A moda é o espelho da história – Luís XVI
”Eu sabia que era um pouco desagradável ser da Califórnia, vir para a França, e fazer um filme sobre Marie Antoinette. Mas eu senti que era um espírito punk que ela teria apreciado…” – Sofia Coppola, durante sua entrevista no Museu de Artes e Design de Nova York (2006).
É a partir da sentença acima – que mescla em partes iguais, doses de anacronismo e irreverência – que dou início ao artigo de hoje, onde analisarei os pormenores do figurino do longa-metragem dramático histórico-biográfico, ‘Maria Antonieta’, de 2006.
Maria Antonieta é um longa-metragem de drama-histórico, dirigido pela estadunidense, Sofia Coppola (Encontros e Desencontros) e estrelado pela atriz Kirsten Dunst (‘Entrevista com o Vampiro‘; e ‘Homem-Aranha‘) no papel de Maria Antonieta. O drama narra a vida de Maria Antonieta, desde sua juventude deixando à corte austríaca, até o período que antecede sua execução na França, em 16 de outubro de 1793.
Atualmente conhecido por muitos, o filme Maria Antonieta não teve uma estreia tão bem recebida quanto sua fama hoje possa sugerir. Quando chegou às bilheterias em 2006, o longa foi recebido com um impacto morno, e críticas mistas vindas de grandes tabloides no mundo. Muitos torceram o nariz para as nuances lidas como anacrônicas, provindas da liberdade poética da direção de Coppola que, a partir de um amálgama, trouxe referências do século XVIII e nuances do início do século XXI para a produção.
Sofia Coppola trouxe muito de si e de suas referências pessoais – acerca do modo como enxergava Maria Antonieta – para o longa. Na visão da diretora, Maria Antonieta era uma criatura frágil e jovem, em uma corte estrangeira composta por pessoas velhas, politicamente experientes, e com uma natural aversão aos austríacos. Tal visão foi alimentada por Sofia, após sua leitura do best-seller biográfico intitulado Maria Antonieta, escrito pela historiadora britânica, Antonia Fraser.
Antes de decidir quem seria o figurinista do longa e como os trajes seriam desenvolvidos, Sofia e sua mãe fizeram uma visita ao MMA (The Metropolitan Museum of Art), a fim de conhecer Andrew Bolton, o curador-chefe do Instituto de Figurinos do local. A visão pré-concebida de Coppola acerca da indumentária utilizada na França do século XVIII, sofreu uma grande alteração, quando a mesma deparou-se com os longos vestidos da época expostos no museu, em cores que – de acordo com ela – pareciam um tanto diferentes do que esperava para um traje do período:
“As cores dessas roupas eram verde-hortelã, rosa… cores que você não esperaria […] porque nos filmes elas sempre parecem mais desbotadas ou em tons de terra. Então fiquei impressionada com isso; esse foi o ponto de partida.”
Com a noção histórica melhor definida acerca de um traje do século XVIII, Coppola partiu para a idealização de uma paleta de cores voltada ao que o público do século XXI pudesse sentir maior familiaridade. Uma vez que o enredo do filme vinha se desenvolvendo através de frequentes consultas à historiadora Antonia Fraser, Coppola quis dar à ambientação, trilha sonora e figurino, um toque mais descontraído e pessoal, representando o modo como ela mesma interpretava o período em que Maria Antonieta viveu:
“Eu estava realmente mais interessada em ser impressionista e em capturar como eu pensava que ela [Maria Antonieta] era, e esperava que eu a tornasse precisa o suficiente para que pudesse ser aceita [pelo crivo do público]. Mas meu foco era realmente o sentimento…’’
Foi então que o nome da figurinista italiana, Milena Canonero entrou em cena. Milena era conhecida por seu trabalho como figurinista nos longas ‘Laranja Mecânica’ (1971), e ‘O Iluminado’ (1980), ambos do diretor estadunidense, Stanley Kubrick.
Ao contrário de nomes como Sandy Powell (‘A Jovem Rainha Vitória’, e ‘Shakespeare Apaixonado’), notória por desenvolver figurinos para longas históricos, Canonero não tinha muita experiência em filmes do gênero, destacando-se mais por seu uso de vestimentas com cortes modernos, padronagem angular e paletas vibrantes.
