Beggars and Vagrants – Uma análise da Elizabethan Poor Law durante o Período Vitoriano

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Durante o reinado de Victoria do Reino Unido (1819 – 1901), a classe trabalhadora britânica, consistia em um dos mais miseráveis proletariados da Europa. A morte de crianças e trabalhadores, em decorrência de inanição, por conseguinte, não era incomum durante o período.

No início século XIX, houve uma grande taxa de crescimento demográfico na Grã-Bretanha, seja devido ao alto índice de natalidade na época ou ao grande número de imigrantes vindos de outros países para o reino.

Com os efeitos da Revolução Industrial – iniciada na segunda metade do século XVIII na Grã-Bretanha – o fluxo migratório proveniente das pequenas cidades rurais, rumo aos grandes polos industriais britânicos, aumentou consideravelmente – especialmente devido à crescente demanda de mão-de-obra para a indústria do algodão, em ascensão no período. Esta parcela de trabalhadores, passou a habitar as periferias destas grandes cidades, muitas vezes, sob circunstâncias insalubres.

Dentro dos moldes legais, as Poor Laws, representavam o aparato jurídico de apoio social, a ser oferecido à esta parcela pobre da população. Este conjunto de leis, anterior ao Tratado de União (1707), foi desenvolvido na Inglaterra, durante o reinado de Elizabeth I (1533 – 1603), última monarca da Dinastia Tudor. Deste modo, a fim de compreender o modus operandi das leis dos pobres elisabetana, durante o período vitoriano, torna-se necessário realizar uma análise acerca de suas origens, ainda no século XVI.

Anteriormente ao Cisma da igreja inglesa, com a igreja de Roma, as ações praticadas em favor dos pobres e desfavorecidos no reino, eram vistas como uma tarefa religiosa a ser executada por todos os cristãos. Com a reforma da igreja na Inglaterra, muitas leituras religiosas passaram a ser reanalisadas, e a situação dos pobres no reino, passou a necessitar de algum dispositivo jurídico a fim de regulamentar a situação desta camada populacional.

De acordo com o historiador, Peter M. Solar (1995, p. 03), “a lei inglesa dos pobres, divergia da maioria dos sistemas continentais, primeiramente, em sua uniformidade e compreensão. Sob a lei inglesa dos pobres no final do século XVI, todos os homens e mulheres eram elegíveis para a ajuda e todas as paróquias eram responsáveis pela organização e financiamento da mesma’’.

Em 1563, durante o reinado de Elizabeth I, foi autorizado aos juízes da paz ou pessoas com influência local, a coleta de impostos obrigatórios a fim de sanar a questão dos pobres. Este sistema de coletas, foi dividido em 3 categorias básicas, que seriam mantidas anos depois, durante o novo Ato de 1601:

  • Os pobres que podiam trabalhar, mas não o faziam – que seriam encaminhados para uma casa de correção ou prisão;
  • Os pobres que queriam trabalhar, mas não podiam – que seriam encaminhados para um asilo ou casa de pobres;
  • Os pobres que podiam e queriam trabalhar – que seriam encaminhados para casas de trabalho, recebendo ferramentas adequadas para suas funções.

O sistema de organização dos pobres e coletas de impostos, ficava a cargo das paróquias locais em pequenas cidades rurais ou de pessoas proeminentes, que agiriam em comum acordo com a coroa. Deste modo, as paróquias passaram a configurar o cerne do conjunto administrativo das poor laws através dos séculos.

O último cargo elisabetano criado para a execução destas leis, ocorreu em 1597, sendo este, o de ‘Supervisor dos pobres’. No ano de 1601, no final do reinado de Elizabeth I, o Act for the relief of the poor, foi promovido através do parlamento inglês. Este ato consolidaria toda a legislação anterior em um único documento legal, não enunciando qualquer desvio radical dos moldes apresentados em reinados anteriores. Foi esta a base do sistema de bem-estar social, que sobreviveria por mais de 300 anos.

Ao se tratar da elizabetan poor laws, é necessário ressaltar que, embora tenha sofrido o acréscimo de algumas cláusulas legislativas através do tempo, o modo como este conjunto de leis foi interpretado juridicamente e aplicado durante os séculos, manteve-se legalmente semelhante às suas origens no século XVI.

