”É mais fácil estabelecer a paz na Europa, que entre duas mulheres…” – Louis XIV, em 1670.

O nascimento de Jane Seymour, no ano de 1508, pode ter representado certo alívio para os pais da jovem, John Seymour e Margery Wentworth, anteriormente agraciados seis vezes com herdeiros do sexo masculino. Em meio a tantos irmãos, sua mãe mostraria invejável fertilidade, engravidando mais quatro vezes, e provendo à jovem, algumas companhias femininas pela casa.
A prática comum de levar seus filhos mais novos para serem educados em vilas, cidades ou cortes estrangeiras, não parece ter sido seguida pelos Seymour, que optaram eles mesmos por educar toda a sua prole. Porém, a habilidade de Jane em realizar leituras na língua inglesa mostra que a jovem chegou a receber uma educação mais formal, provavelmente vinda do capelão de seu pai. Ela não aprendeu latim – língua considerada a base da alta erudição na época – uma vez que, fora da corte, tal aprendizado para seu status social e gênero, não era valorizado.
Jane não nasceu em berço esplêndido; não foi educada para ser uma rainha, erudita ou grande pensadora. Ela foi educada para cumprir o mais importante papel para seu gênero em sua época: ser uma boa esposa e mãe. Para isto, ela aprendeu a bordar, costurar e dançar. A castidade era a característica mais valorizada em seu lar, uma vez que, segundo a crença comum, esta era uma das maiores virtudes de uma boa dama.
O solar Wolf Hall, localizado na zona rural inglesa de Wiltshire, foi onde a jovem permaneceu até meados de seus 18 ou 19 anos de idade. Após este período, a vida de Jane sofreria considerável mudança, depois de seu pai cogitar sua ocupação na corte real.
Não sabemos qual o caminho exato que Jane trilhou a fim de tornar-se dama da câmara privada de Catarina de Aragão, primeira esposa de Henrique VIII. É provável que sua porta de entrada para a corte, tenha ocorrido através de sua indicação por algum membro da alta nobreza.

O cargo de dama de companhia na corte de Henrique VIII, era alvo de grande interesse de todas as mais nobres famílias do reino. Deste modo, nem sempre os muitos pedidos e trocas de favores para que filhas de nobres pudessem fazer parte de tal séquito, eram concedidos.
As principais damas de companhia da rainha faziam parte dos mais elevados níveis da aristocracia inglesa. A maioria delas não era apenas bem casada, como também descendente de uma longa e antiga linhagem familiar. Suas damas de mais alta estirpe, chamadas de ‘Great Ladies’, estavam a serviço da rainha em qualquer grande evento da corte (banquete, batizado, reuniões com embaixadores estrangeiros, e etc.) Já as ‘damas da câmara privada’, eram responsáveis por fazer companhia à rainha em outros momentos, como por exemplo, em suas câmaras particulares, sentadas ao seu lado enquanto bordava camisas para o rei, ou dormindo em um colchão em seu quarto, quando assim fosse necessário. Embora não possuíssem a titulação de uma grande dama, com algumas poucas exceções, elas derivariam de famílias eminentes.
Sabemos que, nesta época, Eduardo Seymour, irmão de Jane, já era um membro ativo na corte henricana. No entanto, ele não dispunha de influência o suficiente para elevar sua irmã para tal status. É possível que tenha sido seu pai, John, o responsável por conseguir para sua filha, o cargo de dama da câmara privada da rainha, quando este resolveu explorar melhor os contatos que possuía. O nome da Condessa de Sussex, também parece uma alternativa provável, uma vez que Jane pode ter sido uma de suas aias, e por este motivo, sendo por ela indicada à rainha Catarina. A Condessa tinha todo o poder e influência necessários para colocar uma – até então desconhecida – jovem no seio da corte de Henrique VIII.

A partir do ano de 1529, quando contava com aproximadamente 20 anos de idade, Jane ingressou no séquito da rainha. Para ocupar tal proeminente cargo, ela teria que possuir um bom antecedente na corte, sendo provável que sua antiga senhora estivesse muito satisfeita com seus serviços.