A fim de tentar familiarizar Canonero com o tipo de trabalho que deveria desempenhar em ‘Maria Antonieta’, Coppola enviou à estilista no início da pré-produção do longa, uma caixa da doceria francesa Ladurée, repleta de macarons em tons pastel. O presente foi acompanhado de um aviso escrito pela diretora: ”Essas são as cores que amo!” – disse Coppola. E assim sendo, a paleta de cores do filme, já estava definida.
Entretanto, enquanto Coppola determinou de modo direto a linha de atuação da estilista na paleta de cores, para todo o resto, a diretora deu carta branca à estilista, a fim de que pudesse desempenhar seu papel do modo que achasse mais adequado. Com tudo isso em mente, os próximos passos ficariam essencialmente a cargo de Canonero.

Dress to Impress – Criando os trajes de Maria Antonieta:
Após essa introdução e antes de falar acerca do processo de desenvolvimento do figurino do longa em questão, torna-se necessário realizar algumas considerações sobre Maria Antonieta, o período em que viveu, e o processo criativo geralmente utilizado por Hollywood, para a confecção de figurinos históricos.
Quando pensamos em Maria Antonieta, é necessário ter em mente que, o modo como a indústria da moda é vista atualmente no mundo, em muitos aspectos, difere de como esta era interpretada e imaginada durante o século XVIII. Embora para o senso comum seja tentador aliar o interesse de Maria Antonieta pela moda, a todo um imaginário de futilidade alimentado nos dias de hoje, a realidade é que, durante sua vida – e dentro da limitada esfera de poder que sua posição como rainha consorte lhe conferia – a rainha francesa viu no ato do ”trajar”, uma ferramenta a fim de expressar opiniões pessoais sobre assuntos que outrora lhe seriam proibidos. Segundo salienta a pesquisadora e especialista em história francesa do século XVIII, Caroline Weber, em seu livro ‘Rainha da Moda’:
Durante sua vida, seu vestuário [de Maria Antonieta] assumiu enorme significação política, fator que quase desapareceu de nossas variações atuais em torno de seu mito elegante e que certamente estava ausente das ânsias superficiais e consumistas… (WEBER, 2007, p. 324).
De acordo com Weber (2007, p. 11), ”Maria Antonieta utilizou a moda como um instrumento de revolta contra a etiqueta cortesã arraigada na França, transformando suas roupas e acessórios em ferramentas para desempenho de autonomia e prestígio”.
Em segunda instância, torna-se também necessário falar acerca dos figurinos criados para produções de caráter histórico em Hollywood.
Um figurino inspirado em uma indumentária de época específica, muitas vezes é uma das partes mais dispendiosas e demoradas na produção de um longa-metragem. O estudo por trás da confecção destas roupas, somado às técnicas aplicadas e o tempo de produção, geralmente ocasiona um longo processo criativo. No caso de Sofia Coppola, a mesma estava ciente que Maria Antonieta tornou-se conhecida por seu gosto pela moda, roupas, sapatos, tecidos e joias, sabendo portanto, que o trabalho por trás da confecção de seu figurino para o longa, deveria ser minucioso em muitos aspectos. A diretora também contava com um orçamento inicial amplo o suficiente para que pudesse contratar os melhores profissionais de Hollywood, dispondo também do acesso aos melhores ateliês de confecção cinematográfica na Europa – privilégio este, que muitos filmes histórico-biográficos não possuíam/possuem.

Pompa e Circunstância – O Processo criativo de Milena Canonero:
Após termos lido sobre as dificuldades habituais enfrentadas na confecção de figurinos históricos para longas-metragens, veremos agora como se deu a concepção e atuação criativa de Milena Canonero na produção de Sofia Coppola.
De acordo com Canonero, a padronagem realizada para a confecção do figurino do longa, foi desenvolvida através de um complexo estudo de indumentárias reais e da corte francesa do século XVIII, e estava ‘perfeitamente correta’ dentro do critério histórico. A liberdade criativa ficou por conta da cartela de cores, algumas joias e penteados usados na produção.
A ideia inicial de Canonero, foi captar a essência do período, sem reproduzi-lo à risca. A intenção era trazer ao telespectador uma nova perspectiva acerca da época em que Marie Antoinette viveu; tudo deveria ser exagerado; elevado ao extremo. As roupas confeccionadas teriam então pompa, glamour, abundância de tecidos, padronagens e rendas (embora esta última tenha sido usada com maior parcimônia pela figurinista).