De acordo com o documento de 1601, o ato aprovado pelo parlamento, ainda contava com uma intricada rede de auxílio do clero e de entidades nomeadas para seu melhor funcionamento. No entanto, com a reforma inglesa, a corporação religiosa local, passou a fazer parte desta igreja nacional, pautada na soberania do monarca vigente, enquanto seu chefe supremo. Por conseguinte, a divisão dos cargos seria realizada entre membros da igreja e importantes chefes de famílias locais:

“Os membros da igreja de todas as paróquias, e quatro, três ou dois chefes de família importantes, como se pensem, se encontrem, tendo em conta a proporção e grandeza da mesma paróquia e paróquias a serem nomeadas, anualmente na semana da Páscoa, ou no prazo de um mês após a Páscoa, sob a mão e selo de dois ou mais juízes da paz no mesmo Condado, dos quais um para ser do Quórum, que habita a mesma paróquia de divisão onde esta se estabelecerá, serão chamados Superintendentes dos pobres da mesma Paróquia.”

Os estatutos das poor laws, acerca da realocação da população de pobres e indigentes durante o período elisabetano, não apenas eram considerados um método eficaz de combate à pobreza, como também, um dos motores que ajudariam a direcionar a população pré-industrial, rumo à mão de obra do trabalho assalariado – importante fator para a construção do que viria a compor o proletariado inglês, pós-revolução industrial, durante o século XIX.

Séculos mais tarde, em 1834 – três anos antes da coroação de Victoria do Reino Unido – a lei elisabetana dos pobres, ainda em vigor, foi acrescida de uma emenda legal. Inicialmente, a mesma foi vista por parte da população, como sendo de caráter positivo, uma vez que deveria reduzir o custo dos cuidados aos pobres, obtidos através da coleta de impostos. No entanto, após a aplicação da emenda, nem todos compartilharam desta opinião. Muitos pobres temiam o tipo de tratamento recebido nas casas de trabalho, e algumas figuras proeminentes da época – a exemplo do político da vertente tradicional Tory, Richard Oastler (1789 –1861) – acreditavam que, a nova emenda de lei, recrutava pessoas para ‘prisões para os pobres’.

Um exemplo das escassas condições de trabalho e vida nestas casas, pode ser notado através de alguns documentos da época, como o certificado de óbito de um menino de 8 anos de idade, assinado por Joseph Horn, no distrito de Liverpool, em 17 de janeiro de 1845. De acordo com o documento, o jovem George Jordan, filho de um trabalhador de uma casa de pobres – um outro George Jordan – havia falecido, de inanição, devido à “exaustão da falta de comida o suficiente”.

Uma vez que, um dos objetivos da emenda de 1834, era o de abolir certos tipos de assistencialismos governamentais existentes anteriormente na lei de 1601, a situação dos pobres no Reino Unido, entrou em declínio. Uma das cláusulas contidas na emenda legal, era a abolição da assistência fornecida aos deficientes – outrora existente na lei elisabetana. As casas de trabalhos para os pobres, também passaram a existir, não apenas na Inglaterra, como também no País de Gales, e mais tarde, na Irlanda (1838) e Escócia (1845).

De acordo com um relatório escrito pelos comissários do então monarca, William IV, a menor elegibilidade das casas de trabalho, tornariam estes recintos menos acessíveis, medida esta, também provinda do corte de recursos destinados à manutenção destes locais:

“A primeira e mais essencial de todas as condições, um princípio que nós achamos universalmente admitido, mesmo por aqueles cuja prática está em desacordo com ela, é que sua situação em geral não será realmente ou aparentemente tão elegível. Ao longo das evidências, mostra-se que, na medida em que a condição de qualquer classe de indigentes é elevada acima da condição de trabalhadores independentes, a condição da classe independente é deprimida; sua indústria é prejudicada, seu emprego se torna instável e sua remuneração em salários é reduzida.”

Com a criação da Poor Law Commission, em 1834 – um órgão estabelecido para administrar os cuidados para com os pobres e deficientes, de acordo com outro ato, o de emenda à lei dos direitos humanos – três comissários dos pobres e dois secretários, passaram a administrar as questões locais. O órgão duraria de 1834  a 1847. De 1847 e 1871, o órgão daria lugar ao conselho dos pobres, onde um funcionário público, responderia como secretário permanente deste conselho.

