de 1484, circularam rumores de que era uma punição pela usurpação de Eduardo V. Quando sua rainha, Anne Neville, seguiu seu único filho até o túmulo em março de 1485 – justo em um dia no qual um espetacular eclipse solar atingiu a Inglaterra – muitos consideraram que sua morte era a prova da insatisfação de Deus para com o Rei. Os amigos e apoiadores de Henrique aproveitaram o clima sombrio e espalharam rumores de que o próprio Ricardo a envenenara para se casar com sua sobrinha, Elizabeth de York. A mera sugestão era escandalosa. Os ingleses não gostavam nada da ideia de uma união incestuosa desse nível, e embora pudesse ser feito através de uma dispensa papal, o casamento jamais seria bem aceito. Hoje, devido a todas as documentações existentes sabemos que Ricardo não considerava realmente se casar com ela, e estava negociando para se casar com a princesa portuguesa, Joana de Avis, mas na época ele foi mais uma vez forçado a fazer um pronunciamento público no qual ele jurava que jamais teria a intenção de se casar com a sobrinha, e que muito menos havia assassinado sua esposa para isso. Ele, que havia ficado sincera e visivelmente abalado pela morte da rainha Anne, conseguiu convencer o povo e acalmar os ânimos, mas estava claro para todos que as andavam difíceis para o rei.

Após tais acontecimentos, Henrique tomou uma decisão crucial – sua invasão aconteceria em agosto de 1485. Ele não queria mais surpresas e nem estava mais disposto a esperar. Henrique conseguiu um acordo de Charles VIII da França, no qual ele lhe concedeu fundos e cerca de 3.000 a 4.000 homens e armas. Como garantia de que pagaria suas dívidas, Henrique deixou o Thomas Grey, Marquês de Dorset, para trás na corte francesa, antes de partir.

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Henrique retornando a Inglaterra após o exílio

Em 7 de agosto de 1485, Henrique Tudor finalmente desembarcou em Milford Haven, em Pembrokeshire. Ele tinha agora 28 anos de idade, e tinha passado 14 deles no exílio. Só podemos imaginar as emoções que ele deve ter sentido ao pisar nas antigas terras de seus antepassados depois de tantos anos afastado. Com seu estandarte do Dragão Vermelho batendo mais uma vez na brisa inglesa, Henrique se ajoelhou e recitou o salmo: “Julga-me, ó Senhor, e defenda a minha causa contra os indignos”.

Henrique escolheu usar o Dragão vermelho de Gales como seu símbolo, pois muitos anos antes dele chegar a conjecturar tornar-se Rei da Inglaterra, enquanto era apenas uma criança, os bardos galeses cantaram canções em homenagem a seu falecido pai, Edmund Tudor e previram que grandes coisas aguardavam seu herdeiro. E ali onde ele desembarcou, na costa País de Gales, os bardos o anunciaram com clamor, elogiando agora também seu tio, dizendo: “Jasper trouxe-nos um dragão”. Tal alegação tinha como base a crença de que Henrique era o Mab Darogan, – o escolhido -, o príncipe que fora prometido em uma antiga profecia galesa, que libertaria Gales do domínio Inglês.

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Henrique Tudor e seu exército marchando para a batalha na minissérie “The Hollow Crown (2016)”

Seu exército incluía cerca de 400 ingleses e mais de 800 escoceses. Os outros eram franceses ou bretões. O exército variava, possuindo desde soldados experientes, até “o pior tipo de marginal que poderia ser encontrado em qualquer lugar”. Entre seus comandantes, Henrique contava com o apoio de John de Vere, conde de Oxford. Um grande defensor e um antigo campeão da Casa de Lancaster. Enquanto atravessava Gales, ele foi juntando suas forças com compatriotas. Como um de seus companheiros relatou na época: “Respirar este ar de seu país natal, faz com que suas forças aumentassem”. O País de Gales era o único lugar onde o nome Tudor era popular, e Henrique nunca esqueceu quem dessa recepção e de que eles foram os grandes responsáveis por sua ascensão, e quando se tornou rei, ele recompensou muitos dos seus apoiantes de Gales com terras e títulos.