Seda, tafetá, musselina e cetim, foram os tecidos escolhidos para a confecção dos trajes utilizados por Maria Antonieta no longa, sendo de fato, materiais nos quais grande parte dos seus vestidos era confeccionada durante o século XVIII. Também foram utilizadas rendas originais do século XVIII nos vestidos da rainha, assim como coletes da época para homens, e algumas jóias datadas do período, misturadas à outras leituras e re-modelagens atuais para o elenco em geral.
Canonero, no entanto, reconhece em uma entrevista concedida, que a quantidade de joias utilizadas por ela, era inferior à abundância do período recortado:
”Naqueles dias, todas as damas da corte estavam cobertas de renda, porque era a maneira de mostrar o quanto você era rica. Eles tinham muito mais jóias do que eu usei. Eu preferi que a decoração dos vestidos fosse mais gráfica do que rendada. Mesmo que eu usasse belas rendas da época às vezes.’’
A grande maioria das peças foi confeccionada em ateliês e estúdios da Cinecittà, em Roma – um complexo de estúdios e ambientes cinematográficos situados nos arredores da capital italiana, onde vários filmes europeus são gravados. Paralelamente a isso, um teste de cores foi realizado com a atriz Kirsten Dunst, para ver quais seriam as tonalidades mais destinadas a ela.
É a partir deste momento que a dicotomia central entre personagens do longa, é salientada através do uso de determinadas paletas de cores, atuando em direto contraste. Tal arquétipo maniqueísta definido no filme, era fruto da análise pessoal de Coppola acerca das narrativas envolvendo alguns personagens proeminentes no período. Enquanto a personagem de Maria Antonieta seria quase sempre vestida em delicados tons pastel, a personagem de Madame du Barry, seria apresentada ao telespectador, como uma figura de opróbrio; a ”amante vulgar de um monarca decadente”, tendo sua paleta de cores e corte de suas roupas, atuando como um oposto complementar ao da protagonista da trama. Assim sendo, Maria Antonieta seria a jovem inocente, enquanto du Barry – com seus vestidos pesados e escuros – forneceria o visual contrastante em cena, como o de um ”pássaro exótico”, nas palavras de Canonero.
Com isso em mente, o figurino de Du Barry, com suas cores escuras, passa a ”brigar” com a tonalidade delicada dos trajes de Maria Antonieta; é o conflito de personagens, explorado para além do script, alcançando outros dispositivos interpretativos para o telespectador. Um detalhe digno de nota, é que Maria Antonieta também utilizou cores mais escuras no longa. A tonalidade escura, no entanto, atuou na paleta de cores da rainha francesa, como um elemento transgressor, presente apenas durante o momento em que a mesma aparece mascarada em um baile à fantasia – interpretando um alter ego de si. No baile de máscaras, é também quando Maria Antonieta se permite mergulhar no mesmo território dos assuntos vistos no longa como sendo pertinentes à du Barry – com flertes, segredos e luxúria.

Análise do figurino de Maria Antonieta, a partir do estudo de pinturas da época e cenas do filme:
Um dos pontos de partida mais correntes quando o estudo acerca de um personagem histórico é levantado para um filme específico, é a pesquisa através dos retratos confeccionados na época em que este viveu. Com Maria Antonieta não foi diferente.
Uma vez que o elemento analítico desse artigo se volta, desde o princípio, à Maria Antonieta – personagem principal do longa-metragem de mesmo nome – torna-se natural que o foco a ser tratado aqui, no que tange o figurino do longa, parta dela. Deste modo, a análise apresentada a seguir, será realizada visando o figurino utilizado pela atriz Kirsten Dunst, ao desempenhar o papel da rainha francesa.
O retrato o de Maria Antonieta posando como uma jovem noiva, em meados de 1770, certamente foi utilizado como inspiração para as primeiras cenas da jovem austríaca seguindo rumo ao reino francês. Nessas cenas ela aparece trajando um vestido na tonalidade azul pastel, com corte ovalado e recuado no busto, aparado pelo uso de rendas e laçarotes na tonalidade rosa. Conforme pode ser observado, com excessão da posição dos laços e cortes das mangas, o vestido permanece estruturalmente o mesmo em ambas as imagens em destaque.