A rainha Catarina não queria como dama, uma beldade ou símbolo intelectual de sua época. Os requisitos necessários para entrar para o séquito real, eram ser uma mulher cuidadosa, piedosa, e que pudesse ajudá-la a cumprir com seus compromissos diários, dos mais simples, aos mais complexos. Todas as damas convocadas teriam que ser aceitas pela rainha em pessoa para poder iniciar o desempenho de suas funções.
Jane adentrou o séquito da rainha em um período turbulento. Em meados de 1524/1525, o monarca havia deixado de frequentar o leito real, no momento em que soube que sua esposa não mais daria à luz um herdeiro varão. Em meados de 1527, Henrique passou a notar uma das damas do séquito de sua rainha, uma mulher de nome Ana Bolena, filha do proeminente diplomata Thomas Bolena, e irmã de sua outrora amante, Maria. Em agosto de 1527, dois anos antes da entrada de Jane como dama de Catarina, o monarca requisitou ao Papa uma dispensa para casar-se novamente.
Ana continuou atuando como dama de companhia de Catarina, mesmo após a mesma ter descoberto seu affair com o rei. Em realidade, a rainha nada podia fazer a respeito de tal assunto. Foi nesta época que Catarina de Aragão, Jane Seymour e Ana Bolena, tiveram que conviver juntas, muito além das expectativas do que o futuro lhes reservaria.

Para uma princesa treinada desde o nascimento para ser rainha consorte, a probabilidade de seu marido ter uma amante não lhe era estranha. Bastaria-lhe olhar em sua própria corte e notar as amantes de seus pais, irmãos e tios. No entanto, a recatada noiva de um rei, esperava que seu marido fosse a exceção da regra, mas este ideal quase sempre se desapontava, e foi assim com Catarina.
Ao contrário de Ana Bolena, nesta altura de sua vida, Jane não havia se deparado com flertes ou admiradores significativos. Jane era o que parecia ser, uma pacata jovem do campo, de educação muito pouco requintada, que não havia sido instruída nas artes flertivas da corte ou do amor cortês.
Como dama de companhia de Catarina, há muito pouco o que ser dito sobre Jane. É provável que ela tenha participado dos eventos da corte, e sabemos que nutria grande admiração por sua rainha, a quem servia com devoção. No entanto, os dias da rainha na corte, estavam contados.
No verão de 1531, Henrique retirou sua esposa da corte, deste modo, alienando ela e suas damas de companhia de eventos e diversões outrora rotineiros. Catarina ainda era rainha por nome, mas sua morada agora era distante da corte, e suas damas de companhia que seguiram caminho ao seu lado, experimentaram um momento de profunda reclusão.

O rumo dos acontecimentos parece mudar para Jane, quando em 1532, Thomas Cromwell recorda-se de um pedido de John Seymour para que este intercedesse junto ao rei em nome de sua filha. Nesta altura, Cromwell estava bastante próximo de Thomas Seymour, que se tornou um de seus protegidos. Isto pode ter facilitado o interesse do mesmo em ajudar a família em tal questão. Os registros do período também mostram que Cromwell faria com que Thomas conseguisse trocar presentes com o monarca no ano novo. Ele deu a Henrique uma espada com pedras preciosas, algo que o soberano pareceu apreciar.
Em setembro do mesmo ano, a amante do rei, Ana Bolena, tornou-se Marquês de Pembroke, participando, nos meses seguintes, de diversos eventos com o monarca inglês, e Francis I da França, em Calais. Neste meio tempo, Ana por fim cedeu aos desejos do monarca, deitando-se com o mesmo, e engravidando logo em seguida. Quando a gravidez de Ana se tornou conhecida para o monarca, o Great Matter tornou-se primordial, sendo absolutamente necessária a questão de obter um herdeiro varão legitimado.