Enquanto marchava, Henrique ia escrevendo para possíveis aliados solicitando ajuda em sua empreitada. Houve o temor de que Sir Walter Herbert, que tinha uma força considerável, resistisse a eles em Carmarthen. De fato, Ricardo III estava contando com o apoio de Herbert para avisá-lo do desembarque do pretendente Tudor. No entanto, ao  enviar batedores, Henrique descobriu que tudo estava tranquilo. Longe de oferecer resistência, Herbert enviou um dos capitães, Richard Corbet, para apresentar seu apoio, bem como o de outros nobres ao pretendente. A explicação para isso é simples. Henrique, quando criança, antes de ser exilado, tinha sido um refém da família Herbert durante o primeiro reinado do rei Eduardo IV. Por esse motivo, laços de irmandade foram criados entre eles. Devido a isso, Henrique pode avançar e mobilizar homens para sua causa sem encontrar nenhuma resistência.

Henrique esperava recrutar apoio em Cheshire, onde seu padrasto, Lorde Stanley, era um poderoso proprietário de terras. Mas Ricardo III, ao saber sobre o desembarque do rival requerente, enviou uma intimação para os todos seus súditos e apoiantes, pedindo-lhes para se juntassem a ele equipados para a guerra. Ele convocou Lorde Stanley, que em um eco agourento da anterior resposta de Buckingham em 1483, se desculpou, alegando não poder se apresentar diante do rei por motivos de doença. Ricardo então jogou sua última carta: Enviou uma mensagem dizendo que ele tinha o filho de Stanley, Lorde Strange, como seu prisioneiro. O rapaz seria agora mantido como refém, de forma que serviria de garantia de lealdade do pai no conflito que se aproximava. Se Stanley traísse Ricardo, seu filho seria executado. Dessa vez, ele não poderia jogar seu famoso jogo duplo, e finalmente teria que escolher: Ou ele apoiava seu enteado, ou salvava a vida de seu próprio filho.

Em West Midlands, Henrique recebeu um mensageiro de sua mãe, que levava cartas e dinheiro, mas o que ele realmente precisava era de homens, pois ele só conseguira levantar cerca de 500 soldados extras no País de Gales.  Ele se encontrou com Sir William Stanley, irmão de seu padrasto, no dia 19 de agosto. Foi lá que ele recebeu a notícia devastadora de que Ricardo tinha o filho de Lorde Stanley como refém. Henrique agora temia, sabendo que agora não poderia contar com o apoio dele. Ricardo III já estava se dirigindo para Leicester, e tinha um exército muito superior, bem como sua longa experiência como comandante militar. A vitória parecia impossível para Henrique, mas naquela altura, era tarde demais para desistir.

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Ilustração representando a batalha de Bosworth

Finalmente, em 22 de agosto 1485, os dois exércitos enfrentaram-se em uma batalha que mudou o curso da história inglesa. Esta batalha decisiva marcou a morte de um rei e o nascimento de uma dinastia que prolongar-se-ia por 122 anos. As estimativas apontam que o exército de Ricardo III tinha cerca de 15.000 homens – aproximadamente três vezes o tamanho do exército de Henrique Tudor, com apenas 5.000 homens. Enquanto isso, os irmãos Stanley tinham cerca de 6.000 homens entre eles. Ricardo também tinha um impressionante arsenal militar. Um relato menciona 140 canhões, enquanto as pesquisas arqueológicas do campo de batalha encontraram mais de 30 balas de canhão – mais do que qualquer outra descoberta em um campo de batalha medieval europeu.