Outra pintura utilizada como inspiração por Canonero na confecção do figurino de Maria Antonieta no longa, foi o retrato de Jean-Étienne Liotard, intitulado ‘Arquiduquesa Maria Antonia’, de 1762. Nele vemos a jovem Antonieta utilizando um vestido rosa na tonalidade pastel, guarnecido por laçarotes e uma gargantilha na mesma cor. No longa, Dunst utiliza uma réplica do vestido, apenas com leves alterações no volume das mangas e quantidade de renda utilizada.
Já no decorrer do filme – nas cenas de seu casamento, e da coroação de Luis – vemos a rainha francesa fazendo uso do pannier, ou ‘aros laterais’, peça de roupa utilizada a fim de estender a largura lateral da estrutura do saiote de um vestido. Ele era acoplado à cintura, conferindo um visual largo nas laterais e plano nas frentes e costas. O pannier surgiu na corte espanhola, em meados do século XVII, espalhando-se depois para a França e resto da Europa, por volta de 1718/19 – sendo muito utilizado na corte de Versalhes.
Na década de 1780, os panniers estavam restritos à lei suntuária francesa, sendo portanto, destinados à ocasiões específicas – como casamentos, coroações, e etc. O fato de Milena Canonero ter escolhido utilizar essa peça apenas nessas duas cenas específicas (casamento e coroação) conota o nível de pesquisa da figurinista acerca, não apenas da indumentária utilizada na corte, como também dos costumes e regras envoltos ao tema.
Canonero também conseguiu captar para às telas, o estilo informal da rainha, fora dos eventos protocolares da corte. A representação de Maria Antonieta em retratos oficiais, trajando vestes não-oficiais da corte, simbolizou um dos escândalos enfrentados pela rainha no decorrer de sua vida.
Tais retratos fornecendo uma perspectiva mais informal da rainha, eram muitas vezes pintados pela retratista real de Maria Antonieta, Madame Vigée-Lebrun (1755 – 1842). Nestas pinturas podemos ver a abundância de referências naturais – como flores e natureza morta, penas e etc. – além do uso de tecidos mais delicados. Os vestidos macios, de cortes leves, lembrando chemises, foram popularizados pela rainha durante 1780. Conhecidos como robe à la reine, eles tinham como elementos distintivos a musselina branca, os largos babados, as mangas bufantes e quase sempre o arremate na cintura e punhos, através do uso de faixas coloridas.
Em contrapartida ao pannier utilizado em eventos oficiais da corte, o robe à la reine era a epítome do conforto feminino durante esse período da vida de Maria Antonieta.
No longa-metragem, os vestidos foram mostrados nas cenas em que a rainha se retira rumo ao Petit Trianon – residência mais afastada no complexo do palácio de Versalhes. No local a rainha aparece levando uma vida mais reclusa do protocolo real, podendo lidar com o cultivo de plantas, frutas e flores, além do cuidado de animais menores, como galinhas e cabras.
Em cenários adicionais, também podemos ver cenas em que Maria Antonieta aparece utilizando um tipo de sobrecasaca de seda (em destaque acima), um longo casaco preto adornado com pele de arminho, ou até mesmo um vestido com aba traseira bufante, comum na corte da época, conhecido como robe a l’anglaise retroussée.
Uma cena digna de nota no longa, é a parte em que a rainha aparece ao ar livre, posando ao lado dos filhos, para uma pintora de identidade aparentemente desconhecida. Trata-se de uma nítida referência à pintora de Vigée Le-brunn, que conforme anteriormente mencionado, ficou conhecida por retratar a rainha durante a década de 1780.
No entanto, há de se mencionar que, a pintura original utilizada como referência em questão, é a intitulada ‘Queen Marie Antoinette of France and two of her Children Walking in the Park of Trianon‘, datada de 1785, e pintada pelo artista sueco, Adolf Ulrik Wertmüller – que havia se mudado para Paris em 1772, para estudar pintura com seu primo no reino, sendo logo em seguida eleito para a Academia Real de Pintura e Escultura.