No final de janeiro de 1533, Henrique VIII desposou Ana Bolena em uma cerimônia secreta, e em abril, obrigou seu recém ordenado Arcebispo de Canterbury, Thomas Cranmer, a declarar seu matrimônio com Catarina de Aragão nulo e sem efeito.
Não sabemos qual foi a reação de Jane ao ver sua antiga parceira de função tornar-se rainha e ser coroada no dia 1º de junho, mas o choque que tal revelação causou no reino, e no continente, foi notório.
Ainda a serviço de sua rainha, não sabemos se Jane presenciou a mesma ter sido privada de seu título. No entanto, os caminhos de ambas as mulheres iriam se separar, uma vez que, embora tenha sido mantida com todos os seus empregados, Catarina não era mais a rainha em título, sendo portanto, privada de seu séquito real, que incluía suas damas da câmara privada.

Jane foi então convocada à corte, sendo chamada para fazer parte do séquito da câmara real da nova rainha, Ana Bolena. Era o rei quem iria decidir se sua esposa usufruiria de espaçosos aposentos reais dentro do palácio ou se ficaria confinada em uma fria e distante ala no local. Era ele também, que seria o responsável por criar a câmara privada de sua rainha, local para onde Jane migraria. No entanto, segundo aponta o historiador David Loades, é improvável que Henrique tenha notado Jane nesta época. E uma vez que seu pai se encontrava longe da corte, e seu irmão não era íntimo a ponto de indicá-la para tal função, é plausível que o responsável por isto tenha sido Thomas Cromwell, ou a própria Ana. Uma vez que sabemos que Jane era conhecida por ser uma jovem pacata e sem grande beleza, nesta altura dos acontecimentos, não é de se duvidar que era a dama ideal que a nova rainha precisava – em suma, alguém que não se envolveria em escândalos ou competições.
No momento em que Jane entrou para o séquito real, Ana Bolena estava prestes a dar à luz, e é provável que uma de suas primeiras missões, tenha sido ajudar nos preparativos para o parto. Em agosto de 1533, Ana foi levada ao palácio de Greenwich, a fim de ficar reclusa até o momento do parto. Tal reclusão consistia no afastamento da mesma de todos os homens, fazendo então com que os serviços masculinos de acender o fogo, guardar as portas e servir a mesa, recaíssem sobre suas damas da câmara privada. É provável que Jane tenha realizado este e outros serviços, como o de dormir em uma esteira no chão do quarto da rainha, caso ocorresse algum problema durante a noite.
Chegando a hora do parto de Ana, Jane também pode ter auxiliado, levando panos limpos e bacias de água para facilitar o serviço dos médicos reais. O trabalho de parto foi difícil, mas por fim a rainha deu à luz uma saudável menina, no dia 07 de Setembro de 1533. Ana estaria cansada após o acontecimento, e uma das funções executadas por suas damas, seria a de pentear seus longos e negros cabelos, ajudá-la na higiene e servir uma taça de vinho para que pudesse se refrescar.
No ano seguinte, em 1534, Ana engravidou novamente. As esperanças de que o bebê fosse o tão ansiado herdeiro varão, eram grandes. Porém, houve um aborto. A situação do casal real, embora não tenha se desfragmentado, conforme assinalou Loades, pode ter se abalado um pouco, uma vez que dúvidas vindas do monarca a respeito de sua decisão em desposar Ana, podem ter começado a surgir.
Em agosto do mesmo ano, Henrique inicia um novo affair com uma dama desconhecida, incomodando bastante a rainha, que ordenou que a mesma fosse demitida de seus serviços. O monarca por sua vez, reprimiu-a, alertando que ela ”apenas havia chegado à tal posição, devido a ele, e que o mesmo estava arrependido do que até agora lhe havia dado”. Quinze dias antes, Henrique havia emitido uma carta banindo Jane Parker – esposa de George Bolena, e cunhada de Ana – da corte, por esta, ao lado da rainha, forjar uma discussão com um antigo affair do rei, fazendo com que este, tivesse que deixar a corte.