Logo após a introdução e funcionamento da Comissão da Lei dos Pobres, alguns escândalos tornaram-se notícia nas manchetes britânicas. Um dos mais conhecidos na época, foi o Andover Workhouse, escândalo acerca dos relatos de insalubridade e fome dentro das casas de trabalho britânicas. Segundo uma charge da época, alguns trabalhadores locais chegaram a brigar pela oportunidade de comer restos de carne podre, contidas em alguns ossos jogados fora por oficiais.

A falha de assistencialismo, resultante da emenda de 1834, levou o PCL (poor law comission), a reelaborar novos decretos-tampões, a fim reverter a situação. Para tal, o governo introduziu regras mais rígidas para a direção das casas de trabalho, além de exigir visitas de inspeção regulares, vindas da comissão gerenciadora das Poor Laws. No entanto, relatos de abusos de autoridade, ainda eram divulgados.

Embora a população empregada não precisasse se preocupar com a ida obrigatória para os asilos e casas de trabalho, tal perspectiva estava à espreita, caso a pessoa se tornasse idosa ou desempregada. No início e em meados do século XIX, com a migração de jovens trabalhadores das cidades rurais, rumo aos grandes polos industriais britânicos a fim de fornecer mão de obra, os habitantes das casas de trabalho ou asilos em cidades menores ou no campo, passaram a ser os órfãos, idosos ou pessoas com enfermidades psicológicas. De acordo com Solar:

“O próprio sistema inglês ficou sob pressão no início do século XIX, uma vez que a industrialização mudou muito os problemas da pobreza. As altas taxas de migração rural-urbana e a predominância de jovens adultos neste movimento, também deixou as paróquias rurais com um número desproporcional de crianças e idosos, os mais prováveis de necessitarem de alívio.”  (SOLAR, 1995, p. 18).

Por conseguinte, o fluxo migratório e as rápidas mudanças demográficas, ocasionadas pela industrialização do Reino Unido, acabou por enfraquecer a lei dos pobres, em vigência por mais de 200 anos. Uma vez que o modus operandi da lei dos pobres, era inicialmente voltado ao controle das pequenas paróquias rurais, a crescente taxa de natalidade e a vasta mão de obra de jovens adultos partindo para as cidades industriais, deixou os asilos e casas de trabalhadores, longe destas localidades, repletos de pessoas que necessitariam de maior atenção social e custariam mais caro ao governo. Estas pessoas, eram amparadas pela emenda legal de 1834, que havia cortado gastos e tornado as medidas assistenciais menos inclusivas.

Deste modo, as poor laws, surgidas em meados do século XVI – durante a pré-revolução industrial, e que acabaria por encaminhar a parcela pobre da população inglesa, ao trabalhado remunerado e à manutenção de uma mão de obra que, durante o período vitoriano, tornaria-se força motriz essencial durante a Revolução Industrial – encontrou neste mesmo corpo legal, o enfraquecimento de uma política assistencialista com séculos de funcionamento. Os escândalos relacionados à lei dos pobres, ocorridos no século XIX, seguidos do mau gerenciamento das casas de trabalho e abusos físicos causados contra estas pessoas, causaria um crescente declínio deste programa, que ocasionaria em sua total abolição, em meados do século XX.


Bibliografia:

CARTER, Paul. THE NATIONAL ARCHIVES. How Cruel was the Victorian Workhouse/Poor Law Union? ‘Living the Poorlife’. Novembro de 2009. Disponível em <https://www.nationalarchives.gov.uk/documents/cat-day-10-victorian-workhouse.pdf>. Acesso em 01 de Dezembro de 2018.

 KINNEY, Arthur F. Rogues, Vagabonds, & Sturdy Beggars. A new gallery of Tudor and early Stuart rogue literature exposing the lives, times and cozening tricks of the Elizabethan underworld. Imprint Society; 1973).

SOLAR, Peter M. ‘Poor relief and English economic development before the industrial revolution’. Disponível em <https://web.stanford.edu/~avner/Greif_228_2007/Solar%201995%20Poor%20Relief%20and%20English%20Economic%20Development.pdf> Acesso em: 01 de Dezembro de 2018.

 THE NATIONAL ARCHIVES. 1834 Poor Law – What did people think of the Poor Law? – Disponível em <http://www.nationalarchives.gov.uk/documents/education/poor-law.pdf> Acesso em 01 de Dezembro de 2018.

 

 

 

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