O que o testamento de Shakespeare nos diz sobre ele?

É bastante conhecido o fato de que, ao morrer, Shakespeare deixou para sua esposa Anne “sua segunda melhor cama”. Novas análises científicas no testamento mostram que, longe de ser um sinal de desprezo, foi um ato de amor de um homem que sabia que estava morrendo.

 Novas análises científicas sobre o histórico testamento estão ajudando a pintar um quadro vívido da personalidade do dramaturgo e do seu pensamento sobre a família. Pesquisas do Arquivo Nacional Britânico, jamais feitas antes, revelam Shakespeare como um astuto homem de negócios, preocupado em garantir a segurança financeira dos seus. Análises de papel e tinta no documento de 400 anos revelam que a segunda página do manuscrito de 3 páginas foi escrita em um momento diferente das demais, como mudanças significativas feitas em janeiro e março de 1616, quando a situação de Shakespeare – e de sua família – mudou.

Os resultados iniciais das análises levarão os estudiosos a rever muitos conceitos estabelecidos tanto sobre a vida familiar quanto sobre a morte de Shakespeare, lançando sérias dúvidas sobre teorias geralmente aceitas, tais como:

  • Shakespeare esteve doente por certo tempo e retirou-se para Stratford-upon-Avon, onde escreveu seu testamento no leito de morte;
  • Ele estava frio e amargurado com sua família e não lhes deixou nenhuma palavra de conforto no testamento.
  • Ele deserdou sua filha Judith e o marido Thomas Quiney, mudando o testamento para excluí-lo.
  • Ele foi mesquinho ou indiferente a sua esposa Anne, deixando para ela apenas sua “segunda melhor cama”.

Arquivistas trabalharam por cerca de quatro meses, entre setembro de 2015 e janeiro de 2016, removendo um papel grosso que havia no verso e alguns remendos feitos de seda, para devolver ao documento uma aparência próxima do original. Isso permitiu uma análise minuciosa do papel utilizando a tecnologia de raio-x e luz infravermelha pela primeira vez. Peritos da Biblioteca britânica realizaram então a análise multiespectral do testamento, expondo o manuscrito ao raio ultravioleta, visível ao raio infravermelho de uma câmera especializada capaz de captar imagens não visíveis ao olho humano.

anne esposa
Suposto retrato de Anne Hathaway, esposa de Shakespeare

Os resultados indicaram que a página 2 foi escrita em época diferente das páginas 1 e 3, desmentindo a teoria de que o testamento teria sido escrito de uma só vez.

A especialista do Registro Legal do Arquivo Nacional britânico, Dra. Amanda Bevan, acredita que a página 2 seja uma parte remanescente de um testamento mais antigo. A página 1 estava datada de janeiro de 1616, antes de ser descartada e substituída em março. Alguns estudiosos acreditavam que o testamento teria sido copiado integralmente em março de 1616 com o copista escrevendo “janeiro” por engano. Porém, as imagens mais recentes indicam que isso não ocorreu e que a página já estaria realmente escrita em janeiro de 1616 e sofreu correções e adições em março – um mês antes da morte de Shakespeare.

A tinta usada para substituir janeiro por março parece ser a mesma usada para outras alterações no testamento, incluindo a famosa referência à “segunda melhor cama” deixada para Anne.

Segundo especialistas, é possível que houvesse um documento original que foi sendo mudado de acordo com as circunstâncias. Assim, os legados específicos para pessoas próximas parecem ser fruto de acréscimos posteriores, feitos diante de novas testemunhas. Assim sendo, ao adquirir uma nova propriedade em Londres (The Blackfriars Gatehouse) em março de 1613, Shakespeare tratou de garantir esse legado à filha mais velha, Susanna. Da mesma forma, quando Judith, sua filha mais nova, estava para se casar em janeiro de 1616, ele pensou em garantir para ela algum dinheiro extra para as despesas do casamento. As análises recentes comprovam que houve linhas escritas e depois riscadas no testamento, fazendo dele um documento dinâmico, que era modificado conforme o rumo dos acontecimentos na família Shakespeare.

página 2 do testamento
Imagem do testamento de Shakespeare (página 02). Aquivo Nacional Britânico.

Segundo a Dra Katy Mair, não é verdade que saibamos pouco sobre a vida de Shakespeare. Somente no Arquivo Nacional Britânico existem mais de 100 documentos sobre sua vida, tanto em Londres quanto em Stratford.

As novas análises do testamento nos revelam que o bem sucedido dramaturgo era também um homem de negócios, engajado até o último momento no projeto de deixar o melhor legado possível para sua família.

Muito ainda poderá ser conhecido sobre o testamento por meio do uso dessas novas técnicas de análise multiespectral. Não é possível prever o que mais será descoberto sobre o documento em si, mas essas novas técnicas abrem um universo fascinante de possibilidades para novas interpretações e entendimentos sobre o processo de criação de manuscritos antigos.

O mês de abril de 2016 marca os 400 anos da morte de William Shakespeare, e diversas comemorações estão espalhadas pelo mundo. No momento, essa incrível exposição no King’s College em Londres http://www.bymewilliamshakespeare.org/ nos oferece a possibilidade de conhecer mais sobre Shakespeare por meio de alguns documentos que testemunham a vida do “Cisne de Avon”.

Fonte: What Will’s will tells us about Shakespeare. BBC. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/programmes/articles/4YGG7k013n4bhlpFjqFy2dX/what-will-s-will-tells-us-about-shakespeare > 2016.

 

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