Segundo Eleanor Herman, em seu livro, ‘Sexo com Reis’, no início do matrimônio, a nova rainha era a estrela de sua corte, mas quando os tambores cessavam e as festividades chegavam ao fim, todos se reuniam em torno da amante do rei e seus segredos de alcova. Isto pode claramente aplicar-se à Ana, que passou a notar que os affairs de seu marido, ocorreriam mesmo contra sua vontade e seu controle sobre o assunto seria cada vez mais escasso.
Embora estivesse em um terreno vulnerável, uma vez que após desposar Henrique, pouco havia feito para assegurar sua posição de rainha, os affairs e boatos que corriam pela corte e continente, não eram suficientes para conotar um abalo irreparável no relacionamento do casal. No entanto, é digno de nota que, como amante do rei, Ana tinha direito a seus ataques de fúria, caso os olhos de Henrique se virassem para outras mulheres. Ela podia ser sua amada, mas sabia que sua posição era instável. Porém, agora como esposa, sua posição era diferente. Ela tinha que suportar as infidelidades de seu marido, assim como Catarina outrora havia feito, além de ser ”mansa e submissa às suas vontades” – algo que a índole e gênio tempestivo de Ana, a impediam de fazer.
Segundo aponta Loades, Ana Bolena era uma esposa não convencional de um marido convencional. Ela não jogava segundo às regras de seu estatuto e isto enfurecia o monarca. Deste modo, Henrique pode muito bem ter cogitado deixá-la em meados de 1534, mas havia um fator que o impedia de fazê-lo, e este, era sua antiga esposa, Catarina – que ainda estava viva. O rei sabia muito bem da sentença papal de 1533, que o ordenava a voltar para ela. Se o monarca repudiasse Ana, a pressão para que ele voltasse para sua antiga consorte seria muito forte, algo com o qual o mesmo claramente não desejaria lidar – mesmo com Chapuys deixando bem claro que as mudanças em suas relações com o Imperador, dependiam deste fator.
Após o retorno de uma bem-sucedida campanha pelo reino, Henrique VIII e sua comitiva hospedou-se em Wolf Hall, lar dos Seymour. Segundo o senso comum, foi nesta ocasião que Jane chamou a atenção do monarca. Porém, de acordo com Loades, não há como afirmar que Jane estivesse presente na ocasião, e caso estivesse, ela claramente não poderia estar nos mesmos aposentos em que o monarca praticaria seus banquetes ou residiria. É mais provável que a jovem estivesse em Londres.
Em outubro de 1534, Ana engravida pela terceira vez. Durante a habitual troca de presentes do ano novo, foi permitido que Jane enviasse um presente ao monarca, que retribuiria o favor. Embora até este momento, não tenhamos relatos de um indubitável encontro entre Jane e Henrique VIII, o que é certo é que seu nome ao menos, não era desconhecido para o monarca. O ano de 1535, passa sem nenhuma atenção especial de Henrique para com Jane. E por fim, em 07, de janeiro de 1536, a primeira esposa do monarca, Catarina de Aragão, falece no castelo de Kimbolton.

A primeira reação de Henrique diante desta notícia, foi de alívio. Segundo ele diria, ”as suspeitas de guerra contra a Inglaterra, por fim haviam cessado”. Junto com a morte de Catarina, cessaram também as atitudes negativas do Imperador Carlos para com o monarca inglês. Uma vez que a morte de Catarina, removeria qualquer possibilidade de que o monarca pudesse retornar a ela, de algum modo também tornou a excomunhão de Henrique um tanto obsoleta, embora não houvesse qualquer sinal de que a mesma seria revogada.
No momento em que Catarina deixou este mundo, a posição de Ana como rainha, tornou-se inquestionável – ao menos em termos menos técnicos. A esta altura, ela estava grávida pela quarta vez. Ana agora poderia comemorar e torcer para que desse à luz o tão ansiado herdeiro varão, fazendo assim com que sua posição se tornasse totalmente segura. No entanto, ela também estava ciente de que, caso desse à luz uma menina ou abortasse o feto, poderia estar em sério risco.