Ricardo ordenou que Lorde Stanley entrasse em combate imediatamente, e deixou a instrução para execução de seu filho, caso ele não o obedecesse. Essa ordem, por sua vez, também não foi obedecida, e os carrascos, talvez por prudência, esperaram para ver quem venceria o combate antes de se tornarem responsáveis pela morte do filho de um nobre potencialmente vitorioso. Ao perceber a defesa de Henrique contava com uma relativamente pequena força de homens, Ricardo pode ver uma chance de ganhar a batalha de forma definitiva matando Henrique, e decidiu atacar. A batalha foi brutal. Todas os relatos atestam a força de Ricardo em batalha. Mesmo John Rous, que comparou Ricardo ao Anticristo, admitiu que se me permite dizer a verdade, a seu crédito – embora pequeno de corpo e débil de membros – ele portou-se como um cavaleiro galante e agiu com distinção como seu próprio campeão até seu último suspiro”.

O ataque de Ricardo foi vigoroso, e a princípio, bem-sucedido. Ele ficou assustadoramente perto de Henrique Tudor, chegou a conseguir derrubar Sir John Cheyney, que era o soldado mais alto na época, com certa de 2,07 metros. Ele também conseguiu matar o porta-estandarte de Henrique, Sir William Brandon. O próprio porta-estandarte de Ricardo, Sir Percival Thribald, teve as duas pernas cortadas durante a batalha, mas ainda conseguiu agarrar-se ao estandarte Real. Segundo algumas fontes, ele e Henrique chegaram a lutar diretamente durante algum tempo, embora existam divergências sobre isso. Neste ponto, William Stanley finalmente decidiu manter o compromisso de apoiar Henrique, e seus homens atacaram Ricardo e seus cavaleiros. O padrasto de Henrique, Thomas Stanley, manteve-se afastado, decidindo-se  por não tomar parte da batalha.

Assim, Ricardo III encontrou-se em menor número e embora consciente de que havia sido derrotado, ou talvez justamente porque soubesse disso, ele se recusou a fugir do campo de batalha. Diferente da versão Shakesperiana, onde um Ricardo derrotado implora por um cavalo para que pudesse fugir, a versão histórica nos afirma que ele lutou até o fim, e se recusou a concordar com uma fuga. Os relatos mencionam que ele teria dito: “Deus me livre de dar um passo. Neste dia eu vou morrer como um rei, ou vencer. Pode ter sido uma teimosia incrível, pura coragem, desespero heroico por ter sido traído, ou percepção de que fugir significava ser humilhado e executado em algum momento no futuro; não temos como saber, mas qualquer que fosse a razão, ele manteve sua posição, foi ferido e lutou até a morte.

Conforme aponta o historiador Michael K. Jones em sua biografia “Bosworth 1485: Psychology of a Battle”, não foram apenas as circunstâncias das traições e suas reviravoltas que definiram o resultado final. As experiências vividas por ambos os homens ao longo dos anos – afinal, haviam apenas 4 anos de diferença de idade entre ambos, – foram fundamentais para que eles agissem conforme agiram, e dessa maneira, também moldaram o rumo da batalha:

Há uma conexão interessante entre os dois rivais. Os dois homens [Ricardo III e Henrique Tudor] foram tradicionalmente retratados em contraste, o herói contra o vilão, o candidato legítimo contra o tirano usurpado. Mas agora, podemos notar algumas semelhanças fascinantes entre eles. Henrique tinha vinte e oito anos, Ricardo, trinta e dois. Ambos eram estrategistas inteligentes, procurando tanto superar, quanto dominar um oponente. Ricardo perdeu seu pai na infância, o pai Henrique Tudor era desconhecido para ele por ter morrido antes dele nascer. Os relacionamentos que desfrutavam com suas mães eram excepcionalmente próximos e as duas mulheres eram formidáveis ​​em busca da causa de seus filhos.  Quando cada um deles estava no final da adolescência, suas vidas estavam ambas em grande risco. Ricardo foi ferido durante sua primeira batalha, em Barnet, onde o combate em torno dele foi tão intenso que vários de seus seguidores foram mortos lutando sob seu estandarte. Henrique estava em perigo de constantes tentativas de assassinato. Ambos os homens sempre escaparam por pouco.  Uma rivalidade pessoal foi construída entre eles e sua ambição comum tornava impossível sua coexistência. Somente um poderia sobreviver ao julgamento da força. Segundo o olhar medieval, suas experiências de quase-morte em idade semelhante eram significativas, pois ligava-os há um destino compartilhado e desdobrado. Um leitor moderno pode ficar mais impressionado com a maneira que cada um deles escolheu se posicionar durante confronto, em que ambos desempenharam os mesmos papéis aprendidos em um momento anterior tão assustador. Ricardo como um agitador, acostumado a tomar a iniciativa e agir sobre os eventos; Henrique como observador, aguardando e considerando suas opções enquanto seu destino é decidido por outros. Nós, e eles, procuramos um padrão para esses eventos decisivos, mas procuramos em diferentes lugares. Em vez de creditar tudo a Deus e ao destino, consideramos as experiências formativas no desenvolvimento de suas personalidades.

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Ilustração de Henrique Tudor sendo coroado no campo de batalha

A batalha durou aproximadamente duas horas e terminou ao meio-dia. Ricardo seria o último Rei inglês a morrer no campo de batalha. Em seguida, a coroa de Ricardo foi recuperada e Sir William a colocou na cabeça de Henrique dizendo: “Senhor, eu faço de ti rei da Inglaterra”. Assim, Henrique foi ‘coroado’ como Rei da Inglaterra em um campo nas proximidades Crown Hill em Stoke Golding. Henrique subiu a colina mais próxima e, com os soldados e nobres reunidos em sua volta, agradeceu a Deus por sua vitória e a eles por sua ajuda, prometendo-lhes que ele estaria consciente de seus deveres e que não se esqueceria de seu auxílio. Os homens, por sua vez, gritaram Deus salve o rei Henrique! Deus salve o rei Henrique! .

Henrique Tudor havia conseguido conquistar a coroa em uma batalha na qual ele deveria ter perdido. Foi considerado quase um milagre. Como Chris Skidmore descreve em seu livro “The Rise of the Tudors”:

realidade da ascensão de Henrique Tudor ao trono – suas escapadas da morte, seus fracassos, ansiedades e a constante incerteza de sua situação não era um conto muito bem-vindo. Mas o que continua a ser tão notável é o fato de que mesmo contra todas as probabilidades, Henrique conseguiu em Bosworth Field a vitória de uma batalha que ele não deveria ter vencido. 

Henrique seria oficialmente coroado como rei dois meses depois de seu triunfo, em 29 de outubro de 1485.  Seu principal objetivo era estabelecer novamente a paz em seu reino, mas assim como muitos antes dele, Henrique VII descobriria que conseguir o trono não era a parte mais difícil. A maior dificuldade sempre consistia em mantê-lo.

Fontes:
PENN, Thomas. Winter King: Henry VII and the Dawn of Tudor England. – Simon & Schuster; 2013.
SKIDMORE, Cris. The Rise of the Tudors: The Family That Changed English History. – St. Martins Press; 2014.
TEMPERLEY, Gladys. Henry VII. – Ulan Press; 2012.
DE LISLE, Leanda. Tudor: The Family Story. – Vintage; 2014.
HICKS, Michael. Richard III and His Rivals: Magnates and Their Motives in the Wars of the Roses. – Bloomsbury Academic; 2003.
HICKS, Michael. The Wars of the Roses: 1455-1485 – Osprey Publishing; 2003.
DOUGHERTY, Martin J. Guerra Das Rosas – A História Que Inspirou Game Of Thrones – M. Books; 2015
JONES, Michael K. Bosworth 1485: The Psychology of a Battle. The History Press; 2002.

 

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