A moda como espelho do tempo – Análises adicionais:
A fala anacrônica e irreverente de Coppola, mencionada no início deste artigo, também deve ser um fator levado em conta em vários aspectos do filme. Seja no uso de algumas joalherias com nuances modernas, ou até mesmo na escolha da trilha sonora composta por bandas de rock e punk (como The Cure; Siouxsie and the Banshees; The Strokes, entre outras) que emergiam diante de um clássico cenário do século XVIII, outros pequenos elementos, provenientes da liberdade poética da diretora, também deram às caras no decorrer do filme.
Como ponto alto de seu senso de humor e perspectiva por ela classificada (durante uma entrevista ao Museu de Artes de Design de Nova York, no ano de 2006) como ‘focada no sentimento’, ou ‘impressionista’, torna-se necessário fazer menção à alguns detalhes adicionais inseridos no filme – um que com certeza não passou batido aos olhos dos telespectadores, e outro que provavelmente, muitos não notaram.
Detalhe 1 – O Punk Rococó:
Em uma das cenas que Maria Antonieta esbanja dinheiro com festas, jogos, bebidas e compras, podemos ver próximo aos seus mules (tipo de tamanco com leve salto, muito utilizado no século XVIII), um par de tênis da marca All Star, na tonalidade azul pastel – velho e jogado de canto, em perspectiva.
Essa pequena – porém perceptível – brincadeira de Coppola, beirando à estética Kitsch, foi um dos artifícios utilizados por ela, a fim de trazer nuances atuais, que remetessem à sua própria leitura da Versalhes do século XVIII.
Detalhe 2 – Poufs Punks:
Em uma das cenas do filme, vemos Maria Antonieta com uma coroa de flores na cabeça e os cabelos em tonalidade rosa. Embora essa cena novamente pareça remeter à algum artifício anacrônico de Coppola, essa ”brincadeira”, tem respaldo histórico-documental, uma vez que os cabelos coloridos existiram de fato, durante o século XVIII.
Durante o período em que Maria Antonieta era rainha consorte da França, era costume que as mulheres empoassem seus cabelos. O ato de empoar, consistia em pentear os cabelos com um tipo de pomada grudenta, finalizando ou selando os fios com pó – que poderia ser feito a partir de um tipo de talco, ou até mesmo farinha de trigo. Esse pó era geralmente branco, o que conferia às pessoas, cabelos com aspectos acinzentados (caso fossem mais escuros) ou até mesmo embranquecidos (caso o tom das madeixas fosse mais claro). Embora não fosse tão comum, existiam pós coloridos, que poderiam ser utilizados por mulheres de classes mais altas. A título de exemplo (na montagem acima), está o retrato intitulado ”Portrait of a Young Lady”, pintado em 1790, por Yermolai Kamezhenkov, onde podemos ver uma jovem com os fios empoados na tonalidade rosada.
Conclusão:
No decorrer do longa, tanto Sofia quanto Milena mostraram ao telespectador como a indumentária no século XVIII desempenhou um papel na corte, menos como uma vestimenta, e mais como um agente da linguagem de poder daquele período. No imaginário da época, a moda poderia funcionar para diversos fins políticos e sociais. Era através dos tipos de joias e tecidos, que pessoas conotavam aos outros seus níveis de hierarquia, influência e poder. Conforme salienta a pesquisadora, Caroline Weber:
Desde o momento em que Maria Antônia, arquiduquesa de 14 anos nascida na Áustria, chegou à França para se casar com o herdeiro do trono Bourbon, questões de vestuário e aparência provaram-se centrais para sua existência. Como futura rainha, e mais tarde a rainha reinante, um rígido protocolo governava muito do que ela vestia, como vestia, quando vestia e até quem a vestia. Destinado a exibir e afirmar a magnificência da dinastia Bourbon, esse protocolo havia sido imposto por monarcas franceses aos seus cortesãos, e às suas rainhas, por gerações. (WEBER, 2007, p. 11).
Assim sendo, não só a roupa significava poder no século XVIII, como também o modo como ela era vestida em uma pessoa. No desenrolar do longa, Sofia ilustrou bem como os rituais envolvendo as vestimentas também eram importantes ferramentas na simbologia do poder, dentro da mentalidade daquele período. Maria Antonieta, no filme e na vida, não se vestia; ela era vestida.