Por mais irônico que possa parecer, quando Catarina de Aragão faleceu, morreu junto com ela a maior proteção que até então Ana poderia ter como rainha. Isto porque, com Catarina morta, o rei não mais possuía um empecilho para livrar-se de Ana.
No dia 29 de janeiro, Ana tem um aborto, o que causa mais instabilidade em sua posição. Muitas histórias são contadas sobre o rompimento de Henrique VIII com Ana Bolena, mas devemos levar em consideração, que a maioria delas foi escrita anos após os acontecimentos terem ocorrido. Um típico exemplo disto, segundo aponta o historiador David Loades, provém de Jane Dormer. De acordo com Loades, no início do século XVII, Jane Dormer culpou o ocorrido à Jane Seymour. Segundo ela, Ana surpreendeu Henrique em flagrante delicto, que ocasionou o aborto da rainha. Ana então amargamente censurou o monarca: ”Veja o quão bem eu estive desde o dia em que peguei aquela mulher sem rumo, Jane, sentada em seu joelho”. No entanto, Dormer sequer era nascida na época, e baseou sua opinião, na história de uma dama que trabalhou para Ana, e que já estava muito velha, sendo provável que sua memória pudesse lhe pregar peças. Dormer disse que Ana Bolena queria que Henrique expulsasse Jane Seymour da corte, após descobrir seu affair com o rei, mas o mesmo não permitiu. Como resultado, ”houve muitos arranhões e tapas entre Ana e sua dama”. Mas, como podemos ver, todo este testemunho tem marcas de retrospectiva tardia.
Nós não sabemos a data exata em que Henrique VIII se interessa por Jane Seymour. No entanto, sabemos que, em fevereiro de 1536, suas investidas para com Jane Seymour, tornam-se notórias. Em público, o rei parecia mostrar nutrir o mais sincero afeto por sua esposa, até o final de abril – embora suas atitudes para com ela, divergissem consideravelmente. Segundo registros, Henrique deixou a corte no dia 28 de fevereiro, para celebrar o entrudo sozinho em Westminster, ao invés de aproveitar sua companhia em Greenwich. Isto, no entanto, poderia ter ocorrido devido ao fato de Ana estar em convalescência após o aborto, e o monarca ter assuntos importantes para resolver no parlamento.

No dia 18 de Março, Chapuys registrou o nome de Jane como sendo o novo affair do monarca. Quinze dias antes, Thomas Cromwell foi deslocado de uma câmara que ocupava próximo ao rei, para que Sir Edward Seymour e sua esposa fossem instalados. Esta câmara consistiria em uma suíte de quartos na parte mais prestigiosa do palácio de Greenwich, conectada aos apartamentos reais por uma passagem secreta. Eduardo acabava de ser nomeado cavalheiro da câmara privada – título anteriormente conferido a George Bolena, irmão de Ana – e por isso, merecia por direito tais acomodações, mas Chapuys especulou – sem dúvida corretamente – que tais arranjos haviam sido feitos a fim de facilitar a comunicação com Jane, que poderia visitar seu irmão sem provocar comentários ruidosos de atentos cortesãos.
Durante toda a corte feita por Henrique VIII à Jane, foi alegado que mesma foi assiduamente treinada por aqueles na corte antagônicos à rainha, que alertavam-na “para que de modo algum cedesse às fantasias do rei, ao menos antes que o mesmo a fizesse sua rainha”. Uma ação sobre a qual Chapuys teria dito ao seu mestre – ”que a donzela está bastante resolvida”.
Segundo Anne Somerset em seu livro ”Ladies in Waiting”, Jane foi suficientemente astuta para erigir um impenetrável muro de virgindade a fim de cativar o rei. Segundo relatos, ela foi instruída a envenenar a mente do rei contra sua esposa, dizendo a ele na presença de testemunhas ‘‘o quanto seu casamento com Ana era abominável para seus súditos e que ninguém o considerava legítimo’’.
Porém, de acordo com a historiadora Antonia Fraser, tal menção era um ponto de vista que nada tinha de absurdo, e é provável que representasse a sincera opinião de Jane. O futuro mostraria que ela não tinha o tipo de ideais religiosos que a levaria a apoiar o casamento de Bolena, por sua vez, se apegando ao sistema antigo. Na realidade, a opinião de Jane sobre Ana, representava o que a maioria do povo acreditava sobre o segundo casamento do rei. A maioria considerava o enlace contra as leis de Deus, acreditando que Catarina era a verdadeira rainha inglesa.
Durante o mês de abril, Henrique tentou a virtude de Jane. Nós dependemos do relato de Chapuys para este ocorrido, mas ele cita um homem, provavelmente Thomas Elliot, cavalheiro da câmara privada, e portanto, de fato, com bastante autoridade para saber de tal ocorrido. De acordo com Chapuys, o rei estava em Westminster na hora, e a jovem dama que ele se interessava, uma ‘senhorita Seymour’, estava em Greenwich, presumivelmente cumprindo seus deveres rotineiros. Elliot informou a ele que o rei havia lhe enviado uma carta, e uma bolsa cheia de moedas, através de um mensageiro especial. Nós não sabemos o conteúdo da carta, mas segundo aponta Loades, deve ter sido algo semelhante à missiva por ele enviada à Ana Bolena, em 1527. Jane então beijou a carta e retornou-a ao mensageiro sem abri-la, implorando de joelhos:
”Que ele rezasse ao rei de sua parte, para considerar que ela era uma gentil mulher de bons e honrados pais, sem repreensão, e que não possuía mais valioso tesouro no mundo que sua honra, e que preferiria morrer milhares de vezes que manchá-la’’.
Ela continuaria dizendo que, caso o monarca a quisesse presentear, implorava poder ser em ”um momento em que Deus pudesse agraciá-la com algum vantajoso casamento’’.

Conforme aponta Eleanor Herman, os talentos sexuais não eram o suficiente para elevar uma mulher ao status de amante real. Um rei podia levantar as saias de tantas mulheres quanto pudesse, sem conferir-lhes o devido favorecimento e ajuda necessária para sua elevação na corte, ou de sua família. Em suma, o rei poderia sentir-se atraído por uma dama, por diversos outros aspectos, algo que Jane soube agradá-lo.
Segundo aponta Antonia Fraser em seu livro ‘As seis mulheres de Henrique VIII’, longe de ficar dissuadido, o rei ficou ainda mais encantado em ser rejeitado: ”Ela se portou neste caso, com grande modéstia’’, disse ele. Henrique então declarou que, portanto, ele falaria com ela apenas na presença de algum membro de sua família. Loades acredita que este comentário pode ter sido uma declaração feita para o povo, afim de cessar boatos e fofocas a respeito de tal assunto, dizendo que não há motivos para supor que Henrique tenha cumprido sua palavra.
Fraser cita que devemos nos alertar ao fato de que, as declarações de Jane sobre sua honra, poderiam ser mais práticas que pudicas per se, uma vez que nesta altura, satíricos já colocavam em risco sua honra. A própria Ana Bolena reclamou sobre o mesmo assunto no outono de 1529, dizendo que ‘‘perdera a oportunidade de um casamento vantajoso enquanto esperava uma decisão vinda do rei”. Tanto Ana quanto Jane, não eram herdeiras, e estas moedas que o rei conferiu a ela de presente, poderiam de fato representar um bom dote no futuro. Já que Jane Seymour não poderia esperar um dote de sua patroa – a rainha Ana – ela pode ter demonstrado prudência e não hipocrisia, ao lidar com a oferta do rei.
Conforme visto anteriormente, segundo Chapuys, Jane foi bem treinada pelas pessoas com intimidade com o rei, que odiavam a dita concubina, a não satisfazer os desejos do mesmo, exceto através do casamento. Porém, novamente como aponta Fraser, será que Jane realmente precisava que lhe auxiliassem nesta questão? Segundo ela, não é necessário acreditar que a jovem estivesse interpretando um papel, só porque ela havia saído-se tão bem em sua reação. Jane poderia ser a isca perfeita, apenas porque simbolizava sem artifícios, aquela pureza que um homem mais velho e sentimental no início de seus relacionamentos, podia admirar.