Desde sua juventude como arquiduquesa na Áustria, até o período em que tornou-se rainha consorte da França, Maria Antonieta foi vestida por uma comitiva de damas melhor preparadas para o desempenho de tal função. Como uma jovem da nobreza e realeza, ela não precisaria saber como se vestir, e sim, o que vestir.
Nessas relações de poder, o corpo de Maria Antonieta funcionava como um manequim, e sua roupa, como a ferramenta expressa de sua posição e percepções pessoais outrora censuradas de mundo, aspectos estes, constantemente explorados no filme – seja nas cenas da Áustria, ou em Versalhes.
Coppola não quis que a moda representada através do figurino em seu filme, fosse um espelho da história. No entanto, ela utilizou o figurino, diversas vezes durante o longa, como a representação de um reflexo do período em que Maria Antonieta viveu.
Como disse em entrevista ao tabloide The New York Times, no ano de lançamento do filme, Sofia definiu não ”nutrir fetiches sobre precisão histórica” – era bom que existisse, mas não seria o fator determinante para as medidas tomadas por ela. E o filme seguiu à risca essa ideia. Do começo ao fim, Sofia Coppola e Milena Canonero desempenharam uma releitura de como seria a vida dessa jovem estrangeira e como ela encontraria, através da moda, um modo de se manifestar e fazer ser ouvida. Tão preciso quanto este retrato traçado, foi a maneira como elas conseguiram captar através das últimas cenas do longa, o preço que a rainha francesa pagou por ter-se utilizado da moda como expressão e palanque de poder. Já nos desdobramentos finais, Maria Antonieta aparece com suas roupas desalinhadas, cabelos bagunçados, tornando-se assim, uma mulher incapaz de controlar o poder que outrora representava e adornava em si.

Embora o longa tenha rendido duras críticas à Sofia Coppola e suas brincadeiras anacrônicas, a figurinista Milena Canonero recebeu com ‘Maria Antonieta’, seu terceiro Oscar de melhor figurino (ela já havia levado a estatueta por dois outros trabalhos: Chariots of Fire, de 1981; e Barry Lyndon, de 1975).
Um figurino como o do filme ‘Maria Antonieta’ mostra ao telespectador, a importância de vestir um personagem – seja com roupagem histórica, ou não. O figurino é uma das peças-chave para um longa-metragem, sendo muitas vezes utilizado para apoiar e embasar toda uma narrativa.
Bibliografia e Referências:
BAILEY; Jason. Sofia Coppola Talks ‘Marie Antoinette’ Its Costumes & Style At New York’s Museum of Arts and Design. The Playlist, 10 de Jan. de 2020. Disponível em: <https://theplaylist.net/sofia-coppola-talks-marie-antoinette-mad-20200110/>. Acesso em: 05 de Abril de 2020.
COSTUME designer Milena Canonero on Working with Kubrick and Inspirational Macaroons. NBC NEW YORK, 24 de Jun. de 2011. Disponível em:<https://www.nbcnewyork.com/local/costume-designer-milena-canonero-talks-stanley-kubrick-getting-inspired-by-macaroons/1921849/>. Acesso em: 05 de Abril de 2020.
HOHENADEL; Kristin. French Royalty as Seen by Hollywood Royalty. The New York Times, Nova York, 10 de sep. de 2006. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2006/09/10/movies/moviesspecial/10hohe.html>. Acesso em: 05 de Abril de 2020.
MAURICE; Murissa. The Fabulous Fashions of Milena Canonero. ArtSmart, British Columbia, 08 de sep. de 2015. Disponível em:<https://www.thewanderfulltraveler.com/artsmart-the-fabulous-fashions-of-milena-canonero/>. Acesso em: 05 de Abril de 2020.
Marie Antoinette: Working with an historical basis. The Costume Vault, 08 de fevereiro de 2016. Disponível em: <http://costumevault.blogspot.com/2016/02/marie-antoinette-working-with.html>. Acesso em: 05 de Abril de 2020.
THE WES ANDERSON STYLE: an interview with milena canonero. Abrams & Chronicle Books, Nova York, 2014. Disponível em:<https://www.abramsandchronicle.co.uk/blog/the-wes-anderson-style-an-interview-with-milena-canonero/>. Acesso em: 05 de Abril de 2020.
WEBER, Caroline. Rainha da Moda: Como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar, 4 de agosto de 2008.
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