Embora a mente de Henrique pudesse estar rodeada com pensamentos a respeito de sua decisão em desposar Ana, sua atitude em relação ao suposto adultério e traição, alegadamente cometidos pela mesma, tomada no dia 1 de maio, parece ter sido um fator repentino, e não tão planejado quanto costuma-se supor. O monarca repentinamente acatou uma decisão de Thomas Cromwell, baseada na evidência do envolvimento da mesma com Henry Norris.
O quanto o afeto do rei por Jane contribuiu para a queda de Ana, nós nunca saberemos. A pessoa crucial nesta situação, parece ter sido Thomas Cromwell, que havia planejado derrubar a rainha no final de março. Isto devia-se ao fato de que ela interpunha-se diante sua intenção (e a do rei) em levar as propriedades dos pequenos mosteiros às mãos reais. No domingo da paixão (dia 02 de Abril) John Skip, que era esmoler de Ana, pregou abertamente contra esta política na capela real, citando a história do velho testamento de Haaman e Assueros, e a intenção deste primeiro em massacrar os judeus. Havia uma boa mulher (que o bom rei amava demais e a quem depositou sua confiança, uma vez que sabia que a mesma sempre seria sua amiga) que deu-lhe o conselho contrário. E como resultado disso, os judeus foram salvos e Haaman foi enforcado. Todos na capela entenderam a alusão. O rei Assuerus era Henrique VIII, sua boa mulher, Esther, era Ana Bolena, e o cruel Haaman, era Thomas Cromwell. Ana estava lutando contra algo que claramente estava incomodando o rei e um de seus mais fiéis súditos.

Conforme o tempo foi passando, a influencia de Ana na corte continuava forte, mas, pelo final de abril, a paciência do rei (na qual era a única que realmente importava) havia chegado ao limite. Por sua vez, o sagaz Cromwell havia mostrado-lhe um caminho que inquietou ainda mais a mente do monarca. Uma vez que seu segundo casamento era inválido, como sua longa empreitada por Ana seria explicada?
Então, no dia 28 ou 29 de abril, Ana teve um forte desentendimento com Henry Norris, no qual ela acusava o mesmo de desejá-la como esposa, caso algo de ruim ocorresse a Henrique. Os boatos sobre a conversa espalharam-se rapidamente por toda a corte, afinal, era traição desejar ou apenas mencionar a morte do rei. Este acontecimento foi a última deixa para que Cromwell pudesse explorar alguma prova sobre um envolvimento sexual anterior de Ana. Ele agiu rapidamente e no dia 30, conseguiu a confissão – provavelmente falsa e sob tortura – de Mark Smeathon um músico que nutria grande admiração pela rainha. Smeathon foi então acusado de adultério com Ana. Estes acontecimentos finalmente fizeram a cabeça de Henrique, e no dia 2 de maio, ela foi presa e lavada para a torre. Enquanto Ana estava na prisão, esperando pela atenção do Conde Marechal da corte, Henrique voltou-se para Jane Seymour, ordenando que ela partisse para a casa de Sir Nicholas Carrew, próxima a Westminster, local que seria propício à visitas reais. Foi neste momento que Ana Bolena tornava-se cada vez mais esquecida.
Condenada por traição pela corte de pares, ela perdeu seu título de Marquês de Pembroke em virtude de sua atendente, e poucos dias depois, seu casamento foi declarado nulo e inválido, pelo mesmo arcebispo que outrora o havia validado. Segundo Loades, o documento de causa para esta audiência não sobreviveu, então não podemos ter certeza de sua pauta exata. Não pode ter sido por causa do adultério, que supostamente foi cometido depois, podendo ter a ver com a consanguinidade, que resultou do affair anterior de Henrique com Maria, irmã de Ana – embora isso fosse de conhecimento geral em meados de 1533. Na realidade, a verdadeira razão para isto, era porque o rei assim o queria.

No dia 18 de maio, Chapuys escreveu ao cardeal Greville, fornecendo um relato de como seria a mulher que provavelmente viria a ser a terceira consorte henricana:
”Ela é irmã de um tal Eduardo Seymour, um dos homens do rei, de estatura média e sem grande beleza, tão pálida que poderiam chamá-la de mais alva que qualquer outra. Ela agora tem mais que 25 anos de idade, e eu deixo isto a você, para julgar se ser inglesa e ter há muito frequentado a corte, traz a ela alguma vantagem…’’
Ele hesitou no entanto, em escrever se ela era inteligente ou não, mas a realidade é que ela não carregava nenhuma bagagem política, e ele sarcasticamente terminou: ”talvez o rei fique muito feliz de ter se livrado de uma encrenca’’.
Ana foi executada no dia 19 de maio de 1536. Dois dias após sua morte, Chapuys escreveu uma carta alertando que havia acabado de ser informado que o noivado do rei havia ocorrido às 9 da manhã, com a senhora Seymour indo secretamente para o lodge real através do rio.
Era para este noivado permanecer em segredo, uma vez que isto apenas conotava a demasiada pressa do rei, mas o mesmo tornou-se conhecido quase que imediatamente, contribuindo com a noção popular posterior, de que era o desejo de Jane que Ana fosse decapitada. No entanto, conforme visto anteriormente, esta seria uma análise muito simplista dos fatos, sendo provavelmente Cromwell, o verdadeiro agente provocateur de todos estes eventos.

A corte européia ficou em choque com as notícias vindas da Inglaterra. Boatos e missivas corriam por todo o continente. Henrique VIII seria capaz de tudo para seguir com seus desejos?
As únicas pessoas que estariam melhor informadas sobre o arranjo marital do casal seriam os cortesãos. É irônico que, a única vez que Ana Bolena conquistou a simpatia do povo, foi através de sua morte. Neste breve período que duraria a comoção de todos pelo fim da segunda esposa de Henrique, até mesmo Chapuys passou a referir-se à Jane como sendo ”a outra’‘.

O lema de Jane ”Bound to obey and serve’’ (obrigada a obedecer e servir) refletia seus próprios pensamentos a respeito do que deveria ser feito por ela enquanto esposa de Henrique. Quieta e obediente, ela chegou como uma bem-vinda mudança ao comportamento da antiga rainha: ”Ela é a senhora mais gentil que já vi […] o rei saiu do inferno para ir ao céu” – escreveria um cortesão sobre Jane.
Jane sabia que deveria ser a recatada e fiel consorte do rei, satisfazendo suas vontades e desejos – principalmente o de fornecer ao monarca um herdeiro varão. Aparentemente, ela não tinha sua própria agenda política e quase nenhuma bagagem prática para seguir no instável caminho que trilharia a partir de então. No entanto, Jane então encontrou sua carreira sendo a amiga de lady Mary, além de também, para todos os fins, ser uma fiel protegida de Thomas Cromwell.
Bibliografia:
SKIDMORE, Chris. Edward VI: The Lost King of England. St. Martin’s Press; 1st edition (November 13, 2007).
IVES, Eric. The Life and Death of Anne Boleyn: ‘The Most Happy’. Wiley-Blackwell; Edição: 1 (9 de junho de 2008).
FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Best Seller (27 de fevereiro de 2009).
LOADES, David. The Seymours of Wolf Hall: A Tudor Family Story. Amberley Publishing; (June 15, 2015).
SOMERSET, Anne. Ladies in Waiting: From the Tudors to the Present Day. Booksales; (June 1, 2004).
LOADES, David. Jane Seymour: Henry VIII’s Favourite Wife. Amberley Publishing (November 15, 2014).
HERMAN, Eleanor. Sexo com Reis. Objetiva; (20 de outubro de 2005).